Desde que criaram a Cia. Maria Cutia, em 2006, os atores Mariana Arruda, Leonardo Rocha e Hugo da Silva tinham o desejo de trabalhar com o diretor mineiro Gabriel Villela. Foi a peça “Romeu e Julieta”, montagem do Galpão dirigida por Villela, que despertou essa vontade na trupe da recém-inaugurada companhia mineira.
“A gente cultivava o namoro com o Gabriel há muitos anos, mas nunca dava certo”, relembra Mariana Arruda. Em 2018, ela recebeu um telefonema inesperado de Villela. “Olha, estou prestes a fazer 60 anos. Quero fazer uma obra de arte. Mas quero que ela seja feita com vocês. Você topa?”, afirmou ele.
“‘Auto da Compadecida’ é um texto maravilhoso do Suassuna. Talvez o mais famoso do teatro brasileiro”, destaca Mariana Arruda. “Embora as pessoas conheçam mais a adaptação cinematográfica (de Guel Arraes), todos sabem quem são Chicó e João Grilo, e conhecem suas histórias.”
Versão mineira em clima tropicalista
A montagem da Maria Cutia, que estreou em 2019, é bem diferente do filme de Arraes. A começar pelo figurino e pelos objetos cênicos, que trazem referências como o Movimento Tropicalista.
A própria Compadecida, interpretada por Mariana, é cria da Tropicália. “Eu me inspirei muito em Gal Costa”, revela a atriz. “É uma Compadecida tropicalista, que tem flores na cabeça e usa manto azul da cor das águas do Rio São Francisco, trazendo a ideia de uma grande mistura”, diz, lembrando que essa também é a característica do movimento sessentista que projetou Caetano Veloso, Gal Costa, Gilberto Gil e Tom Zé.
Mariana também dá vida à mulher do padeiro. Essa personagem, inspirada em Maria Bonita, traz elementos do cangaço. “Ela demonstra a força da mulher, que deixa o marido na condição de submissão”, afirma.
Além de Mariana, integram o elenco Leonardo Rocha (João Grilo), Hugo da Silva (Chicó e Severino de Aracaju), Dê Jota (Jesus, padeiro e palhaço), Thiago Queiroz (sacristão), Polyana Horta (bispo e Major Antônio Moraes) e Marcelo Veronez (padre e diabo). Além de atuar, todos cantam e tocam instrumentos ao vivo.
Na trilha sonora assinada por Babaya, Fernando Muzzi e Hugo da Silva não poderiam faltar, claro, canções da Tropicália.
“Numa cena, a Compadecida entra cantando ‘Com minha mãe estarei’, música de igreja, e fala: ‘Ah, que música chata!’. E volta para cantar ‘Tropicália’”, diverte-se Mariana.
Outra referência é o carnaval. Logo no início, foliões entram em cena ao som de “Eu quero é botar meu bloco na rua”, de Sérgio Sampaio, carregando o estandarte onde se lê Bloco da Cutia.
“É a trupe de atores carnavalescos bem brasileiros que chega no teatro para contar aquela história”, explica Mariana, destacando que o carnaval é outra característica da essência brasileira.
Elogiado pela autenticidade e singularidade de suas montagens, Gabriel Villela desenvolveu estética a própria, na qual os personagens são como seres encantados. “Você olha e não sabe muito bem de onde eles são”, observa Mariana.
Essa característica está bem presente no “Auto da Compadecida”. João Grilo, Chicó, padre, bispo, padeiro e até mesmo Jesus são personagens de uma trama marcada pelo realismo fantástico.
A trama continua centrada no julgamento divino dos personagens, sobretudo de João Grilo, malandro pobre do sertão nordestino executado pelo cangaceiro Severino de Aracaju.
Anti-herói é a cara do Brasil
Caricatura do brasileiro com seu famoso jeitinho, João Grilo é um trapaceiro carismático. Uma espécie de anti-herói, que engana os patrões exploradores, o padre, o bispo, o coronel, o temido cangaceiro e até o diabo, invocando a Compadecida para livrá-lo do inferno.“Independentemente de como a pessoa conheceu o ‘Auto da Compadecida’, ela vai ver algo totalmente diferente. Nossa montagem tem outras referências, outra poética e outro tom justamente para permitir que o espectador faça uma viagem visual e sonora”, conclui a atriz.
“AUTO DA COMPADECIDA”
De Ariano Suassuna. Direção: Gabriel Villela. Com Cia. Maria Cutia. Quarta e quinta-feira (1º e 2/2), às 20h, no Sesc Palladium. Rua Rio de Janeiro, 1.046, Centro, (31) 3270-8100. Ingressos a R$ 20, à venda nos postos da Campanha de Popularização no Shopping Cidade e Pátio Savassi ou pelo site www.vaaoteatromg.com.br
Sign in with Google
Os comentários são de responsabilidade de seus autores e não representam a opinião do Estado de Minas.
Leia 0 comentários
*Para comentar, faça seu login ou assine