Oficialmente, o carnaval só começa no sábado que vem (18/2), mas já tem muito ansioso por aí querendo colocar o bloco na rua. E haja folia! Somente neste fim de semana de pré-carnaval estão confirmados os desfiles de 88 blocos em Belo Horizonte, 52 neste sábado (11/2) e 35 no domingo. 





Ao longo de todo o período carnavalesco, 493 blocos vão desfilar, segundo a PBH – em 2020, último ano em que a festa foi realizada antes da pandemia, foram 347 desfiles de blocos registrados.

A enorme quantidade de blocos forma uma espécie de caleidoscópio momesco que acaba refletindo características da sociedade brasileira. Tem de tudo na programação, desde grupos que trocam o samba por funk, rock e sertanejo, até os tradicionais cortejos dos blocos caricatos, que surgiram na década de 1940, junto com a cidade de Belo Horizonte.

Dois blocos de caráter antagônico desfilam neste fim de semana. A República Independente da Banda Mole volta à Avenida Afonso Pena neste sábado (11/2), enquanto o feminista Bloco das Mimosas Borboletas desfila pela Francisco Deslandes, no Anchieta, no domingo.





Conhecido por ter aberto o pré-carnaval da cidade durante décadas, a Banda Mole surgiu do extinto Leões da Lagoinha, em 1975. Na época, um grupo de aproximadamente 15 pessoas que se sentiram órfãs da folia decidiu criar uma banda de chão para substituir o Leões. 

Nascido do trocadilho com o xingamento “bunda mole”, o bloco foi por muito tempo praticamente o único grupo carnavalesco da cidade. “Belo Horizonte não tinha essa tradição de carnaval como tem hoje”, lembra Luiz Mário Ladeira, o Jacaré, um dos fundadores da Banda Mole. 

“A cidade ficava vazia, e as pessoas aproveitavam o feriado para viajar. Nós, que sempre tivemos um espírito carnavalesco e não queríamos sair daqui é que seguramos a peteca por muito tempo, até o carnaval daqui ganhar força”, diz.





O bloco se caracterizou pela sua irreverência, crítica política, liberdade de fantasia e os tradicionais bonecos gigantes, quase sempre caricaturas de figuras públicas homenageadas ou criticadas.

Travestidos

A fantasia que mais fez sucesso no bloco, entretanto, foi a de travestidos, sobretudo homens vestidos de mulher. Ainda que hoje esta prática seja questionada inclusive pela Prefeitura de BH, que em 2020 publicou uma cartilha recomendando aos homens, sobretudo os heterossexuais, não se fantasiarem de mulher, ela continua em vigor na Banda Mole.

“Além de ser machista e desrespeitoso com as mulheres”, a fantasia é “preconceituosa com as pessoas trans e apenas reforça os estereótipos de gênero”, argumentou a prefeitura na publicação.

Jacaré, no entanto, não vê problema. “Nós mantemos a melhor convivência possível, porque tem dois tipos de fantasiados de mulher: o hétero gozador, que veste uma saia e vai para encher o saco, brincar e tudo o mais; e tem o homossexual que gosta de se travestir. Todos os dois são muito bem-vindos. Nunca tivemos o menor problema”, afirma.





A estrutura da Banda Mole é uma das maiores do carnaval da cidade. São dois trios elétricos e um palco recebendo atrações musicais simultaneamente. Tudo isso porque, em geral, o bloco recebe de 40 mil a 50 mil pessoas.

“Por muito tempo, resistimos à ideia de colocar trio elétrico no bloco. Era todo mundo acompanhando a banda de rua, que era a nossa charanga. Mas chegou num ponto em que não dava mais, a quantidade de gente era tão grande que quem estava mais para trás não conseguia escutar nada”, comenta Jacaré.

Ele ainda lembra que, quando inseriu trio elétrico no bloco, passou a trazer atrações musicais de peso que estavam no auge do sucesso à época, como Araketu, Luiz Caldas, Pepeu Gomes, Jota Quest e Gaby Amarantos, entre outros.




Convites

 “Os Mamonas Assassinas iriam tocar com a gente em 1997, no ano seguinte ao acidente. Já estava tudo certo. Mas, infelizmente, não deu”, lembra, referindo-se à queda do avião que levava a banda e matou todos a bordo.

A Banda Mole decidiu mudar a estratégia neste ano e selecionou apenas artistas de Minas Gerais, que, “embora não tenham um nome com tanto peso igual aos que costumavam vir, são tão bons quanto”, garante Jacaré.

O bloco, que sai neste sábado (11/2) do cruzamento da Avenida Afonso Pena com a  Rua da Bahia, tem confirmados como atrações os blocos Aflitos do Anchieta, Bloco da Cinara, Sexta Ninguém Sabe e Me Deixe, além das bandas Zé da Guiomar, Manu Rosa, Mais Amor, Papauê e Papas na Língua.





Pelé, morto em dezembro passado, será o homenageado da vez, ganhando uma representação em um dos bonecos gigantes.
 
REPÚBLICA INDEPENDENTE DA BANDA MOLE
• Neste sábado (11/2), a partir das 13h, na Av. Afonso Pena esquina com Rua da Bahia. Entrada franca

Nascido no concurso de marchinhas Mestre Jonas, o Bloco das Mimosas Borboletas fará seu segundo desfile amanhã

(foto:  Vinicius Caricatte/Divulgação)

CONTO INSPIROU NOME DE BLOCO

O Bloco das Mimosas Borboletas nasceu em 2020 e, por causa da pandemia, desfilou uma única vez nos últimos três anos. Neste domingo (12/2), as Mimosas voltam às ruas.

Criado pela musicista e professora de canto Celinha Braga, o bloco teve inspiração no conto homônimo do escritor Ribeiro Couto (1898-1963) e se colocou como voz ativa na luta pelo empoderamento feminino. Tanto que os vocais e a bateria contam somente com mulheres.

A trama elaborada por Ribeiro Couto sugere um rompimento com uma sociedade marcada pelo machismo e propõe a emancipação feminina. Ambientado no Rio de Janeiro, “O Bloco das Mimosas Borboletas” conta o drama do Sr. Brito, um funcionário público do baixo escalão que tem duas filhas moças, ansiosas para serem “apresentadas à sociedade e cortejadas pelos rapazes da cidade”. Contudo, num bloco de carnaval, elas fogem do pai e embarcam em uma aventura amorosa.





Com sutil ironia, Ribeiro Couto narra o que acontece com o Sr. Brito depois do desaparecimento das filhas. Diante do escândalo, ele entra em desespero até, literalmente, morrer de preocupação.

“É um conto muito legal, né?”, ressalta Celinha. “É uma crítica àquele modo como a sociedade se comportava, no qual o pai tinha que levar as filhas para aproveitarem o carnaval sob o olhar dele para que elas não se corrompessem.”

Celinha, no entanto, só conheceu o conto de Ribeiro Couto por acaso, quando montava um musical – que foi o embrião do bloco – com suas alunas de canto.

“Pedi para que cada uma delas levasse uma música que as representasse e uma chegou com ‘O Bloco das Mimosas Borboletas’, da Fátima Guedes. Achei muito legal aquela música, depois li o conto e fui me interessando cada vez mais porque tem a crítica forte, mas, ao mesmo tempo, feita com certa suavidade”, afirma, ressaltando o lirismo do título “O Bloco das Mimosas Borboletas”.

Reflexões

O musical, no entanto, acabou virando bloco de carnaval. A ideia era levar cada vez mais mulheres para as ruas nos dias de folia. “Além do desfile, nós promovemos rodas de conversa e reflexões sobre o universo feminino e toda essa questão geracional entre as mulheres, porque hoje é tão diferente a forma como as coisas são colocadas por mulheres da minha geração e meninas de 20, 30 anos”, afirma Celinha. 





“E, às vezes, a gente acaba se chocando com a forma como as coisas são colocadas pelas mulheres mais jovens. Mas nós lutamos muito para que todas as questões do universo feminino que a gente discute fossem colocadas de forma leve”, emenda.

A leveza com a qual são tratadas essas questões é nítida no hino do bloco. A canção, que ficou em segundo lugar no Concurso de Marchinhas Mestre Jonas, em 2020, tem versos como “Nós somos as borboletas/ Nós somos rosa, verde, branco e violeta”, sendo mais contundente em  “A liberdade, a transformação/ Respeito é nosso grito, e NÃO É NÃO!!". 

Embora a formação do bloco seja apenas de mulheres, ele não é exclusivo do público feminino. Inclusive, Celinha faz questão de destacar que o objetivo do grupo é promover a união.





“A gente quer que todas as pessoas venham. Que os homens venham, que as crianças venham, que venha todo mundo. Qualquer um que sinta que faz sentido o que nós fazemos deve vir e celebrar com a gente. O objetivo é de união total”, afirma.

Para celebrar essa união com a leveza que marca a essência do bloco, Celinha escolheu homenagear a pintora mexicana e ícone do feminismo Frida Kahlo.

“Por mais que tenha sofrido, ela nunca deixou de se retratar com cores fortes, flores e borboletas. Por isso a escolhemos como a imagem do nosso bloco (neste ano)”, conclui. 

O BLOCO DAS MIMOSAS BORBOLETAS
• Neste domingo (12/2), a partir das 10h, na Praça Marino Mendes Campos (Av. Francisco Deslandes, Anchieta). Entrada franca

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