O documentário “Sur l'Adamant”, do diretor francês Nicolas Philibert, filmado sobre uma barcaça no Rio Sena, em Paris, que acolhe pessoas em tratamento psiquiátrico, levou o Urso de Ouro do Festival de Cinema de Berlim neste sábado (25/2).
Philibert, de 72 anos, rodou o filme como parte de uma trilogia sobre o tema. “O documentário ser considerado cinema por si só é algo que me emociona profundamente”, declarou o diretor, ao receber o prêmio máximo da 73ª edição da Berlinale.
“Tentei inverter a imagem que sempre temos dos loucos, tão discriminatória”, defendeu o diretor francês. “Quero que sejamos capazes, se não de nos identificarmos com eles, pelo menos de reconhecermos o que nos une para além das nossas diferenças, como uma humanidade comum.”
Identidade trans em destaque
Fiel à sua reputação de festival engajado, a Berlinale serviu de plataforma para filmes com temática social, particularmente a identidade trans.
Nesse contexto, a menina espanhola Sofía Otero, intérprete de menino trans em “20.000 especies de abejas”, emocionou ao ganhar o prêmio de Melhor atuação.
A estatueta de Melhor interpretação coadjuvante foi para outra intérprete de um trans, a austríaca Thea Ehre (por “Bis ans ende der nacht”).
Veja trailer de Sur l'Admant:
Entre os documentários, a obra autobiográfica de Paul Preciado (“Orlando, mi biografía política”), ensaísta espanhol trans, levou dois prêmios.
Em “20.000 especies de abejas”, Sofía Otero interpreta Aitor/Lucía, garoto de 9 anos que deseja ser tratado como menina pela família. Este é o primeiro longa de Estíbaliz Urresola, diretora basca de 39 anos.
Com lágrimas nos olhos, Otero recebeu o prêmio no Berlin Palast e agradeceu à família. “Meu pai é o melhor pai do mundo”, exclamou, diante da plateia emocionada.
A organização do festival não autorizou que a menina respondesse perguntas durante entrevista coletiva. Mas Otero, escolhida por Urresola entre 500 candidatas, assegurou que o melhor dia da Berlinale “foi o dia em que chegamos ao hotel.”
Veja trailer de '20.000 especies de abejas':
A masculinidade, a guerra e as relações familiares, tudo isso abordado com propostas visuais radicais, também tiveram espaço no festival alemão.
O júri atribuiu o prêmio de Melhor roteiro a “Music”, complicada recriação dos mitos gregos da alemã Angela Schanelec, com poucos diálogos.
A francesa Hélène Louvart ganhou prêmio especial pela fotografia de “Disco boy”, de Giacomo Abbruzzesse, sobre as peripécias de um jovem imigrante ilegal que se alista na Legião Estrangeira ao chegar à França.
A atriz americana Kristen Stewart, de 32 anos, a mais jovem presidente do júri da história da mostra, é defensora declarada da causa lésbica e feminista.
O diretor americano Steven Spielberg recebeu o Urso de Ouro honorário por sua carreira. Passaram pelo tapete vermelho da Berlinale, entre outras estrelas, Bono, Helen Mirren (protagonista do longa “Golda”), Cate Blanchett e Anne Hathaway.
Ucrânia e Irã na tela
A Berlinale 2023 também abriu as portas a diretores e artistas ucranianos e iranianos.
Nove filmes dedicados ao conflito na Ucrânia foram apresentados na competição, mesmo número de produções procedentes do Irã, país sacudido por protestos contra o regime islâmico.
O tradicional festival europeu recuperou totalmente suas forças, após os tempos difíceis impostos pela pandemia. Organizadores afirmaram que 11,5 mil visitantes passaram pela Berlinale, que exibiu 773 filmes.
PRÊMIOS
. Urso de Ouro
'Sur l'Adamant', de Nicolas Philibert. Grande Prêmio do Júri
Roter Himmel', de Christian Petzold
. Prêmio do júri
'Mal Viver', de João Canijo. Melhor Direção
'Le grand chariot', de Philippe Garrel. Melhor Roteiro
'Music', de Angela Schanelec. Melhor Atuação principal
Sofía Otero, por '20.000 especies de abejas', de Estibaliz Urresola. Melhor Atuação coadjuvante
Thea Ehre, por 'Till the end of the night', de Christoph Hochhäusler. Melhor Contribuição artística
Hélène Louvart pela fotografia de 'Disco boy', de Giacomo Abbruzzese