'Quando a gente fala em música sertaneja, é a viola que está impregnada no imaginário coletivo. Nossa programação passa por aí, mas também temos rock, com A Outra Banda da Lua, e o que a gente chama de MPB, Música Popular Barranqueira'
Gleydson Mota curador
O Norte de Minas sertanejo, com seus costumes, cheiros, cores, sabores, saberes e identidades, será transportado para o CCBB-BH por 12 dias. Desta quarta-feira (1º/2) até o próximo dia 13, o Festival Ridimunho: O sertão Den’da Capital oferece ao público shows, sessões de cinema, oficinas e expressões da cultura popular, entre outras atrações.
A Outra Banda da Lua e os músicos Priscila Magella, Pedro Surubim e Caio Bastos compõem a parte musical do evento, com shows nos dois próximos finais de semana.
Já a programação de filmes, intitulada “Cine Barranco”, traz oito sessões com produções de realizadoras e realizadores audiovisuais da região, contando com trabalhos do coletivo Cine Barranco, de Januária, e de outros grupos mineiros.
Nos dois próximos finais de semana, haverá apresentações de representantes da cultura popular. Grupo de Dança de São Gonçalo de Bonito de Minas (da cidade de São Gonçalo), Lavadeiras de Pedras de Maria da Cruz (de Pedras de Maria da Cruz) e o Grupo Folclórico de Santa Cruz (de Pirapora) saem em cortejo pelo prédio do CCBB-BH, para celebrar a arte barranqueira do Rio São Francisco.
Território criativo de múltiplos saberes
Gleydson Mota, produtor-executivo do festival e integrante do Cine Barranco, destaca que o sertão mineiro é um território criativo em que as relações sociais são expressas nas linguagens artísticas de indígenas, quilombolas, vazanteiros, veredeiros, barranqueiros, pescadores artesanais e outras comunidades tradicionais ribeirinhas.
“É do interior destas sensibilidades que emerge o Ridimunho, que consiste na interação cultural entre Gerais e Minas. É neste lugar de encontro que ressoarão ondas sonoras dos ritmos que compõem as narrativas do sertão, os filmes que provocam reflexões sobre as identidades culturais, os gostos que enaltecem a cultura alimentar interiorana, os cortejos e apresentações que expressam a diversidade cultural do território”, diz.
Mota informa que o Festival Ridimunho foi possível graças ao convite do CCBB-BH em parceria com o BDMG Cultural, proposta que veio na esteira do reconhecimento crescente da cultura produzida no Norte do estado. A produção audiovisual do Cine Barranco já mereceu mostra no Cine Humberto Mauro, aponta o produtor.
“Ao mesmo tempo, sempre que a gente fala das nossas manifestações culturais, vem a questão: será que todo mundo tem o entendimento do que somos, enquanto povo? Será que sabem que existimos e manifestamos uma linguagem artística muito potente? O festival surge como a possibilidade de a gente reafirmar identidades e criar um espaço de diálogo”, pontua.
O próprio nome do evento se relaciona com o traço cultural do sertão mineiro. “A gente não fala redemoinho, a gente não fala dentro. A oralidade está ligada a essa identidade”, diz Gleydson Mota. Ele chama a atenção para a questão do lugar de fala e da propriedade sobre o que é dito por meio da música, do cinema e das expressões folclóricas.
“Não é alguém da capital falando sobre como é o sertão. Somos nós contando nossas próprias histórias. Quem for ao CCBB vai ouvir a música que fala de um lugar produzida pelas pessoas deste lugar. O mesmo ocorre com relação aos filmes. O festival é a possibilidade do contato real com aquele território, porque parte da perspectiva de quem pisa naquele chão e bebe daquela água”, destaca.
A curadoria levou em consideração uma somatória de fatores. No que diz respeito aos shows, Mota diz que a ideia foi trabalhar com grupos e artistas com produção autoral consolidada, com traquejo de palco e expressividade.
Para o curador, o Ridimunho é também espaço de promoção para os participantes. “Pensamos em artistas contemporâneos que carregam o olhar sobre o território em seus trabalhos. São nomes que já têm bastante reconhecimento no Norte de Minas, têm estrada e podem alçar voos mais altos a partir do festival”, ressalta.
"Não é alguém da capital falando sobre como é o sertão. Somos nós contando nossas próprias histórias. Quem for ao CCBB vai ouvir a música que fala de um lugar produzida pelas pessoas deste lugar. O mesmo ocorre com relação aos filmes"
Gleydson Mota curador
Viola, rock e Música Popular Barranqueira
A diversidade de ritmos e estilos, partindo de várias referências musicais, também foi levada em conta no processo de escolha das atrações.
“Quando a gente fala em música sertaneja, é a viola que está impregnada no imaginário coletivo. Nossa programação passa por aí, mas também temos rock, com A Outra Banda da Lua, e o que a gente chama de MPB – Música Popular Barranqueira”, aponta o produtor.
CONFIRA performance de A Outra Banda da Lua e Marina Sena:
A diversidade dá o tom na seleção de filmes, com obras experimentais, documentários, animação e ficção. Além de produções dos próprios integrantes do Cine Barranco, há títulos dos coletivos CineBaru e Cinema de Araçuaí, além de realizadores independentes do Norte de Minas.
Os cortejos, segundo Gleydson, revelam muito sobre a organização comunitária como lugar de encontros e de afetos.
“A dança de São Gonçalo, por exemplo, se relaciona com a promessa que a pessoa faz. Caso seja consagrada, ela vai agradecer dançando. Isso gera um encontro, as outras pessoas vão dançar também, vão partilhar da graça concedida. É um momento de festejo”, explica.
O mesmo se aplica às Lavadeiras de Pedras de Maria da Cruz. “Enquanto estão lavando roupa na margem do São Francisco, aquelas mulheres cantam para o rio, jogam coletivamente versos para o rio. Pensamos muito nesta questão, em grupos que se revelam como lugares de encontro, com dinâmicas que tornam as respectivas comunidades muito singulares, pois aquilo não acontece em outros lugares”, pontua.
Boa parte dos detentores de costumes e saberes ancestrais convidados para o Ridimunho nunca saíram de seus territórios, segundo Gleydson. O produtor considera “maravilhoso” que, depois de participarem do Festival Ridimunho, eles possam levar de volta para as respectivas comunidades as experiências em BH.
O rabequeiro 'Seu Jeny' estreia no cinema
“Seu” Jeny, mestre rabequeiro que aprendeu a construir e tocar rabecas sozinho, é um exemplo. “Será a primeira vez dele fora de seu território. Também será a primeira vez dele dentro de um cinema, assistindo a um filme no qual é o personagem, em sessão comentada”, diz Gleydson, aludindo ao documentário “O som do sertão”, dirigido por ele. O filme será o mote de conversa programada para o próximo dia 10.
“Ele vai bater um papo com o público e ainda vai tocar rabeca. É um momento especial. Em ‘O som do sertão’, pergunto a Seu Jeny qual é o maior sonho dele, e ele diz que é tocar rabeca num palco para todo mundo ouvir. Este dia está chegando. São muitos sentimentos e muitas energias que o festival movimenta”, enfatiza o produtor.
Duas oficinas sobre a cultura alimentar do Norte mineiro serão ministradas por mestres extrativistas. No próximo sábado (4/2), Daniel Vieira vai mostrar o preparo de pão de queijo com ingredientes produzidos na base comunitária do sertão.
No domingo, será a vez de Vicentina Bispo ensinar a fazer barras de cereais com castanhas de frutos do cerrado, na atividade “Diálogos sobre cultura alimentar”.
“A gente fala, por meio dessas ações, da necessidade de manter o cerrado em pé. O pequi está lá, no quintal. Você faz óleo dele, faz paçoca com a castanha, faz várias receitas, mas o cerrado está sendo queimado, está sendo vendido a grandes empresas para virar monocultura. As oficinas buscam também despertar para essas questões. A curadoria do festival traz muitas camadas e múltiplas intenções”, ressalta Gleydson Mota.
>> PROGRAMAÇÃO
NESTA QUARTA (1º/2)
19h: Sessão de cinema. “Em raiz no futuro”
QUINTA (2/2)
19h: Sessão de cinema. “Por essas águas morenas”
SEXTA (3/2)
19h: Sessão de cinema. “Causo e consequência”
SÁBADO (4/2)
16h: Oficina. “Sertão-Cerrado no prato”, com Daniel Vieira. Foyer do Teatro I
20h: Sessão de música. Com A Outra Banda da Lua
DOMINGO (5/2)
16h: Oficina. “O cerrado em pé”, com Vicentina Bispo, no foyer do Teatro I
18h: Apresentação de São Gonçalo de Bonito de Minas
20h: Sessão de música. Com Priscila Magella, “Voz dos rios”
DIA 6/2
19h: Sessão de cinema. “O cinema é den’dagente”
DIA 8/2
19h: Sessão de cinema. “Em raiz no futuro”
DIA 9/2
19h: Sessão de cinema. “Meu cinema nosso território”. Com participação do Coletivo Cine Barranco
DIA 10/2
15h: Prosa. “Os sons e os seres”, com Seu Jeny, mestre rabequeiro. Foyer do Teatro I
17h: Apresentação do Grupo de Lavadeiras de Pedras de Maria da Cruz
19h: Sessão de cinema. “Causo e consequência”
DIA 11/2
18h: Apresentação do Grupo Folclórico da Santa Cruz
20h: Sessão de música. Com Pedro Surubim, “Muxitawá”
DIA 12/2
20h: Sessão de música. Com Caio Bastos, “Parca miragem”
DIA 13/2
19h: Sessão de cinema. “O cinema é den’dagente”
FESTIVAL RIDIMUNHO: O SERTÃO DEN'DA CAPITAL
• De quarta-feira (1º/2) até 13/2. CCBB-BH (Praça da Liberdade, 450, Funcionários). Informações: (31) 3431- 9400
• Ingressos para shows: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia), disponíveis em bb.com.br/cultura e na bilheteria do CCBB. Pessoas nascidas nos municípios do Norte mineiro têm 50% de desconto, mediante apresentação de documento de naturalidade
• Entrada franca para filmes, com retirada de ingressos na bilheteria do CCBB duas horas antes da sessão.
• Entrada franca para oficinas e prosa, com retirada de ingressos na bilheteria do CCBB uma hora antes de cada evento
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