“Para eu contar essa história, vamos ter que usar a imaginação. Aqui é teatro, não temos locações reais, câmeras, dezenas de figurantes. Estou aqui só. Somente eu e vocês. Vamos ter que imaginar tudo”, previne a atriz Mariana Lima Muniz, antes de dar início ao espetáculo “Macbeth 22”, que estreia nesta sexta-feira (3/2), na Funarte, como parte da programação da 48ª Campanha de Popularização do Teatro e da Dança, e segue em cartaz até o próximo dia 12.
O título autossugestivo dá pequenas mostras do que está por vir. Mariana adaptou a clássica tragédia de Shakespeare, mas em um formato um tanto ao quanto inusitado. Sozinha, ela interpreta Macbeth, Lady Macbeth e a narradora (que, apesar de não existir na obra original, foi inserida na montagem).
Os demais personagens se fazem presentes por vozes pré-gravadas das atrizes Lydia Del Picchia, Fernanda Vianna e Inês Peixoto, do Grupo Galpão; e Rejane Farias (“Marte Um”).
No palco, há somente a atriz e o músico Maurílio Rocha, que, com samplers, microfones, entre outros aparelhos sonoros, vai desenvolvendo a trilha sonora original como se fizesse uma performance paralela.
“Nosso objetivo é contar a história de Macbeth do jeito que ela é, mas fazendo paralelo com a atualidade”, explica Mariana.
Narradora
Para isso, ela recorreu ao dramaturgo David Maurity. Os dois fizeram a adaptação do texto, mantendo as falas originais e acrescentando algumas intervenções, como a figura da narradora. É essa personagem que traça um paralelo entre as duas épocas por meio de interrupções.“É um jogo de quebra do fluxo”, define Mariana. “Às vezes, estou num monólogo belíssimo da Lady Macbeth, com uma emoção muito forte, e quebro aquilo, virando para o público para fazer um comentário.”
Em uma das cenas, por exemplo, ela interrompe um monólogo do personagem-título para fazer o seguinte comentário: "Ele (Macbeth) começa a enlouquecer porque matou quatro pessoas. Imaginem se fosse 690 mil", em referência aos brasileiros mortos pela COVID-19.
Além disso, com exceção de Maurílio, todo o elenco é formado por mulheres. “É para fazer Shakespeare se remexer no caixão, porque, na época dele, só havia homens atuando”, diverte-se a atriz.
Atemporal
A ideia de fazer esse tipo de adaptação da clássica tragédia de Shakespeare surgiu em 2020. Na época, Mariana, que também é professora no curso de teatro da Universidade Federal de Minas Gerais, recebeu a notícia de que as aulas voltariam de maneira remota.“Dar aula de interpretação mediada pela tela é uma tarefa muito difícil”, afirma a atriz. A situação era mais delicada, porque os alunos estavam começando a fazer teatro naquele momento, justamente quando os teatros estavam fechados e as apresentações suspensas, em decorrência da pandemia.
Na tentativa de levar algum alento para esses alunos, Mariana resolveu trabalhar com eles alguns textos de Shakespeare. “Se a gente assiste a peças até hoje de um cara que escreveu há 400 anos, é porque o teatro dá conta de ser resiliente e sobreviver a muitas guerras, pestes e pandemias”, diz.
Entre os textos escolhidos, estava “Macbeth”. Escrita entre 1605 e 1606, a peça conta a história do personagem-título, um exímio cavaleiro a serviço do rei da Escócia, Duncan.
Voltando de uma batalha, Macbeth encontra três bruxas que lhe fazem a seguinte previsão: um segundo título de barão e, posteriormente, o reino da Escócia.
Não demora muito para que as premonições se tornem realidade. Chegando à corte, Duncan fica sabendo dos feitos grandiosos de Macbeth na batalha e o nomeia barão de Cawdor, título que havia sido de um nobre traidor. Com a nomeação, ele passa a ostentar, ao mesmo tempo, os títulos de barão de Glamis (que já era dele desde o início da trama) e de Cawdor.
Embevecido com a rápida concretização das previsões das bruxas, Macbeth corre à sua mulher, Lady Macbeth, para contar o ocorrido. Ela, também entusiasmada com a possibilidade de se tornar rainha, planeja com o marido a morte do rei, a fim de acelerar a coroação do esposo.
O destino faz com que o rei Duncan vá visitar Macbeth em sua casa e passe uma noite por lá. Ocasião mais que propícia para que o barão e sua esposa deem cabo da vida do monarca. Assim se sucede e, culpando os soldados que velavam o sono do rei – os sentinelas foram dopados por Lady Macbeth, cumpre dizer –, Macbeth finge estar devastado com o ocorrido. Tal sentimento fingido faz os nobres acreditarem em sua fidelidade a Duncan, nomeando-o rei da Escócia.
Tirano
“É basicamente a história de um tirano que ascende ao poder e vai fazer o que for necessário para se manter lá”, resume Mariana. Essa percepção fez a atriz pensar no Brasil de 2020 e em suas semelhanças com o contexto da peça.Foi em 7 de setembro do ano seguinte, entretanto, quando o então presidente Jair Bolsonaro disse que não obedeceria mais ao Supremo Tribunal Federal (STF), que Mariana teve a certeza de que o país tinha no poder um tirano em potencial. Alguém que faria de tudo para não sair da posição em que se encontrava.
“É bom deixar claro que o Macbeth não é o ex-presidente; afinal, ele é muito mais complexo e interessante (do que Jair Bolsonaro). Assim como Lady Macbeth não é a ex-primeira-dama, porque ela (Lady Macbeth) também é muito mais complexa e interessante”, pontua Mariana.
“MACBETH 22”
De: Mariana Lima Muniz e David Maurity. Com Mariana Lima Muniz. Desta sexta-feira (3/2) a 12/2. Sextas e sábados, às 20h; domingos, às 19h. Na Funarte (Rua Januária, 68, Centro). Ingressos a R$ 20 (preço único) no site da Campanha e R$ 40 (inteira) na bilheteria do teatro. Mais informações: (31) 3213-3084.