Clara Nunes tem flores na cabeça e usa vestido branco, com babados no decote, em ensaio fotográfico para o disco 'Nação'

Legado de Clara Nunes, com sua devoção ao samba e aos orixás, será celebrado neste domingo, nas ruas de BH

Wilton Montenegro/divulgação

Clara Nunes (1942-1983) ganha homenagem do bloco Filhas de Clara, neste domingo (26/2), em Belo Horizonte. O local do desfile não poderia ser mais especial: a avenida batizada com o nome da cantora no Bairro Renascença, onde ela trabalhou e morou.

A partir das 14h, Aline Calixto, Tia Elza e Júlia Tizumba vão “puxar o samba”, com repertório composto por “Conto de areia”, “Morena de Angola”, “Afoxé pra Logun” e “Menino Velho”, entre outros sucessos da homenageada.

Com cinco anos, o bloco sai no domingo pós-carnaval. Integrado exclusivamente por mulheres, reúne três gerações de intérpretes. Aline, Júlia e Tia Elza estarão acompanhadas pela banda formada pelas instrumentistas Analu Braga, Nanda Bento, Alcione Oliveira, Alessandra Sales, Maria Elisa, Marcela Nunes e Solange Caetano.

Estrela do samba, Clara Nunes sempre marcou presença no carnaval, sobretudo na Portela, sua escola do coração. Ela morreu aos 40 anos, de insuficiência cardíaca, em decorrência de um choque anafilático ao se submeter a uma cirurgia de varizes. Ficou 28 dias em coma.

A estreia de Júlia

Júlia Tizumba estreia no Filhas de Clara neste domingo. Seu amor pela cantora é antigo, pois ouvia, quando criança, os discos dela junto do pai, o percussionista, cantor, compositor e ator Maurício Tizumba.

“Foi ele quem me apresentou a Clara. No aniversário de 30 anos da morte dela, em 2013, participei do musical ‘Clara negra’, realizado pela Cia. Burlantins. Agora tenho a oportunidade de homenageá-la novamente”, comenta.
 

Aline Calixto ressalta que 2023 é emblemático, pois marca 40 anos sem Clara Nunes. “A gente vai desfilar com mais essa lembrança, trazendo esse elemento forte. Em 2022, ela completaria 80 anos. Vamos levar toda a força, todo o legado dela para a Avenida Clara Nunes”, afirma.

O cortejo é aberto a todos, avisa Aline. “Sempre orientamos as pessoas a irem de branco, as cores do bloco, pois Clara usava roupas brancas. Outro eixo forte do nosso projeto é o viés afrorreligioso que ela carregava e transpunha por meio de seu canto, da sua música.”

O bloco reverencia Iansã e Ogum, orixás da cantora. “É algo sempre marcante em nossos desfiles. Todas as pessoas da banda usam guias em homenagem a ela. Não são guias de terreiro, mas simbolizam a fé de Clara nos santos que tanto cantava em suas músicas.”

Ser de luz: 'oração' a capela

Cantora Aline Calixto com vestido branco e cabelo como o que Clara Nunes usava

Aline Calixto pede que todo mundo vista branco para seguir o bloco Filhas de Clara

Wilson Cristovam/divulgação
O bloco sai apenas com as canções da artista. “Todas as músicas são de Clara, tanto do lado A como do lado B, as mais conhecidas e as menos conhecidas. No entanto, em certo momento cantamos a única que não faz parte do repertório dela: 'Ser de luz', de Paulo César Pinheiro e João Nogueira, feita após sua morte.”

“Ser de luz” é quase celebração. “Uma oração dentro do desfile, entoada por todas as pessoas”, conta Aline. “Ninguém toca nenhum instrumento, apenas vozes ecoam no momento dessa música. Muita gente se emociona e chora.”
 
Aline Calixto conta que seus pais gostavam muito de Clara Nunes. “Quando ela morreu, eles ainda moravam no Rio de Janeiro. Minha mãe diz que meu único contato com Clara foi dentro de sua barriga. Quando ela estava gravando um clipe no Rio de Janeiro, minha mãe chegou bem perto para ver o que estava acontecendo. Então, meu contato com a Clara foi dentro daquela barriga. Imortal, essa artista deixou o legado que a gente mantém vivo através do nosso bloco”, finaliza.

DA TECELAGEM PARA O PALCO

Mineira de Caetanópolis, Clara Nunes chegou a BH em 1957, ainda adolescente, para trabalhar como tecelã na Companhia Industrial Renascença. Cantava em quermesses e festas da empresa. O sambista Jadir Ambrósio (1922-2014) a levou para a Rádio Inconfidência.
 
Clara Nunes, muito jovem, sorri para a câmera

Clara Nunes em 1961: a tecelã que sonhava virar cantora

Arquivo EM
Crooner de casas noturnas da cidade, a jovem artista venceu a etapa mineira do concurso Voz de Ouro ABC, ficando em terceiro lugar na disputa nacional. Premiada com a gravação de um disco na Odeon, mudou-se para o Rio de Janeiro nos anos 1960.
 
Na década de 1970, Clara Nunes conquistou o Brasil com sambas voltados para tradições afro-brasileiras. Desfilou no carnaval carioca até 1983, ano de sua morte. O velório da cantora reuniu cerca de 50 mil pessoas na quadra da Portela.

BLOCO FILHAS DE CLARA

Desfile neste domingo (26/2), a partir das 14h. Saída da Avenida Clara Nunes, 107, Bairro Renascença