As imagens e os sons do metrô de uma grande cidade vão se configurando em outras, de forma ininterrupta. Mas há tempo para que o espectador entenda cada quadro. Ao fundo, o narrador fala: “Eu me lembro”. As imagens continuam e, alguns momentos depois, ele retorna: “Eu me lembro. As sessões da tarde no Cine Pathé, próximo da minha casa”.
É dessa maneira que o diretor Rafael Conde dá início ao seu novo curta, “O suposto filme”. “Um filme caseiro, o cinema possível naquele momento”, ele diz. Realizado em 2021, foi exibido em três festivais naquele mesmo ano: CineOP – Mostra de Cinema de Ouro Preto, Festival Internacional de Curtas Metragens de São Paulo e FestCurtasBH. Os três eventos, promovidos no Brasil da pandemia, tiveram edições exclusivamente virtuais.
Somente agora, quase dois anos mais tarde, “O suposto filme” terá sua primeira sessão presencial. O curta integra o programa Perspectiva Rafael Conde, destaque do Verão Arte Contemporânea (VAC), com sessões neste sábado (4/2) e domingo, no Cine Humberto Mauro. Hoje, além da apresentação de “O suposto filme”, seguida de comentário do diretor, também serão exibidos nove outros curtas dirigidos por Conde e o longa “Fronteira” (2008).
“O suposto filme” é um ponto fora da curva na trajetória do cineasta, que estreou em curtas com “Uakti – Oficina instrumental” (1987). No primeiro semestre de 2021, com uma nova onda da COVID-19 e aumento das restrições, o diretor, isolado em casa, começou a rever as imagens. Em seu banco, reviu tanto as que havia produzido durante décadas quanto as que seu avô e seu tio tinham coletado em Super-8 em um passado mais distante.
Transformação
“O filme fala justamente da transformação do cinema. Estamos vivendo num mundo com muita acessibilidade e possibilidade de difusão. E há um questionamento do valor das imagens, de serem apagadas, que é também uma questão do cinema. Desde que ele surge, sempre estamos pensando no seu fim, ou, pelo menos, em sua transformação. Isso não deixa de ser um contraponto com o teatro, que sempre pensa em sua história,” diz Conde.
Na narração gravada no celular, o diretor mistura seus próprios questionamentos (o excesso de imagens banais da vida contemporânea é um tema presente no filme), citando passagens de Drummond, Nava e Pirandello que tratam de memória e da passagem do tempo.
Em meio a imagens de viagens, há algumas que traduzem o que Conde comenta no curta, como a demolição do Cine Metrópole, no Centro de BH, em maio de 1983 – com sua Super-8, ele registrou o fim da importante sala.
O panorama que o VAC exibe não traz alguns filmes, entre eles o mais lembrado do realizador, “A hora vagabunda” (1998). Esse curta, assim como o já citado “Uakti” e o primeiro longa, “Samba canção” (2002), estão precisando ser restaurados. “Estou tentando ver se consigo uma remasterização dos três.”
Neste ano, ele pretende lançar seu novo longa, “Zé”. Rodado em Cataguases, na Zona da Mata, no final de 2021, o filme é uma ficção baseada em fatos sobre José Carlos Novaes da Mata Machado (1946-1973), líder estudantil morto pela ditadura militar (1964-1985).
O filme, protagonizado por Caio Horowicz, acabou de ficar pronto e deverá começar sua trajetória nos festivais. “A história é passada em BH, São Paulo, Bahia, Recife, Fortaleza. E tudo foi filmado em Cataguases. Depois deste filme, foi confirmado que lá é o maior estúdio de cinema a céu aberto. Tem até praia”, brinca Conde.
Programação
» Sábado (4/2)
•16h – Longa “Fronteira” (2008)
•18h – Curtas “O suposto filme” (2021), “A brincadeira” (2018), “Berenice e a Fundação da música” (2018) e “Musika” (1989). Debate com o diretor após a sessão.
» Domingo (5/2)
•16h – Curtas “A chuva nos telhados antigos” (2006), “Rua da Amargura” (2003) e “Françoise” (2001)
•18h – Longa “Fronteira” (2008)
•20h – Curtas “O ex-mágico da Taberna Minhota” (1996), “Bili com limão verde na mão” (2015)
PERSPECTIVA RAFAEL CONDE
Neste sábado (4/2) e domingo (5/2), no Cine Humberto Mauro, no Palácio das Artes (Avenida Afonso Pena, 1.537, Centro). Entrada franca (ingressos devem ser retirados na bilheteria)