Um álbum exclusivamente de choros, assim é “Varandão”, do músico pianista, compositor e arranjador carioca Cristovão Bastos e do violonista, arranjador e compositor alagoano João Lyra. Independente, o disco traz 10 canções autorais, sendo oito parcerias e as outras duas uma de cada. Além de Bastos (piano) e Lyra (violão), participaram das gravações, Rui Alvim (clarinete, na faixa 10), Durval Pereira, percussão, em todas as faixas) e Bastos (baixo, em todas as faixas).





Bastos explica que a palavra varandão é uma designação dada ao chorinho lento, porém já é considerada como gênero do choro. Tal expressão foi dada pelo músico João de Aquino, sendo que, originalmente, era varanda da saudade e, posteriormente, ficou conhecida somente como varandão. Músicos experientes que já tocaram e ainda tocam com grandes nomes da MPB, Bastos e Lyra trazem às suas canções timbres e modulações diferentes, além de caminhos melódicos surpreendentes.

O pianista conta que o disco foi feito em etapas. “Fomos fazendo aos poucos, acrescentando uma ideia aqui, gravando uma música ali... É um álbum no qual a gente trabalha com a ideia das composições, aquilo que o pessoal chama de varandão. Fizemos essas composições com esse sentido, não é uma coisa velha, porém é mais antiga. E o jeito de compor, a gente trabalhou em função disso. São 10 músicas, todas inéditas e as fizemos para esse projeto. Com exceção de duas, as outras oito são parceiras minhas com o João.”

Tempos antigos

Bastos ressalta que “Varandão” é um disco todo de chorinho. “A maior parte é choro lento, tem um ou outro mais agitado. É meio que o retrato de uma época, embora, uma hora ou outra, a gente faça alguma coisa de harmonia ou um fraseado que é algo mais recente. Mas, sem dúvida, é uma visita ao tempo antigo. O disco tem 10 choros e, em oito, ou João fez a primeira parte e eu a segunda ou vice-versa”, ressalta.




Ele explica que varandão é um termo que surgiu por causa das varandas, nas quais as pessoas tocavam antigamente. “Hoje, quase não existe mais varanda. O choro começou, até o formato dos choros antigos, lembrando o rondó, que é uma forma musical instrumental, que começou a ser mais estabelecida em meados do barroco, algo mais erudito. Foi de onde ele veio, porque a Corte trouxe para o Brasil alguns instrumentos para as pessoas tocarem e aí o povo começou a botar a mão neles e a coisa foi evoluindo. Na verdade, ele surgiu no Rio de Janeiro, por volta do final do século 19. Suas principais características são a forma rondó, presença de compasso binário e um fraseado peculiar.”

O músico garante que fazer o novo disco foi prazeroso. “Foi um trabalho de longo prazo, talvez a gente esteja nele há cerca de cinco anos. Fizemos esse álbum com calma e muito carinho. O disco surgiu agora e é um trabalho na contramão do que todo mundo escuta hoje, mas é legal ter esse tipo de trabalho também. Ao mesmo tempo, é um registro nosso das coisas que a gente faz.”

Segundo Bastos, João Lyra já mandou todas as músicas para as plataformas digitais e YouTube. “Por enquanto ainda não temos clipes, mas vamos ver como fica”, adianta.

Cantor

Cristovão Bastos participou recentemente do disco “A música do músico – Moacyr Luz e convidados” (Tratore – 2022), cantando a canção “Sagitário”, mas garante que não tem a mínima pretensão de se tornar um cantor. “Agradeço ao Moacyr por isso, mas jamais cantaria se não fosse por ele. Muita gente falou para mim que ficou legal e que gostou da minha voz. Na verdade, também gostei muito do resultado, mas confesso que não fico pensando em cantar. Eventualmente, em alguma ocasião, algum registro que faça, posso até cantar uma das músicas, pois acho que vale a pena, mas pensar em sair cantando por aí não, porque não é a minha intenção."

Ele garante que prefere continuar escrevendo, compondo e tocando. "É o que sempre fiz e gosto de fazer. Não que não possa fazer alguma coisa nova, pois posso também, como foi cantar, mas acho que estou mais bem preparado para fazer o que já faço há muito tempo. Não tenho a pretensão de gravar um disco cantando.”





O pianista conta que a dupla está pensando em fazer também a versão física de "Varandão". “É legal também ouvir o disco físico, seja vinil ou CD, olhando a capa, a ficha técnica, ouvindo as músicas... Caso contrário, fica uma coisa impessoal, essa de ouvir música nas plataformas digitais. Fica parecendo música de elevador, a pessoa bota lá e fica ouvindo aquilo. Outra coisa que acho que não tempos nas plataformas, aliás, pode ser até que já tenha, é a ficha técnica, algo legal de ler quando se escuta uma música.”

Macalé

Quanto à agenda de shows, Bastos explica que está esperando Lyra voltar do Japão, onde está passando uma temporada com a família. “Quando ele voltar, vamos consultar a nossa agenda para programarmos os shows com o objetivo de lançarmos esse álbum”. Sobre os planos, ele revela que continua dando aulas de piano e que acabou fazer dois arranjos para Jards Macalé. “Também fiz vários arranjos para o padre Fábio de Melo e toquei no disco que o Zé Renato está lançando. Inclusive, toquei piano na faixa ‘Suave é a noite’. Só sei que não paro nunca.”

Bastos confessa ser um apaixonado pelo piano. “Estudo muito o instrumento até hoje. Na verdade, comecei no acordeom que era um instrumento prático. Naquela época, houve uma febre e as pessoas queriam aprender a tocar acordeom a qualquer custo. E havia várias feras do acordeom, entre elas, o italiano Mário Zan (1920-2006) e o Chiquinho (1928-1993), que tocou muito com o Radamés Gnattali (1906-1988) e tantos outros. Mais tarde, acabei indo para o piano, numa espécie de amor à primeira vista. Penso que, graças a Deus, pude conhecer essa turma, além de tantos outros músicos feras durante todos esses anos como profissional da música.”


“VARANDÃO”
• Cristóvão Bastos e João Lyra
• 10 faixas
• Disponível nas plataformas digitais

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