Tiradentes – Muito antes de se interessar por leis e pelo direito, o cinema foi a grande paixão de infância de Cármen Lúcia Antunes Rocha, ministra do Supremo Tribunal Federal (STF). Neste sábado (21/1), ela emocionou a plateia que lotou o Centro de Cultura Yves Alves, na cidade histórica de Tiradentes, ao falar de sua relação com a arte. E enfatizou que a cultura é direito de todos, como determina a Constituição.





“Tudo o que dizia respeito ao cinema era um encantamento, que se projeta para além das telas, que quase já não existem mais nas grandes cidades. Sou exatamente a mulher de um mundo que já acabou”, disse a ex-presidente do STF, durante a abertura do Fórum de Tiradentes, na 26ª Mostra de Cinema de Tiradentes, que começou na sexta-feira (20/1).


“Tenho quase pena de ver meus sobrinhos, meus sobrinhos-netos não poderem se preparar e vestir roupa nova para ir à matiné aos domingos – imaginem de que tempo sou eu – no Palladium e no Pathé”, afirmou, referindo-se a duas salas de cinema que fazem parte da história de Belo Horizonte.


A ministra contou ao público que viu o primeiro filme aos 7 anos, no Cine Fátima, em Montes Claros, cidade do Norte de Minas onde nasceu.


“Os cinemas daquele tempo eram realmente um espetáculo”, relembrou. O encantamento se dava não apenas no momento de assistir ao filme, mas antes mesmo da sessão, cercada por dias de expectativa. “Depois, eu ainda sonhava com aquilo”, revelou.





 

 

 

Cármen Lúcia defende que todos devem ter o direito de se aprontar para ir ao cinema. “Nós, humanos, somos formados e nos fortalecemos na nossa humanidade e no diferencial de outros seres vivos, mas não humanos, nisso. A gente tem a espera, que é decorrente de um sonho, depois a gente realiza, depois a gente frui”.

 

O cinema, aliás, faz parte da família de Cármen Lúcia. Ela é tia de Marília Rocha, de 45 anos, que está entre as diretoras mais importantes do país, com elogiados e premiados filmes no currículo – “A cidade onde envelheço” (2016), “A falta que me faz” (2009), “Acácio” (2008) e “Aboio” (2005), entre outros.

 

Diretora de filmes premiados, Marília Rocha é sobrinha da ministra do STF

(foto: Acervo pessoal)
 

Circo, o acontecimento em Espinosa

A ministra recorreu novamente às memórias da infância ao lembrar o acontecimento que era a chegada do circo a Espinosa, cidade do Norte de Minas onde morou.





“Ficávamos dias esperando. Depois que ele chegava, ainda tínhamos de ter notas boas para os pais nos deixarem ir.” Produções circenses eram “muito pobrinhas”, segundo ela, e a cidade de Cármen, no sertão mineiro, significava, literalmente, o “fim da linha”.


“Mas o encanto durava semanas”, revelou, citando a bailarina com seu rendado quase todo perfurado, mas encantadora para a menina Cármen, que só via beleza ali.


Bem-humorada, a ministra contou que a irmã mais nova tentou fugir com o circo. “Foi um sucesso na família. Ela dizia que conseguia dançar como a bailarina. Havia tudo isso, que se perdeu, na vida da gente”.


Na mesa mediada por Alfredo Manevy, coordenador executivo do Fórum de Tiradentes, a ministra do STF defendeu o cinema, o audiovisual, a arte e a cultura como fundamentais para a humanidade.


“Artista é aquele a quem Deus tocou para que nós fossemos igualmente tocados por extensão”, comentou.





Cultura e Constituição de 1988

A ex-presidente do STF enfatizou que a Constituição de 1988 estabelece como direito fundamental do cidadão o acesso à cultura, bem como é dever do Estado resguardar o patrimônio pessoal, autoral e os bens culturais.


Cármen Lúcia comentou também tentativas de obstruir a arte e os artistas. “Isso é antidemocrático, antirrepublicano, contrário aos direitos fundamentais”, ressaltou.


“A possibilidade de fazer, como dizia Darcy Ribeiro, um país que seja uma nova Roma, com todas as possibilidades que a história não deu, é entregue aos senhores que criam arte, divulgam a arte e possibilitam que tenhamos uma melhor humanidade”, ressaltou.

 

O repórter viajou a convite da organização da 26ª Mostra de Cinema de Tiradentes 

compartilhe