Com semblante carregado, ator Jesse Eisenberg se olha em espelho de banheiro masculino em cena do filme Manodrome

Jesse Eisenberg como Ralphie, motorista de aplicativo que reage com violência ao avanço das mulheres

Capstone Studios/divulgação

 
Berlim – “O crepúsculo do macho”, título de um livro de Fernando Gabeira lá em 1980, está mais em voga do que nunca. Juntos, o movimento MeToo e a onda de correção política vêm escanteando o papel tradicional do homem de uma forma jamais vista nos últimos séculos.
 
E o que os homens fazem com isso? Para os personagens do diretor John Trengove, eles formam uma seita misógina, autocentrada e de profundo orgulho macho. Um grupo que cheira a homens suados na academia e que simplesmente não se relaciona mais com mulheres.
 
Eis o conceito do machódromo, ou, em inglês, “Manodrome”, filme com Jesse Eisenberg e Adrien Brody que teve estreia mundial no festival de Berlim na noite de sábado (18/2).
 
Jesse Eisenberg é Ralphie, motorista de aplicativo com um filho a ponto de nascer, que se afunda na depressão causada pela vida monótona e pelas dificuldades financeiras.
 
Ele dirige em uma cidade deprimente, sempre chuvosa, com clientes que o tratam mal e cuja rotina inclui idas diárias à academia de ginástica. É uma espécie de “Taxi driver” (1976), filme de Martin Scorsese, mas sem as cores glamourosas daquela Nova York. Na cidade de Ralphie, tudo é cinza.
 
Um de seus colegas da academia, notando o mau momento pelo qual ele passa, o convida para conhecer um grupo que pode ajudá-lo a sair dessa. É o tal do machódromo, liderado pelo Pai Dan, papel de Adrien Brody, que ensina que boa parte do mal do mundo é causado pelas mulheres.
 
Dan ensina o “filho” Ralphie a sair do “campo de atração gravitacional da vaginosfera” e a celebrar o mundo macho sem fêmeas por perto. 
 
É claro que tanta testosterona reunida não vai dar em boa coisa.
 
O rapaz cai na velha espiral de violência, cada vez mais raivoso e sem contenção. Há algumas passagens violentas, mas “Manodrome” não chega a ser um filme de porrada. Prefere transitar no gênero thriller, mas não alcança a qualidade de um bom suspense. É perturbador até certo limite.

Narrativa talhada para os EUA

Na entrevista coletiva do diretor e elenco, uma jornalista europeia fez uma pergunta interessante. Ela considerou que a ideia do filme podia ser universal, pelo menos no Ocidente atual, mas quando o personagem empunha uma arma e parte para resolver seus conflitos na bala, a história se torna basicamente americana.
 
Tanto o diretor quanto o protagonista admitiram que o fato de a arma aparecer no filme parecia uma progressão bastante lógica diante da escalada de violência. “Mas para uma plateia internacional, como essa em Berlim (cuja sociedade não tem acesso a armas tão facilitado como nos EUA), entendo que isso possa soar americano”, disse Trengove.

Eisenberg falou da relação de seu personagem com a esposa grávida, Sal (Odessa Young). “Ele é tão infantilizado que precisa de uma figura materna. É claro que Sal significa isso para ele, mas isso não funciona num relacionamento.”
 
“Manodrome” parece beber numa fonte ainda não muito repisada, mas está longe de ser o filme definitivo ou mesmo marcante sobre o crepúsculo do macho.