Museu Nacional renasce das cinzas e luta para ser reaberto em 2026
Visitantes acompanham as obras, emocionados com as cores que voltaram à fachada principal. Recuperação, que depende do governo, custa no mínimo R$ 380 milhões
Gustavo Werneck28/01/2023 07:45
Rio de Janeiro - Mesmo com chuva, visitantes chegam de todos os cantos para admirar a fachada restaurada do Museu Nacional, na Quinta da Boa Vista, na capital fluminense. “Quem viu este monumento funcionando em toda sua grandeza, depois se horrorizou com a destruição pelo fogo e agora assiste ao renascimento, fica emocionado. Parece a história daquela ave da mitologia grega”, diz a turista paulista, equilibrando-se com a sombrinha para registrar o cenário na tela do celular.
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A comparação do Palácio de São Cristóvão, sede do museu vítima de incêndio em 2018, com a Fênix, o pássaro lendário que ressurgia das cinzas, é inevitável. E a paulista sabe que até “voar” em plenitude, o edifício-monumento, onde residiu a família real portuguesa, tem muito espaço a percorrer.
“Só de estar de cara nova, nesse tom claro, já é um alívio”, afirma a turista. Vale destacar: o amarelo-ocre da fachada e o verde das portas são as mesmas cores do período imperial.
Investimento federal
O entusiasmo abre as portas e contagia o diretor do museu, vinculado à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Alexander Kellner, certo de que é totalmente possível devolvê-lo à sociedade em 2026.
Para tanto, assegura, “é preciso que o governo (federal) que se inicia, especialmente por meio dos ministérios da Cultura, da Educação e da Ciência, Tecnologia e Inovação, se aproxime e ajude o quanto antes. É impossível um museu grandioso como este sobreviver sem investimentos públicos. Precisa haver maior conscientização do poder público, mudança de mentalidade na direção dos órgãos responsáveis pelo patrimônio”.
Segundo Kellner, o projeto de restauração do Museu Nacional não perdeu força nos últimos quatro anos.
“Avançamos muito, tivemos de aprovar os projetos, mas precisamos que haja a aceleração desse avanço no novo governo. O museu pertence a todos, a toda a sociedade brasileira, não é de esquerda, direita, rosa ou azul. Trata-se do primeiro da América Latina focado em ciências e antropologia”, ressalta.
De acordo com um primeiro orçamento, que agora está sendo atualizado, seriam necessários R$ 380 milhões para concluir as obras.
Luzia entre os escombros
O incêndio destruiu de 80% a 85% do acervo do Museu Nacional, então estimado em 20 milhões de itens ligados à antropologia, aos povos indígenas, à herança cultural e à biodiversidade.
Entre as “vítimas” estava o crânio de Luzia, o mais antigo fóssil humano (com idade de 11,4 mil anos e considerada a primeira brasileira), encontrado em 1974 na Gruta da Lapa Vermelha, em Pedro Leopoldo, na Região Metropolitana de Belo Horizonte.
Ao falar sobre “Luzia, esta grande mulher”, a voz de Kellner se levanta e ele comenta sua felicidade ao saber que o crânio havia sido encontrado em meio aos escombros. “Está em fragmentos não muito pequenos, e temos 90% do fóssil. Falta apenas a verba para fazer a reconstituição.”
No mês que vem, será concluído o restauro da fachada principal e da cobertura do chamado Prédio 1. Na sequência, serão elaborados, para aprovação, os projetos arquitetônicos dos prédios 2, 3 e 4. A expectativa é de que, em março de 2024, as obras comecem na parte interna do prédio.
Preparando um livro para lançar daqui a alguns anos sobre a história do Museu Nacional, com foco na tragédia de 2 de setembro de 2018 e no período posterior – “há coisas boas e ruins”, ressalta –, Kellner pensa no futuro do edifício-monumento, planejando exposições do acervo e a sustentabilidade, com projetos de segurança.
“Em 6 de junho, o Museu Nacional completará 205 anos, e teremos grandes novidades”, avisa, sem esconder o orgulho da parte restaurada: “Tenho certeza de que nem a família imperial faria uma fachada tão bonita assim.”
Dom Pedro II, o "anfitrião"
Olhar para a fachada do valioso patrimônio cultural, histórico e paisagístico, admirar o gramado bem cuidado no entorno e ver gente chegando para conferir o restauro se torna uma festa para os sentidos.
“Parece até que Dom Pedro II (1825-1891) dá as boas-vindas”, afirma o carioca que conversa com o repórter, durante pequena pausa em sua corrida diária, apontando para a escultura do imperador. Alexander Kellner considera uma satisfação ver tanta gente chegando, embora seja impossível, no momento, avaliar o número de visitantes.
As obras na fachada principal são coordenadas pelo projeto Museu Nacional Vive, cooperação entre a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e o Instituto Cultural Vale, contando com apoio financeiro do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e patrocínio do Bradesco e da Vale.
Para conhecer um pouco da riqueza dos acervos do Museu Nacional/UFRJ, o visitante pode apreciar, no hall de entrada do palácio ainda com as paredes marcadas pela fumaça, destaques da coleção de mineralogia. Entre eles, o meteorito Bendegó, encontrado em 1784, no sertão da Bahia.
Conforme a direção da instituição, “pela primeira vez após o incêndio de 2018, o público está convidado a se aproximar do prédio e a observar, de suas portas centrais, um conjunto diverso de minerais resgatados e novos itens recentemente adquiridos”.
Fachada nas cores do Império
De acordo com a nota divulgada pela coordenação do projeto Museu Nacional Vive, as obras das fachadas e cobertura do palácio foram iniciadas em novembro de 2021, após a proteção dos elementos artísticos e históricos que sobreviveram ao incêndio. Com orçamento total de R$ 23,6 milhões, o serviço nas fachadas e coberturas do bloco histórico vai até o mês que vem.
O restauro das fachadas e coberturas do palácio segue as recomendações do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), bem como as melhores práticas de conservação.
“O amarelo-ocre da fachada e o verde das portas são as mesmas cores do período imperial, ressaltando o compromisso do projeto em preservar a identidade e a trajetória arquitetônica do palácio”, observa Alexander Kellner no material divulgado à imprensa pela instituição.
Para restaurar a fachada frontal, atuaram cerca de 150 profissionais (mão de obra direta) em várias frentes de trabalho. Foi necessário consolidar alvenarias, restaurar esquadrias, ferragens e gradis, produzir 100 novas esquadrias, mantendo como referência as formas originais que existiam até setembro de 2018.
A reconstrução dos telhados se encontra em andamento. Todas as lajes de cobertura estão concretadas e impermeabilizadas, 50% da estrutura metálica e dos caibros já foram instalados.
Proteção contra raios
Prosseguem os serviços para a melhoria do sistema de captação de águas pluviais e a execução do sistema de proteção contra descargas atmosféricas. Do total de atividades contratadas para restaurar fachadas, coberturas e esquadrias do bloco histórico do palácio, 70% já foram executadas, incluindo ações de maior complexidade, como reforço metálico de vãos, consolidação de alvenarias internas e concretagem das lajes.
A nota divulgada pela coordenação do projeto traz ainda o depoimento da presidente da Associação Amigos do Museu Nacional, Mariângela Menezes: “Outra ação muito relevante, já concluída, é a restauração das esculturas centenárias de mármore de Carrara, no topo da fachada. O trabalho especializado resultou ainda na produção de 30 réplicas das estátuas, que já estão no coroamento do palácio, devolvendo a integralidade deste patrimônio à sociedade. Agora, as esculturas originais integram a coleção de peças históricas da instituição e oito delas já estão disponíveis para apreciação do público no Jardim Terraço da Quinta da Boa Vista”.