Primeiro veio o nome, que tanto pode querer não dizer nada quanto pode querer dizer qualquer coisa. É dessa forma que a artista Dudude Herrmann explica o processo de criação da performance “Na soleira rodopio lisencio, um estar sensível”, que ela apresenta neste sábado (25/2), a partir das 10h, no Memorial Vale, pelo projeto Sensações Memoráveis, que tem curadoria de Marco Paulo Rolla.





Partiu do artista plástico o convite para que a bailarina e coreógrafa fizesse algum tipo de intervenção naquele espaço. Uma das artistas pioneiras no Brasil em utilizar a linguagem da improvisação em dança, Dudude diz que, guiada pelo nome do projeto, se abriu às sensações. “Quando esses convites acontecem, eu fico assim, em estado de escuta, uma escuta sensível, para ver o que me visita. Me visitou primeiro esse nome, que tem no ‘lisencio’ um pedido de licença e de silêncio”, explica.

Ela afirma que a intenção da performance é promover uma habitação amorosa do espaço, que possa tocar a sensibilidade de quem assiste. Dudude conta que convidou o músico Luiz Naveda e, juntos, eles criaram uma paisagem sonora. “Com essa ambientação, fico no modo performance de existir, andando por todo o espaço do Memorial, movendo aquelas moléculas que estão ali, com o desejo mesmo de alargar a nossa percepção”, diz.

Provocar a sensibilidade

Trata-se de uma apresentação de longa duração, na qual o público também é convidado a se movimentar pelo prédio situado na Praça da Liberdade, para poder acompanhar e interagir com o que está sendo proposto, segundo a artista. Ela classifica o trabalho como uma “performance continuada”, que o público pode assistir durante o tempo que achar conveniente.




 
“As pessoas que estiverem ali podem ter resistências e interesses distintos, porque performance é isso, é deslocamento, é alargamento, é estranhamento. Eu não posso ficar muito preocupada com a forma como o público vai reagir, mas tenho o desejo de provocá-lo em algum lugar de sua sensibilidade. Pode ser que eu passe alguns momentos completamente só, mas eu estou ali, com tudo o que reverbera, com a memória daquele espaço”, destaca.

Ela explica que, da forma como foi concebida, “Na soleira rodopio lisencio, um estar sensível” mescla movimentação, música e um texto que escreveu para compor a performance. Dudude ressalta, a propósito, que este é um trabalho criado especialmente para o projeto Sensações Memoráveis, que leva em conta precisamente o espaço do Memorial Vale.

Dudude diz que a ideia é ir se instalando nos arcos, nos marcos, ressoando, movendo, cantando, usando a palavra como guia narrativa de suas questões, elaborando uma poesia física que desvela o acontecimento no ato da ação. “Me veio esse convite carinhoso do Marco Paulo, irrecusável, e eu tenho as minhas questões ecológicas e ambientais, então meu desejo é mover as moléculas daquele lugar, é amorosamente penetrar no espaço”, pontua.






Longa trajetória

Bailarina, coreógrafa, diretora e professora, Maria de Lourdes Arruda Tavares Herrmann, nome que a certidão de nascimento de Dudude registra, estuda e trabalha desde a década de 70 a pedagogia de ensino da dança contemporânea.

Ao longo de sua trajetória, trabalhou com os diretores Paulo José, Eid Ribeiro, Chico Pelúcio e Adyr Assumpção, além de dirigir coreografias do Grupo Primeiro Ato, Grupo Galpão, Cia. Burlantins e Cia. de Dança Palácio das Artes, entre outras. No início da carreira, ela integrou o grupo Trans-Forma, de onde saíram alguns nomes da dança contemporânea reconhecidos nacionalmente.

Em 1992, Dudude criou a companhia Benvinda, com a proposta de investigar a dança a partir de uma linguagem contemporânea. O grupo, que encerrou suas atividades em 2007, tinha em seus trabalhos temas que traziam o humano como fonte de recursos, visando conceituar e identificar suas necessidades e urgências.




Temporada na França

A artista também esteve, durante 15 anos, à frente do Estúdio Dudude Herrmann – Núcleo de Estudos Corporais. Em 2001, ela recebeu a Bolsa Virtuose, do Ministério da Cultura do Brasil, para se reciclar e vivenciar outros ares no Centro Coreográfico de Orleans, na França, a convite do diretor do espaço, Josef Nadj. 

Em 2002 e 2003, realizou a pesquisa “Poética de um andarilho: a escrita do movimento no espaço de fora”, como bolsista do programa Vitae de Artes, que gerou um espetáculo homônimo. Outras criações marcantes que vieram a público ao longo da carreira de Dudude foram “Iphigênia” (1995), “Barrocando” (2000), “Como habitar uma paisagem sonora” (2005), “Na planície, logo montanha, aparece o mar” (2006) e “A projetista” (2011).

Laboratório de criação

Toda essa experiência acumulada ao longo dos anos é colocada a serviço de iniciativas como o Lab. In-Vento, um laboratório de criação para artistas e estudantes de arte de Belo Horizonte, cujas inscrições para a segunda edição, que será realizada entre 13 de março próximo e 7 de maio, estão abertas até sexta-feira (3/3) da semana que vem. A iniciativa é voltada para os interessados na pesquisa, na prática e no aperfeiçoamento da linguagem da improvisação em dança.

Ao todo, serão selecionados 12 candidatos, mais três suplentes, que receberão uma bolsa-auxílio no valor de R$ 2 mil para dedicação ao projeto. Entre os critérios de seleção, o candidato deve ter idade mínima de 18 anos e ser morador de Belo Horizonte, além de comprovar quatro anos de experiência artística.





“O Lab. In-Vento é minha menina dos olhos. Fizemos um piloto em 2019 e fomos fazer uma primeira edição em 2020, que culminou na pandemia. Agora a gente chega a esta segunda edição podendo se encontrar, em um intervalo de pesquisa, de mergulho na invenção, trabalhando essa linguagem tão potente que é a da improvisação, algo ligado à vida e à autonomia”, diz a artista.

Carta de interesses

Ela explica que a seleção dos 12 artistas que vão participar é feita por currículo e, sobretudo, por uma carta de interesses. “A partir de um chamamento público, eu faço a seleção, e o que vale mesmo é essa carta de interesses, porque é ali que a pessoa se coloca. Ela pode ter ido pra lá, pra cá, feito isso, feito aquilo, mas é na carta de interesses que está a atualidade”, pontua.

O resultado da seleção será divulgado nas redes sociais da artista até 6 de março. O laboratório prevê um total de 32 encontros, realizados quatro vezes por semana, com duração de três horas cada um, no Teatro Marília. Nos dias 9/5 e 10/5, o laboratório será aberto à visitação pública, com a realização de ações simultâneas, no formato de “happening”. Podem se inscrever estudantes de arte, bailarinos, performers, atores e músicos pelo link https://linkr.bio/dudude.

“NA SOLEIRA RODOPIO LISENCIO, UM ESTAR SENSÍVEL”

Performance de Dudude Herrmann. Neste sábado (25/2), a partir das 10h, no Memorial Vale (Praça da Liberdade, 640, Funcionários). Entrada franca

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