Corria o ano de 2014. Recém-chegado do Festival de Cinema de Animação de Annecy, onde “O menino e o mundo” havia saído com o prêmio de melhor longa-metragem, Alê Abreu fez contato com Luiz Bolognesi. Os dois moravam em São Paulo, haviam vencido o prestigioso evento (“Uma história de amor e fúria”, de Bolognesi, tinha recebido o mesmo troféu no festival francês no ano anterior), mas não se conheciam pessoalmente.
Desse primeiro almoço, quase uma década atrás, nasceu a parceria (completada por Laís Bodanzky) que resultou em “Perlimps”, longa-metragem que chega nesta quinta-feira (9/2) aos cinemas. Muita coisa aconteceu desde então – inclusive a indicação ao Oscar de animação em 2016 para “O menino e o mundo”, a primeira e até hoje única de uma produção nacional nesta categoria.
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Da ideia inicial, pouca coisa ficou. “Todo o filme nasceu em volta de uma imagem: um personagem saindo de uma floresta inundada e chegando ao mundo concreto, do ser humano. Seria como uma saída da bolha da infância”, comenta Abreu. Todos os temas que “Perlimps” aborda – meio ambiente, guerra, divisões territoriais – vieram ao longo do processo de feitura do longa.
Diálogos
Há, obviamente, questões que Abreu traz em seu terceiro longa que são inerentes à sua obra, como a técnica em 2D e o uso de muita cor. A história acompanha dois personagens, Claé e Bruô, agentes secretos de reinos rivais (do Reino do Sol e da Lua, respectivamente), que precisam superar as diferenças para chegar até os misteriosos Perlimps. Essas criaturas são as únicas que podem encontrar um caminho para a paz em tempos turbulentos.
Se na jornada do protagonista de “O menino e o mundo” quase não havia diálogos, aqui há uma profusão de palavras e sons. É Bruô (Giulia Benite, a Mônica dos filmes “Laços” e “Lições”, da “Turma da Mônica”) a primeira da dupla a surgir na história, uma agente que quer salvar a floresta da inundação provocada pela construção de uma hidrelétrica.
Acreditando-se sozinha na mata, ela não demora a se deparar com Claé (o dublador Lorenzo Tarantelli). Os dois se estranham imediatamente, mas a ameaça que vem do reino dos gigantes acaba unindo-os. Em suas aventuras, conhecem João-de-Barro (Stênio Garcia), um veterano agente que vive sozinho e pode dar pistas de como encontrar os Perlimps.
O nome Perlimps, aliás, veio de um insight de Bolognesi. “A gente queria um nome que não significasse nada e que por isso pudesse ser levado para o mundo inteiro, aberto a qualquer interpretação”, conta Abreu. Perlimps tem um quê de Gremlins, de Pirlimpimpim e até de Flicts. “Quando o Luiz falou o nome, ele foi direto para o filme.”
“Diferentemente de ‘O menino e o mundo’, que vejo como um monólogo, uma história lírica, este filme é dramático, pois nasce da relação dos dois personagens”, acrescenta Abreu. Ainda na fase do animatic (um storyboard animado; grosso modo, um rascunho), os dois atores/dubladores principais começaram a fazer as gravações.
“Muito dos diálogos nasceu dos próprios atores, que me ajudaram a construir os personagens”, diz o diretor. Giulia comenta: “A gente não se conhecia antes, mas criamos uma conexão para poder chegar nas intenções do filme”.
“Conseguimos levar nossas próprias características para os personagens. Cada vez que assisto ao filme me vejo no Claé, e a Giulia na Bruô”, acrescenta Lorenzo. Estreante como dubladora, a atriz adorou o processo de voz original. “A gente recebia o roteiro e podia escolher a emoção que quisesse.”
Tal processo exigiu muitas mudanças, “alterações boas”, comenta Abreu. Como a dupla gravou as vozes ainda no início do processo, quando a animação chegou ao final, quatro anos mais tarde, muita coisa estava diferente. Inclusive a voz de Lorenzo, hoje com 14 anos. “Quando chegamos no final, eles tiveram que regravar 30% dos diálogos”, afirma o diretor.
A trilha sonora é marcante nos filmes de Abreu – aqui destaca-se “Bola de meia, bola de gude” (Milton Nascimento e Fernando Brant), que aparece tanto de forma incidental quanto cantada. A trilha sonora ficou a cargo de André Hosoi, do grupo Barbatuques. Além da música, são os sons que enchem a tela.
Set imaginário
“Dizem que animação não tem set de filmagem. Tem, sim, um set imaginário. O mais gostoso de fazer na construção de um filme de animação é você criar uma ambientação, entrar lá dentro para entender. É a partir daí que você começa a relacionar tudo”, diz Abreu.
O som ficou a cargo do duo mineiro O Grivo (Marcos Moreira e Nelson Pimenta). “Tudo foi inventado. Um helicóptero que passa, por exemplo. Tudo foi feito com as coisas (instrumentos, engenhocas) deles, que criam um mundo para a gente. Eles conseguem ocupar (com os sons) uma sala inteira”, aponta Abreu.
Para o diretor, é o grupo de profissionais envolvidos que determina como será um filme. “É uma obra feita por muitas pessoas; o diretor está ali para que todas as vozes cantem em coro. Minha tarefa é fazer com que todo mundo circule no mesmo planeta.” O encontro com Laís e Bolognesi foi determinante para “Perlimps”, ele comenta.
No início da conversa com o casal de produtores e diretores, Abreu conta que ficou definido que as próximas animações dele e de Bolognesi seriam feitas com a colaboração de ambos. Bolognesi acabou deixando o projeto (“A estrangeira”) de lado e se envolvendo com dois longas documentais, “Ex-pajé” (2017) e “A última floresta” (2021).
“Mas esses filmes carregam um pouco do filme que ele faria em animação, assim como ‘A viagem de Pedro’ (2022, dirigido por Laís). Tanto eles quanto ‘Perlimps’ estão na atmosfera dos sonhos”, afirma Abreu.
Assim como “O menino e o mundo”, “Perlimps” também foi exibido no Festival de Annecy. Sua première foi em junho do ano passado. Mas, desta vez, o filme de Abreu não estava em competição. A França, vale dizer, fez de seu filme anterior um sucesso de público – “O menino e o mundo” levou 500 mil pessoas aos cinemas. Tanto por isso, “Perlimps” estreou em território francês antes do Brasil – está em cartaz naquele país desde 18 de janeiro.
“PERLIMPS”
(Brasil, 2022, 80min, de Alê Abreu) – Estreia nesta quinta-feira (9/2) nos cines BH 8, às 13h10 (exceto qua) e 14h (qua); BH 9, às 15h40; Centro Cultural Unimed-BH Minas 1, às 14h; Cidade 4, às 13h50 e 15h30 (qui e sex), 11h e 17h10 (sab e dom), 13h e 14h40 (seg a qua); Del Rey 7, às 13h30 e 15h20; UNA Cine Belas Artes 1, às 14h