Não, não e não. Os irmãos Rodrigo e Paulo Pederneiras, coreógrafo e diretor artístico do Grupo Corpo, respectivamente, ouviram várias negativas do cantor e compositor João Bosco.
De jeito nenhum ele faria uma trilha para um espetáculo da companhia. Nunca havia feito nada parecido, sua história na música era outra. Um dia, acabou concordando – 25 anos atrás, o Corpo estreou “Benguelê”, com trilha criada pelo músico de Ponte Nova.
Nu!. A expressão que qualquer mineiro entende como alguma coisa realmente boa foi acompanhada com curiosidade por Caetano Veloso. Corria o ano de 2005, e ele havia se aventurado a algo inédito: música para balé.
É verdade que estava ao lado de José Miguel Wisnik, que já havia feito outros trabalhos para o Corpo. Mas só quando ouviu o “nu” de Rodrigo Pederneiras o baiano entendeu que o coreógrafo realmente tinha gostado da trilha do espetáculo “Onqotô”.
É verdade que estava ao lado de José Miguel Wisnik, que já havia feito outros trabalhos para o Corpo. Mas só quando ouviu o “nu” de Rodrigo Pederneiras o baiano entendeu que o coreógrafo realmente tinha gostado da trilha do espetáculo “Onqotô”.
Tais histórias são contadas pelos próprios autores, no documentário “Grupo Corpo pela música”, que estreia nesta terça (14/2), no canal Curta!. O longa-metragem, dirigido por Armando Mendz e Janaína Patrocínio, acompanha a história do grupo por meio da produção das trilhas.
Reúne entrevistas com os já citados João Bosco e Caetano, além de Wisnik (“Nazareth”, de 1993, “Parabelo”, de 1997, com Tom Zé, “Santagustin”, de 2002, com Gilberto Assis, “Onqotô” e “Sem mim”, de 2011, com Carlos Núñez); Arnaldo Antunes (“O corpo”, de 2000); Lenine (“Breu”, de 2007, e “Triz”, de 2013); Moreno Veloso (“Ímã”, com +2, de 2009); Samuel Rosa (“Suíte branca”, de 2005); e o trio Metá Metá (“Gira”, de 2017).
Milton
Nome essencial para a trajetória do Corpo, Milton Nascimento – cuja parceria com Fernando Brant rendeu o espetáculo de estreia, “Maria Maria” (1976), além de “O último trem” (1980) – aparece por meio de um depoimento antigo e também das imagens da montagem seminal.
Outra grande referência musical, talvez a maior delas, o compositor e violoncelista Marco Antônio Guimarães, criador do Uakti, está muito presente no documentário, mesmo que não tenha sido entrevistado para o projeto. A codiretora Janaína Patrocínio é responsável, há muitos anos, pelas gravações dos espetáculos do grupo. Também registra os bastidores.
Tanto por isso, o longa traz passagens de diferentes momentos de Guimarães, em geral em estúdio. “A presença dele é diferente (da dos outros autores), pois ele está mais fazendo coisas do que falando sobre o processo (de composição). A Janaína tem horas de material com ele no arquivo, então não sentimos necessidade de ir até ele”, comenta Mendz. Guimarães, vale lembrar, é autor de quatro trilhas: “Uakti” (1988), “21” (1992, um divisor de águas na trajetória do grupo), “Bach” (1996) e “Dança sinfônica” (2015).
O projeto do documentário é de 2016 e veio do próprio Corpo. Os espetáculos da companhia nascem a partir da música. Somente depois que a trilha está pronta é que Rodrigo Pederneiras dá início à coreografia.
A pandemia afetou o filme. Mendz comenta que houve uma única entrevista realizada no final de 2019, com Wisnik. Todas as outras foram feitas entre janeiro e fevereiro de 2020. Tom Zé e Milton estavam com as entrevistas agendadas para março. As restrições impostas pela crise sanitária impediram os encontros. Entremeando as entrevistas, há imagens dos espetáculos.
Já Gilberto Gil, autor de “Gil” (2019), não chegou a entrar na lista. “O espetáculo ainda estava muito fresco, foi uma opção na época. Se não tivesse havido a pandemia, talvez tivéssemos falado com ele”, comenta Mendz. Houve entrevistas em BH – Moreno e Caetano, no Teatro Dom Silvério; Wisnik, no estúdio Neutra – e outras em São Paulo e Rio (Lenine e João Bosco receberam os diretores em casa).
Para o diretor, o mais importante é trazer esta reunião de criadores. “Pela primeira vez, ouvi-los falar do trabalho com o Corpo de forma tão livre, inclusive dos medos de entrar na empreitada. É um risco coletivo”, comenta Mendz.
Há situações que o documentário mostra que exemplificam isso. A cada novo convite, os Pederneiras reafirmam que os autores têm toda a liberdade para fazer o que quiserem. Isso gera dúvidas e inseguranças, mesmo tratando-se de alguns dos maiores nomes da música brasileira.
O risco vale a pena. Lenine, por exemplo, comenta o impacto que teve quando assistiu a “Breu”. Pela primeira vez em sua vida, ele “enxergou” a sua música. Caetano admite que o “nu” ouvido foi uma garantia de que o trabalho tinha ficado bom. Mas que só se maravilhou realmente com “Onqotô” quando assistiu a uma remontagem do espetáculo, anos depois da estreia.
GRUPO CORPO PELA MÚSICA
• O documentário estreia nesta terça (14/2), às 21h30, no canal Curta!.
• Reprises na quarta (15/2), à 1h30; quinta (16/2), às 9h30; e sábado (18/2), às 16h
Grupo sai em turnê, em março
É hora de levantar voo de novo. O Corpo parte em março para nova turnê internacional. Serão 12 apresentações no mês que vem em Luxemburgo, Suíça, Alemanha e França. A companhia vai levar os espetáculos “Primavera” (2021) e “Breu” (2007). E um prestigioso projeto, anunciado antes da pandemia, finalmente virá a cabo.
Em 18 de julho, a companhia vai se apresentar no Hollywood Bowl, em Los Angeles, com a Filarmônica de Los Angeles, sob a regência do maestro venezuelano Gustavo Dudamel. O programa será com a coreografia inédita “Estancia”, criada por Rodrigo Pederneiras para a música composta pelo argentino Alberto Ginastera (1916-1983).
O convite, que partiu do próprio Dudamel, diretor musical e artístico da Filarmônica de Los Angeles, ocorreu no início de 2020 – o plano inicial era lançar o espetáculo em outubro daquele ano, o que a pandemia impediu de ocorrer. Com as atividades retomadas, Dudamel anunciou na semana passada que irá se desligar da Filarmônica de Los Angeles e assumir o posto de regente da Filarmônica de Nova York, a partir de 2026.
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