A Amazônia é o grande tema da obra do cineasta e fotógrafo Jorge Bodanzky. Ele conheceu a região ainda na década de 1960, como repórter fotográfico da hoje extinta revista Realidade. Começou a filmá-la quando, como câmera, atuou como correspondente de uma emissora alemã. E, a partir de seu primeiro longa-metragem, "Iracema - Uma transa amazônica" (1975), dirigiu uma série de filmes, ao menos oito, sobre a região.
"Uma história acaba levando à outra", comenta Bodanzky, aos 80 anos. Em 2016, quando estava rodando a minissérie "Transamazônica - Uma estrada para o passado" (2021, lançada pela HBO), ele conheceu o personagem de seu mais novo longa. "Amazônia, a nova Minamata?" terá pré-estreia neste sábado (28/1), às 18h, no Cine-Tenda, no último dia da 26ª Mostra de Tiradentes.
O documentário, que chegará ao circuito comercial neste semestre, acompanha o neurocirurgião Erik Jennings, que atua há muitos anos na região. "Foi ele quem me chamou a atenção para os males do mercúrio no Rio Tapajós. Me disse que o que está acontecendo aqui hoje foi a mesma coisa que ocorreu no Japão, nos anos 1950."
A partir desta dica, Bodanzky criou a estrutura do filme, rodado no Brasil e no Japão. Em 1956, uma criança chegou ao hospital da cidade de Minamata com disfunção nervosa. O primeiro de uma série de casos que resultaram em centenas de internações e mortes tem uma só razão: as pessoas haviam sido envenenadas por mercúrio.
Mal de Minamata
Chisso, uma fábrica japonesa de produtos químicos, jogava toneladas de mercúrio no rio que desaguava na baía da pequena cidade. A ingestão de peixes contaminados provocava danos na visão e na audição, fraqueza, paralisia e morte. A síndrome neurológica ganhou o nome de Mal de Minamata - não há como reverter os sintomas. Mas foram necessários muitos anos para que o próprio Japão reconhecesse a causa da doença e que as vítimas fossem indenizadas.Bodanzky acompanhou o trabalho de Jennings e de uma equipe da Fiocruz que monitora os níveis de contaminação nas áreas do povo munduruku, que vive ao longo do Rio Tapajós. A atividade do garimpo é a principal responsável pela contaminação por mercúrio.
"E há garimpo em toda a extensão do rio. Tem aldeias mais ou menos impactadas, mas a contaminação é generalizada. Hoje, já se encontram pessoas com deficiência neurológica. (Até a realização do filme, rodado de 2019 a 2021.) As equipes médicas foram praticamente boicotadas pelo governo. Há formas de reverter a situação, mas o estrago está feito", afirma o cineasta.
O filme traz tanto imagens da Amazônia quanto de Minamata - históricas, da época da contaminação, e dos dias de hoje. Para tal, foi contratada uma equipe japonesa para realizar as filmagens locais.
A Amazônia que Bodanzky conheceu há mais de cinco décadas era diferente da de hoje. "A área era muito mais preservada, pois estou falando do início da ocupação, da construção da Transamazônica. Mas os problemas já começaram naquela época. Hoje, só aumentaram."
Para o cineasta, a grande quantidade de filmes-denúncia sobre a situação da Amazônia deve-se à urgência no socorro à região.
"São muitas situações graves: as hidrelétricas, a ocupação, o trabalho escravo, a questão da saúde. Todos os problemas tomaram uma dimensão totalmente fora do controle do governo. Mas a Amazônia tem mais do que isso, há muito a ser explorado. Mais recentemente, temos o movimento grande de cineastas indígenas que saem da denúncia política e enfatizam a questão cultural", aponta.
ENCERRAMENTO COM PRÊMIOS
Três anos depois da eclosão da pandemia, Tiradentes voltou a ter mostra presencial. A 26ª edição do evento termina neste sábado (28/1), com um clima de "renovação", comenta Raquel Hallak, idealizadora e coordenadora-geral da mostra. "Você sente isso nitidamente. Todo mundo está feliz, com esperança e um sentimento de colaboração, querendo que dê tudo certo."
Ela se refere ao retorno do Ministério da Cultura, que, extinto no governo anterior, foi retomado agora. Sucateado nos últimos quatro anos, o meio audiovisual marcou forte presença na mostra, que neste 2023 realizou a primeira edição do Fórum de Tiradentes - Encontros pelo Audiovisual Brasileiro.
"A Mostra de Tiradentes, que abre o calendário do audiovisual no Brasil, começou em outro cenário com o novo governo. Vemos a perspectiva de um novo ciclo para o audiovisual e as pessoas estão com desejo pelo diálogo e por estabelecer conexões", comenta Raquel.
O festival, que segue com intensa programação em seu último dia, termina com a premiação dos concorrentes. Nesta noite, serão anunciados oito prêmios, sendo o de maior destaque para a Mostra Aurora. Sete longas de jovens cineastas foram selecionados para a competição.
Cinema no site
O aprendizado com as duas edições (2021 e 2022) on-line da Mostra não ficou para trás. A programação, que reúne 134 filmes exibidos na cidade histórica, oferece também 40 títulos, disponíveis no site mostratiradentes.com.br. Alguns continuam no ar ao longo deste sábado.
"Estamos exibindo produções de 19 estados, o que é uma representatividade grande. O tema central, Cinema Mutirão, trouxe uma grande reflexão e mostra que cinema não se faz sozinho", afirma Raquel.
PROGRAMAÇÃO
. O que assistir no encerramento da Mostra de Tiradentes
• 10h30 – Mostrinha de cinema (curtas no Cine-Tenda)
• 12h – Curtas Mostra Valores (Cine-Tenda)
• 15h – Curtas Sessão Jovem (Cine-Tenda)
• 18h – Longa "Amazônia, a nova Minimata?", de Jorge Bodanzky (Cine-Tenda) e Curtas da Mostra Formação (Cine-Teatro)
• 20h – Longa "Propriedade", de Daniel Bandeira (Cine-Tenda)
• 20h30 – Longa"“Diálogos com Ruth de Souza", de Juliana Vicente (Cine-Praça)
• 22h30 – Encerramento com premiação (Cine-Tenda)
FÓRUM É CRIADO
Um grupo de 50 profissionais de cinema participou do Fórum de Tiradentes – Encontros pelo Audiovisual Brasileiro, iniciativa inédita na Mostra. O objetivo foi formular um amplo documento que será encaminhado em breve ao Ministério da Cultura (MinC) com algumas diretrizes que o setor recomenda após o sucateamento sofrido na gestão federal anterior.
O primeiro fruto desse encontro foi a Carta de Tiradentes, apresentada durante o festival. O texto enumera 17 pontos gerais - como marco regulatório de fomento, descentralização de investimentos, política internacional do setor, sistema nacional de preservação - que os grupos de trabalho dos diferentes segmentos do audiovisual (formação, produção,
distribuição, exibição e preservação) discutiram.
"Somos muito diversos e, dentro de cada segmento do fórum, há suas próprias pluralidades de pensamentos e demandas. O resultado desse processo é um relato do estado da arte no Brasil hoje", afirmou Mário Borgneth, um dos coordenadores do fórum.
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