Leonardo Silva fala ao microfone, tendo músicos de orquestra atrás de si

Leonardo Silva ganhou concurso com a peça "Lume", inspirada em poema do italiano Giuseppe Ungaretti

Benno Hunziker/Divulgação
 
A estreia da Filarmônica de Minas Gerais foi um marco na vida do belo-horizontino Leonardo Silva. Há 15 anos, ele, então com 18, estava na plateia do Palácio das Artes no concerto inaugural da orquestra. Assistiu, ao lado do pai e do irmão, à “Nona sinfonia” de Beethoven.
 
Recém-aprovado no curso de engenharia de produção da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), saiu daquela noite de 21 de fevereiro de 2008 decidido a estudar música – nunca tinha assistido a uma apresentação sinfônica na vida. Leonardo, hoje com 33, vive em Berlim e comemora seu (até agora) maior feito. Neste mês, venceu o 4.º Basel Composition Competition, realizado na cidade da Basileia, na Suíça.
 
É o primeiro brasileiro a realizar tal feito. Mesmo sendo um concurso jovem – promovido bienalmente, foi criado em 2017 –, é muito concorrido por causa de dois fatores: não tem limite de idade para os candidatos e garante prêmios volumosos. Pela primeira colocação Leonardo recebeu 60 mil francos suíços (cerca de R$ 335 mil).
 
Ele venceu com a peça “Lume”, peça de 12 minutos executada, no concurso, por 59 musicistas da Orchestra Basel Sinfonietta, sob a regência de Jessica Cottis.
 
Orchestra Basel Sinfonietta, regida pela maestrina Jessica Cottis, se apresenta durante o concurso em Basileia

Orchestra Basel Sinfonietta, regida pela maestrina Jessica Cottis, apresentou a peça de Leonardo Silva durante o concurso em Basileia

Benno Hunziker/Divulgação
 
 
A obra, também a primeira que ele compôs para orquestra (até então só havia criado para duos, solos e quartetos), foi inspirada no poema “Mattina”, do italiano Giuseppe Ungaretti (1888-1970).
 
Mais conhecido poema de um dos principais nomes do Hermetismo na literatura italiana, traz pouquíssimas palavras: “Mattina. M’illumino d’immenso” (“Manhã. Me ilumino de imensidão”, em tradução livre).
 
“Geralmente, trago comigo coisas de que realmente gosto, seja música, obra de arte ou filme. Comecei a compor livremente e, desde o início, a ideia do poema foi me orientando. Mas não era a tradução dele. O que sempre esteve presente na peça foi certa simplicidade do poema, que é complexa ao mesmo tempo. Algumas notas que se repetem na peça vão guiando o percurso harmônico durante 12 minutos”, explica.
 
O concurso recebeu mais de 250 partituras de 47 países. Os participantes tinham de 15 a 78 anos. No primeiro corte, foram selecionadas 12 obras, executadas na Basileia por três orquestras. Desta semifinal saíram os cinco finalistas.
 
Leonardo acompanhou os três ensaios, teve conversas com os musicistas e a regente. Também participou de encontros com alunos de nove escolas de música da cidade-sede do concurso, para falar sobre sua composição.

CONFIRA 'LUME', A PEÇA PREMIADA DE LEONARDO SILVA

 

Musicista fora da curva

Músicos profissionais, sejam musicistas, compositores ou regentes, via de regra começam sua trajetória na infância. O caminho percorrido por Leonardo é fora da curva. Ele não tem nem sequer um parente ou amigo que atue no meio. Na infância e adolescência, estudou de forma diletante violão e guitarra, mas se dedicava à música popular.
 
O despertar, a partir da “Nona sinfonia”, o levou para aulas de música como atividade complementar. Ainda em 2008, intercalou a universidade com estudos de piano e musicalização com Rubner de Abreu, professor da Fundação de Educação Artística (FEA).
 
Mais tarde, já como aluno da FEA, estudou contraponto. Também teve aulas de composição com Rogério Vasconcelos, da UFMG. “Mas como não tinha muito tempo por causa da graduação, eram aulas uma vez por semana. Foi a formação que deu, na época.”
 
A Filarmônica voltou à trajetória de Leonardo no final do curso. “Consegui juntar as duas coisas, engenharia e música, no meu trabalho de graduação. Foi um estudo de caso sobre o Instituto Filarmônica”, relembra.

Mudança de planos

Dois dias após a formatura em engenharia, ele se mudou para a Alemanha. Os planos iniciais eram estudar alemão em Heidelberg e Berlim. Mas assim que chegou na Europa, participou de festival em uma pequena cidade austríaca. O evento, organizado pelo Conservatório de Viena, lhe deu o primeiro prêmio de composição.
 
A premiação lhe valeu o convite de uma compositora para estudar em Zurique. Um ano depois, já dominando o alemão, ele partiu para a Suíça, onde fez mestrado no conservatório de Zurique.
 
Em 2016, quando concluiu o mestrado, recebeu do governo suíço uma bolsa para residência artística de seis meses em Berlim.

Finalizada essa fase, e já morando na capital alemã, Leonardo fez cursos, participou de pequenos concursos e começou a dar aulas particulares.
 
“Como tenho pouco tempo de escola de música, meu desejo era completar a minha formação”, observa. Em 2020, ele entrou para um curso no Conservatório de Leipzig que é considerado pós-mestrado, sem chegar a um doutorado.
 
Terminou o curso quase simultaneamente ao concurso da Basileia. “Meu grande interesse é o trabalho sinfônico. Depois da estreia de uma peça para orquestra, geralmente há uma pequena revisão, que é o que estou começando a fazer: mudar um instrumento aqui, uma dinâmica ali. O concurso deixou as portas abertas para que ‘Lume’ seja apresentada no futuro. Querem fazer com que a obra não fique só numa apresentação”, informa Leonardo.

Editora Zain 

Mesmo radicado na Alemanha, ele tem laços profissionais com o Brasil. Criou a editora Zain, que vai publicar exclusivamente títulos voltados para a música. “Mas não é só livro teórico, que, aliás, falta muito no país, mas também títulos interdisciplinares sobre música, cinema e arquitetura, por exemplo.”
 
Haverá também biografias e livros de ficção que passam pela música. O lançamento oficial da Zain está previsto para maio. Foram programados, no momento inicial, 16 livros, entre títulos sobre música cubana, incluindo novela do escritor Alejo Carpentier, inédito de um autor brasileiro, como também uma biografia de Bob Dylan.
 
“Ficou claro para mim, desde o início, que a editora Zain será dedicada às músicas: tem de ter espaço para jazz, bossa nova, música africana, popular e, é claro, para a música de concerto”, finaliza Leonardo.