Berlim – Dois documentários sobre a Ucrânia que não poderiam ser mais diferentes entre si estrearam neste fim de semana no Festival de Berlim, na Alemanha.
“Superpower”, dirigido por Sean Penn e Aaron Kaufman, era bastante esperado, não só pelo fato de ter um astro à frente e por trás das câmeras, mas também porque o ator e a equipe do documentário estavam na Ucrânia no dia da invasão russa, que completará um ano na próxima sexta-feira (24/2).
Além disso, Penn e o presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, acabaram por construir uma relação de amizade, pelo menos na visão do americano. Na verdade, Penn está tão encantado com Zelenski que, na entrevista coletiva concedida no sábado, fez uma comparação surpreendente.
“Encontrar meus filhos no nascimento. Encontrar um homem com o coração aberto como ele. Foi um modo muito especial de começar a conhecer alguém”, disse o ator e diretor.
O documentário, porém, parece desperdiçar essa proximidade ao não se aprofundar nos bastidores do poder num momento tão singular como este em que a Ucrânia se encontra. Penn demonstra estar tão encantado com Zelenski que sua devoção beira a ingenuidade. Parte disso se deve ao fato de que o personagem do filme se transmutou na frente de seus olhos.
Quando Penn começou a trabalhar em “Superpower”, em 2019, a Ucrânia não havia sido invadida novamente pela Rússia – houve a anexação da Crimeia em 2014.
O personagem Zelenski era ainda um bufão, ator cômico que havia feito a série de TV na qual se tornava presidente da Ucrânia e, na vida real, também havia virado presidente do país. No filme, o produtor revela que a obra poderia ter contornos divertidos devido a essa situação ímpar.
Entrevistas feitas antes da invasão mostram vários ucranianos duvidando da habilidade de Zelenski em melhorar o país. Mas quando a Ucrânia é invadida e ele não foge, vai se transformando em herói.
Tudo isso está em “Superpower”, documentário altamente didático. A primeira metade faz um longo apanhado histórico do conflito desde o início, em 2014. Tudo isso apresentado de forma informativa, nada muito diferente do que emissoras de TV fariam ou fizeram em seus especiais sobre a Guerra da Ucrânia.
Apesar de o formato se distanciar do que poderia ser descrito como uma obra artística, talvez tenha sido esse o objetivo final, já que tanto Penn quanto Kaufman afirmaram em Berlim que o filme tem a intenção de explicar aos americanos por que tudo aquilo estava ocorrendo.
“Nos Estados Unidos, o noticiário é sobre se devemos dar dinheiro para ajudar a Ucrânia na guerra e nunca se aprofunda a respeito do que está por trás da guerra, a razão pela qual está acontecendo”, disse Kaufman.
No entanto, “Superpower” decepciona pela forma como trata o diretor-ator na frente das câmeras. Penn aparece entrevistando, ouvindo, andando, falando, se lamentando, reverenciando, discutindo, contando piadas, sugerindo, saindo do país, voltando para o país, indo para o front, voltando do front.
Penn ofusca Zelenski
Não há dúvida. A estrela de “Superpower” não é Zelenski, como Penn acredita, mas sim ele mesmo. Orgulhoso de ter desbravado um país desconhecido, Penn e equipe parecem não ter se dado conta de que o fato de um americano andar por ruas cheias de crateras de explosivos – e, sim, pondo a vida em risco por estar ali – não interessa a muita gente, mesmo que este americano seja um astro de Hollywood.
É um filme contido e, como o título de alguma forma sugere, apresenta um olhar sobre o país em questão. É o olhar desses dois cineastas, visitando a nação em conflito, sem entrevistas, sem diálogos, sem explicações.
A obra se resume a observar. A câmera, sempre parada, fica longos segundos mirando um carro destruído. Depois, longos segundos captando o movimento de uma estrada. Às vezes, há marcas da guerra. Às vezes, não.
Garotos brincam com restos de artilharia, mulheres entram na fila para pegar alimentos, pessoas descem para se abrigar no metrô, adolescente tira fotos em cima de um tanque destruído, meninos brincam de guardas de fronteira.
A câmera nunca intervém. Está apenas ali, captando a vida em movimento, tão indiferente que poderia ser de um país em guerra ou não. É um filme para quem se interessa pela humanidade.
Para algumas pessoas, assistir a cinco minutos deste documentário é uma tortura. Para outras, é um belo e delicado vislumbre de como outras pessoas vivem a vida cotidiana neste exato momento do outro planeta.
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