Tiradentes –
Foi quase “no susto” o convite que Ney Matogrosso recebeu de Helena Ignez para atuar no filme dirigido por ela. A musa do Cinema Novo, ao se encontrar com o cantor depois de um show, disse que queria trabalhar com ele.





Ator frustrado confesso, Ney havia feito apenas um filme: “Sonho de valsa”, dirigido por Ana Carolina, no final dos anos 1980. E perguntou o que Helena queria dele. “Quero tudo”, respondeu a cineasta.

“Como assim, quer tudo?”, relembrou Ney, provocando risos na plateia que lotou o teatro do Centro de Cultura Yves Alves, no seminário Encontro com os Filmes, promovido pela 26ª Mostra de Cinema de Tiradentes, na cidade histórica mineira.

“Não pensem mal”, tranquilizou o astro da MPB, explicando que Helena o queria como cantor e cidadão. “O cantor e eu somos duas pessoas diferentes. Entendi que ela não queria que eu cantasse, queria um performer”, diz Ney.


Amizade selada nas telas

A partir daquele encontro, Helena e Ney ficaram amigos. Sob a direção dela, ele foi o ator de “Luz nas trevas – A volta do bandido da Luz Vermelha”, lançado em 2010. A parceria se repetiu nos filmes “Poder dos afetos” (2013) e “Ralé” (2016), todos com a codireção de Michele Matalon.





Agora, a dupla divide a tela em “A alegria é a prova dos nove”, o novo longa de Helena Ignez, uma das atrações da Mostra de Cinema de Tiradentes, que será encerrada no próximo sábado (28/1).

“Tenho total sintonia com o pensamento dela”, afirma Ney Matogrosso ao Estado de Minas. “Tanto que, neste filme, muitas das coisas que falei são coisas que penso. Passamos o dia conversando e, na hora de filmar, Helena pedia que eu dissesse o que conversamos horas antes”, conta.



Por sua vez, Helena revela que é maravilhoso ter este ator especial como muso.
 
“Ney é um mistério. A intimidade destrói um pouco as pessoas. A intimidade não revela tanto. Essa transparência eu não procuro ter tanto em relação a ele. Gosto de vê-lo”, diz, ao comentar a presença de Ney Matogrosso nos quatro filmes dirigidos por ela.





Entre as qualidades do cantor, a diretora enumera as emanações dele, a arte que é dele, o jeito de ser. “Gosto, e isso nem se fala, do jeito dele de cantar, que é extraordinário. Ney é um dos maiores do mundo, não há a menor dúvida.”

Engana-se quem pensa que a amizade dos dois é de “pega pega” – palavras de Helena. “A amizade que temos é muito diferente. É uma coisa bonita porque tem amor e criação”, define a estrela do Cinema Novo.
 

A atriz e diretora Helena Ignez, de 80 anos, recebe homenagem durante seminário na Mostra de Cinema de Tiradentes

(foto: Jackson Romanelli/divulgação)
 

Em “A alegria é a prova dos nove”, a diretora quis um Ney mais íntimo. “A nova revelação, tão forte como cantar”, elogia. No set, ele se entregou. “Era um Ney sem resistência”, afirma a cineasta. “Tanto que deu algumas sugestões, como a cena do beijo entre os personagens dele e do ator Dan Nakagawa. Meu montador (Sérgio Gag) disse que tinha namoro ali”, brinca ela.





Ney nega. E lembra que, anos antes, em um show em São Paulo, houve um beijo entre os dois – Dan é cantor, compositor e dramaturgo. “Era tudo encenação”, afirma, bem-humorado.

Musa do Cinema Novo, Helena Ignez atua e dirige o longa "A alegria é a prova dos nove"

(foto: Mercúrio Produções)

Verde-amarelo

“A alegria é a prova dos nove” foi lançado no Cine Tenda, com capacidade para 700 pessoas, quase lotado. Helena Ignez, ovacionada, chamou a atenção com sua camiseta estampada com a Bandeira Nacional.

“O símbolo é nosso”, afirma a atriz e diretora, de 80 anos, revelando que, ultimamente, se assustava ao ver alguém “vestindo” ou portando a Bandeira Nacional, apropriada pelo bolsonarismo. “Tinha horror”, comenta.

“A bandeira pertence a nós todos”, emenda Ney Matogrosso. Helena diz que agora usa a camiseta com o símbolo nacional especialmente pelo orgulho de pertencer ao Brasil. “Sem fundamentalismos. Sobretudo, somos brasileiros.”





Tanto Ney quanto Helena dizem sentir alívio com a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. “Já estamos mais tranquilos, mais relaxados. Porque antes era impacto 24 horas por dia. Isso, pelo menos, parece que não voltará. Embora a gente saiba que existam perigos rondando a história”, pondera o cantor.

“Respiramos (aliviados) e com muita emoção”, emenda Helena Ignez, que torce pelo sucesso da gestão de sua conterrânea, a baiana Margareth Menezes, à frente do Ministério da Cultura.

“A gente espera muito não só da cultura. Tem gente morrendo de fome, de doença que não se morre. Isso é um escândalo”, afirma a cineasta.

A fome a deixa tão preocupada que garante que não faria o filme se não falasse também desse tema. “Lula e Janja farão um bom governo”, diz Helena Ignez.




 
“Todo o ministério do Lula está dando provas de que é uma gente voltada para o lado antagônico daquele maluco”, comenta Ney, referindo-se ao ex-presidente Jair Bolsonaro.

O cantor, que afirma não ser “eufórico com política”, aprova o rumo que as coisas estão tomando. Cita como exemplo o fato de o presidente da República acompanhar pessoalmente a tragédia dos ianomâmis. “Nossa Senhora, isso é bem diferente”, observa.

No passado, Ney fez críticas a Lula. “Estamos em uma democracia. O presidente não vai me perseguir por causa da minha opinião. Ela não significa que eu tenha ódio do Lula. Votei nele e torci para que ganhasse, porque sabia que até crítica você pode fazer dentro de uma democracia.”
 


"Bloco" de Ney continua na rua

Os próximos compromissos profissionais do cantor estão voltados para o prosseguimento da turnê “Bloco na rua”. A demanda pelo show é grande, comenta. Quando veio a pandemia, muitos contratantes já haviam pago as apresentações, que tiveram de ser adiadas.


“Já paguei o que devia, e não paro de trabalhar. Aliás, todo mundo está trabalhando. Participo de festivais com elencos imensos”, finaliza Ney.

O repórter viajou a convite da produção da Mostra de Cinema de Tiradentes 

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