Fachada principal do Museu Nacional, gravemente danificada por incêndio, repintada de amarelo-ocre

Fachada principal já exibe o amarelo-ocre característico do Palácio de São Cristóvão desde os tempos do Império

Gustavo Werneck/EM/D.A Press

Rio de Janeiro -
Mesmo com chuva, visitantes chegam de todos os cantos para admirar a fachada restaurada do Museu Nacional, na Quinta da Boa Vista, na capital fluminense. “Quem viu este monumento funcionando em toda sua grandeza, depois se horrorizou com a destruição pelo fogo e agora assiste ao renascimento, fica emocionado. Parece a história daquela ave da mitologia grega”, diz a turista paulista, equilibrando-se com a sombrinha para registrar o cenário na tela do celular.

A comparação do Palácio de São Cristóvão, sede do museu vítima de incêndio em 2018, com a Fênix, o pássaro lendário que ressurgia das cinzas, é inevitável. E a paulista sabe que até “voar” em plenitude, o edifício-monumento, onde residiu a família real portuguesa, tem muito espaço a percorrer.

“Só de estar de cara nova, nesse tom claro, já é um alívio”, afirma a turista. Vale destacar: o amarelo-ocre da fachada e o verde das portas são as mesmas cores do período imperial.
 
Pessoas observam, através das portas centrais do Museu Nacional, exposição realizada dentro do hall

Das portas centrais, o público pode ver pequena exposição da coleção de mineralogia, abrigada no hall

Gustavo Werneck/EM/D.A Press

Investimento federal

O entusiasmo abre as portas e contagia o diretor do museu, vinculado à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Alexander Kellner, certo de que é totalmente possível devolvê-lo à sociedade em 2026.

 

Para tanto, assegura, “é preciso que o governo (federal) que se inicia, especialmente por meio dos ministérios da Cultura, da Educação e da Ciência, Tecnologia e Inovação, se aproxime e ajude o quanto antes. É impossível um museu grandioso como este sobreviver sem investimentos públicos. Precisa haver maior conscientização do poder público, mudança de mentalidade na direção dos órgãos responsáveis pelo patrimônio”.


Segundo Kellner, o projeto de restauração do Museu Nacional não perdeu força nos últimos quatro anos.
 
“Avançamos muito, tivemos de aprovar os projetos, mas precisamos que haja a aceleração desse avanço no novo governo. O museu pertence a todos, a toda a sociedade brasileira, não é de esquerda, direita, rosa ou azul. Trata-se do primeiro da América Latina focado em ciências e antropologia”, ressalta.

De acordo com um primeiro orçamento, que agora está sendo atualizado, seriam necessários R$ 380 milhões para concluir as obras.
 
Rosto reconstituído de Luzia, o mais antigo fóssil humano, pertencente ao acervo do Museu Nacional

Rosto de Luzia, em foto de 1999. O mais antigo fóssil humano foi reconstruído a partir de crânio e esqueleto encontrados em Pedro Leopoldo, danificados pelo fogo

Antonio Scorza/AFP/20/9/1999

'(Luzia) Está em fragmentos não muito pequenos, e temos 90% do fóssil. Falta apenas a verba para fazer a reconstituição'

Alexander Kellner, diretor do Museu Nacional


Luzia entre os escombros

O incêndio destruiu de 80% a 85% do acervo do Museu Nacional, então estimado em 20 milhões de itens ligados à antropologia, aos povos indígenas, à herança cultural e à biodiversidade.

 

Entre as “vítimas” estava o crânio de Luzia, o mais antigo fóssil humano (com idade de 11,4 mil anos e considerada a primeira brasileira), encontrado em 1974 na Gruta da Lapa Vermelha, em Pedro Leopoldo, na Região Metropolitana de Belo Horizonte.


Ao falar sobre “Luzia, esta grande mulher”, a voz de Kellner se levanta e ele comenta sua felicidade ao saber que o crânio havia sido encontrado em meio aos escombros. “Está em fragmentos não muito pequenos, e temos 90% do fóssil. Falta apenas a verba para fazer a reconstituição.”
 
Numa bandeja, há fragmentos do esqueleto do fóssil Luzia resgatados entre escombros do incêndio no Museu Nacional, ocorrido em 2018

Fragmentos do esqueleto de Luzia resgatados depois do incêndio

Carl de Souza/AFP
 

No mês que vem, será concluído o restauro da fachada principal e da cobertura do chamado Prédio 1. Na sequência, serão elaborados, para aprovação, os projetos arquitetônicos dos prédios 2, 3 e 4. A expectativa é de que, em março de 2024, as obras comecem na parte interna do prédio.

Preparando um livro para lançar daqui a alguns anos sobre a história do Museu Nacional, com foco na tragédia de 2 de setembro de 2018 e no período posterior – “há coisas boas e ruins”, ressalta –, Kellner pensa no futuro do edifício-monumento, planejando exposições do acervo e a sustentabilidade, com projetos de segurança.

“Em 6 de junho, o Museu Nacional completará 205 anos, e teremos grandes novidades”, avisa, sem esconder o orgulho da parte restaurada: “Tenho certeza de que nem a família imperial faria uma fachada tão bonita assim.”
 
Estátua de Dom Pedro II em frente ao Museu Nacional, no Rio de Janeiro

Estátua de Dom Pedro II, o imperador que prezava a cultura e a ciência, é a guardiã do Museu Nacional

Gustavo Werneck/EM/D.A Press
 

Dom Pedro II, o "anfitrião"

Olhar para a fachada do valioso patrimônio cultural, histórico e paisagístico, admirar o gramado bem cuidado no entorno e ver gente chegando para conferir o restauro se torna uma festa para os sentidos.

“Parece até que Dom Pedro II (1825-1891) dá as boas-vindas”, afirma o carioca que conversa com o repórter, durante pequena pausa em sua corrida diária, apontando para a escultura do imperador. Alexander Kellner considera uma satisfação ver tanta gente chegando, embora seja impossível, no momento, avaliar o número de visitantes.

As obras na fachada principal são coordenadas pelo projeto Museu Nacional Vive, cooperação entre a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e o Instituto Cultural Vale, contando com apoio financeiro do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e patrocínio do Bradesco e da Vale.

Para conhecer um pouco da riqueza dos acervos do Museu Nacional/UFRJ, o visitante pode apreciar, no hall de entrada do palácio ainda com as paredes marcadas pela fumaça, destaques da coleção de mineralogia. Entre eles, o meteorito Bendegó, encontrado em 1784, no sertão da Bahia.

Conforme a direção da instituição, “pela primeira vez após o incêndio de 2018, o público está convidado a se aproximar do prédio e a observar, de suas portas centrais, um conjunto diverso de minerais resgatados e novos itens recentemente adquiridos”.
 
Chamas destroem o prédio do Museu Nacional, no Rio de Janeiro, em 2018

Em 2 de setembro de 2018, incêndio destruiu 80% do acervo da instituição, calculado em 20 milhões de itens

Alexandre Brum/O Dia
Vista aérea do Museu Nacional, totalmente destruído após incêndio ocorrido em 2028

Vista aérea do museu em 3 de setembro de 2018, dia seguinte à tragédia

Mauro Pimentel/AFP/3/9/2018
 

Fachada nas cores do Império

De acordo com a nota divulgada pela coordenação do projeto Museu Nacional Vive, as obras das fachadas e cobertura do palácio foram iniciadas em novembro de 2021, após a proteção dos elementos artísticos e históricos que sobreviveram ao incêndio. Com orçamento total de R$ 23,6 milhões, o serviço nas fachadas e coberturas do bloco histórico vai até o mês que vem.

O restauro das fachadas e coberturas do palácio segue as recomendações do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), bem como as melhores práticas de conservação.

“O amarelo-ocre da fachada e o verde das portas são as mesmas cores do período imperial, ressaltando o compromisso do projeto em preservar a identidade e a trajetória arquitetônica do palácio”, observa Alexander Kellner no material divulgado à imprensa pela instituição.

Para restaurar a fachada frontal, atuaram cerca de 150 profissionais (mão de obra direta) em várias frentes de trabalho. Foi necessário consolidar alvenarias, restaurar esquadrias, ferragens e gradis, produzir 100 novas esquadrias, mantendo como referência as formas originais que existiam até setembro de 2018.

A reconstrução dos telhados se encontra em andamento. Todas as lajes de cobertura estão concretadas e impermeabilizadas, 50% da estrutura metálica e dos caibros já foram instalados.
 
Alexander Kellner, usando capacete, fala ao microfone sobre recuperação do Museu Nacional, atingido por incêndio em 2018

Alexander Kellner, diretor do Museu Nacional, explica o andamento das obras de recuperação, em novembro de 2021

Mauro Pimentel/AFP/12/11/21

'Avançamos muito, tivemos de aprovar os projetos, mas precisamos que haja a aceleração desse avanço no novo governo. O museu pertence a todos, a toda a sociedade brasileira, não é de esquerda, direita, rosa ou azul'

Alexander Kellner, diretor do Museu Nacional

Proteção contra raios

Prosseguem os serviços para a melhoria do sistema de captação de águas pluviais e a execução do sistema de proteção contra descargas atmosféricas. Do total de atividades contratadas para restaurar fachadas, coberturas e esquadrias do bloco histórico do palácio, 70% já foram executadas, incluindo ações de maior complexidade, como reforço metálico de vãos, consolidação de alvenarias internas e concretagem das lajes.

A nota divulgada pela coordenação do projeto traz ainda o depoimento da presidente da Associação Amigos do Museu Nacional, Mariângela Menezes: “Outra ação muito relevante, já concluída, é a restauração das esculturas centenárias de mármore de Carrara, no topo da fachada. O trabalho especializado resultou ainda na produção de 30 réplicas das estátuas, que já estão no coroamento do palácio, devolvendo a integralidade deste patrimônio à sociedade. Agora, as esculturas originais integram a coleção de peças históricas da instituição e oito delas já estão disponíveis para apreciação do público no Jardim Terraço da Quinta da Boa Vista”.