Atriz Diane Morgan sentada em poltrona com os pés sobre mesa, em cena de 'O mundo por Philomena Cunk'

Em O mundo por Philomena Cunk", Diane Morgan interpreta uma apresentadora desinformada que propõe aos entrevistados questões absurdas e fora de contexto

JONATHAN BROWNING/DIVULGAÇÃO


“Poderíamos dizer que Jesus foi a primeira celebridade vítima da cultura do cancelamento?” O absurdo da pergunta deixa Kate Cooper, professora de história da Royal Holloway University of London, prestigiosa instituição do Reino Unido, pasma. Ela até tenta esboçar uma resposta, no que sua entrevistadora a interrompe, manda que olhe para a câmera correta e repete a pergunta. A especialista meio que desiste e confirma que, sim, Jesus pode ser visto como a primeira vítima do cancelamento. 

Bem-vindo ao mundo (e à cabeça) de Philomena Cunk, apresentadora de TV estúpida, autocentrada e mal informada ao extremo. Interpretada pela atriz Diane Morgan, a personagem é cria de Charlie Brooker, autor de “Black mirror”. Nasceu na TV britânica, há uma década, em uma série de programas da BBC, em geral centrados no próprio Reino Unido.



Recém-chegada à Netflix, a série em cinco episódios “O mundo por Philomena Cunk” coloca a personagem em um novo programa, que tem a tradição e o visual impressionantes dos documentários históricos. Ela acompanha a trajetória da humanidade, da antiguidade aos dias atuais, por meio de visitas a lugares icônicos e entrevistas com especialistas e acadêmicos.

Mentira

Só que é tudo mentira, ou quase. A série é um falso documentário, o chamado mockumentary, que geralmente parodia eventos e pessoas célebres. A primeira comparação que podemos fazer é com Borat, de Sasha Baron Cohen. Mesmo que Cunk não seja conhecida no Brasil como é na Inglaterra, rapidamente o espectador se conecta com a personagem. 

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Nos episódios, ela vai a Pompéia, Rússia, Egito, México – filma tanto a Mona Lisa quanto as pinturas rupestres de antigas cavernas. A estupidez da personagem é proporcional à sua seriedade. Não há sequer um sorriso. E cada sequência conta com um especialista que responde às perguntas dela.

Parte da graça está aí. No começo, você até se pergunta se aquelas pessoas, igualmente sérias, mas bastante constrangidas, são também atores. Não, são todos professores e acadêmicos que, obviamente, sabiam do falso documentário. A produção pediu a todos que levassem as perguntas a sério e fossem o mais sinceros e diretos (dada a limitação da entrevistadora) nas respostas. 

É muito engraçado, pois nenhum dos convidados pensa que está sendo ridicularizado. Diane Morgan carrega o papel (sua personagem sempre de calça e sobretudo, faça calor ou frio) sem escorregar em nenhum momento. O texto é muito bem escrito, e não faltam pérolas, muitas relacionadas com o mundo digital.  

“Uma das razões pelas quais ainda sabemos sobre os romanos hoje é a Wikipedia”, diz ela, em certo momento. Ao falar sobre o processo de mumificação, Cunk acaba concluindo que o que ocorria no Egito antigo é "o tipo de tratamento de spa que Gwyneth Paltrow tem regularmente”. 

O hit oitentista “Pump up the jam”, do Technotronic, aparece várias vezes na série – basicamente, o clipe e a banda belga podem se relacionar com qualquer fato da história do mundo.

Política, história, meio ambiente, artes e religião vão se sobrepondo na narrativa. “Qual livro é melhor: a Bíblia ou o Alcorão?”, Cunk pergunta. Há alguma quebra de quarta parede quando, ainda falando sobre religião e comentando sobre o nascimento do cristianismo, ela se vira para a câmera e diz: “Não se preocupe. Vou falar sobre o Islã mais tarde”.

“O mundo por Philomena Cunk” não é, definitivamente, uma comédia para todos. Mas quem embarcar na série vai se divertir muito – com a inteligência do texto e a burrice da personagem.

 “O MUNDO POR PHILOMENA CUNK”
•Série em cinco episódios disponível na Netflix