Lis Lotus é o projeto/persona artística do músico, produtor e engenheiro de áudio Lício Daf. É sob essa alcunha que ele debuta com o álbum “Mar interior”, um trabalho solo cuja principal característica é, paradoxalmente, a coletividade. Gravado durante a pandemia, entre 2020 e 2022, o disco, que acaba de chegar às plataformas de streaming, reúne cerca de 50 artistas, entre cantoras, instrumentistas, técnicos de som e produtores.





Apesar de sua experiência no ramo, Lício entregou a produção das 11 faixas que compõem o trabalho a diferentes técnicos de estúdios de Belo Horizonte. Entram nesse rol: Rick Cheib, do clássico estúdio Bemol; Anderson Guerra, do estúdio referência em gravações em fita de rolo Bunker Analog; Leonardo Marques, do prestigiado estúdio Ilha do Corvo; e mais Rafael Dutra, Kiko Klaus, Marcelinho Guerra, Lucas Mortimer e Flora Guerra, entre outros.

Essa pulverização se deveu menos à busca por um determinado resultado do que ao desejo de aprender com os produtores que convidou, segundo Lis Lotus. “Eu queria saber como cada um trabalha. Ver, por exemplo, como o Anderson Guerra lida com essa coisa da fita de rolo e, ao mesmo tempo, ir para um produtor mais jovem, ligado nos recursos digitais, e ver como ele cria os beats”, explica.

Admiração

Ele diz que a escolha dos nomes que compõem esse time foi orientada por relações pessoais e pela admiração que tem por cada um desses profissionais. “Sempre tive isso de fazer as coisas coletivamente. Quando estudava na Guignard, já realizava alguns projetos assim. Buscar esses produtores veio da vontade mesmo de trabalhar com pessoas que eu admirava. Tenho isso de misturar o profissional com o pessoal”, destaca.
      
O traço de coletividade de “Mar interior” se revela também no fato de que para cada faixa foram convidadas uma ou mais cantoras. As vozes principais – com Lis Lotus sempre fazendo uma segunda voz – estão a cargo de Chris Tigra, da banda Teach Me Tiger; Elisa de Sena, do Coletivo Negras Autoras; Ana Assis, da banda Loquaz; Sara Não Tem Nome, Júlia Tizumba, Júlia Ribas, Brisa Marques e Jennifer Souza, entre outras.





Lis Lotus observa que não se trata de duetos em sua forma consagrada, com vozes que se complementam, mas sim de uníssonos. “Meu interesse era criar uma voz para cada música, como se fosse um timbre resultante do encontro da voz da cantora convidada com a minha. Também com relação às cantoras, chamei artistas de Belo Horizonte que admiro”, aponta.

Caleidoscópico

Para completar, foram convidados vários instrumentistas. Cada canção conta com a participação de pelo menos três músicos diferentes. Marcam presença André Limma, Luiza Rozza, Felipe D’Angelo (da banda Moons), Nat Mitre, Matheus Fleming (da banda Young Lights), Joana Queiroz, Fabio Ogata (da Filarmônica de Minas Gerais), Daniel Nunes (da banda Constantina) e Barulhista, entre outros.
     
Nesse processo caleidoscópico, foi natural que as etapas de gravação e mixagem seguissem um fluxo próprio, conforme destaca Lis Lotus. O trabalho foi desenvolvido tanto de forma remota como presencial, quando a situação epidemiológica, durante a pandemia, permitia.

“Eu fazia as bases com sintetizadores e samplers, convidava um artista e, no estúdio, ele criava o que queria. Alguns gravaram em casa, como a Joana Queiróz, que fez o sopro em uma das músicas. Isso foi dando o caminho. Eu enviava para um, que fazia uma ambiência com guitarra, por exemplo, e assim ditava o rumo para o artista seguinte. Não existiu uma pré-produção, o álbum foi criado assim, de uma mão passando para outra”, explica.





O resultado foi um álbum denso, que reflete o momento e a forma como foi feito, segundo o artista. “É um disco que nasceu antes da pandemia, mas que foi essencialmente feito durante o período de isolamento. Originalmente, ele já tinha uma carga fechada, meio melancólica, para dentro. Acho que porque sou assim, sempre fui mais para dentro do que expansivo, e a pandemia acabou pesando a mão nisso aí. Foi um período muito difícil, muito doloroso”, diz.

Introspecção

Em função dessa característica de “Mar interior” – um trabalho que reflete o que restou aos artistas durante a pandemia: viajar para dentro –, Lis Lotus considera que o álbum pode demandar certo tempo para uma boa absorção. Isso, conforme aponta, determinou também a forma como o trabalho está sendo apresentado, com apenas uma parte dos registros no streaming e outra formatada para o audiovisual.

“Senti que algumas músicas ficaram muito densas para o streaming, onde hoje tudo é muito direto, muito alegre. Acho que não é exatamente o que o mercado quer, e o grande público sempre esteve muito ligado no que o mercado dita. Penso que é um álbum que vai caminhar devagar, mas acho que vai ter o lugar dele, até porque tem muita gente envolvida. É um trabalho para o futuro”, diz.

“MAR INTERIOR”
• De Lis Lotus
• 11 faixas
• Independente
• Disponível nas principais plataformas     de streaming

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