Sofía Otero segura o troféu Leão de Prata, que ganhou no Festival de Berlim

Sofía Otero, de 9 anos, e seu Leão de Prata conquistado no Festival de Berlim

Jorg Carstensen/AFP


Primeiro longa da diretora espanhola Estíbaliz Urresola, “20.000 espécies de abelhas” traz a público a discussão sobre crianças transexuais. O assunto se tornou pauta em meio a polêmica lei aprovada recentemente na Espanha.
 
No sábado (25/2), a pequena Sofía Otero, de 9 anos, emocionou a plateia do Festival de Berlim, na Alemanha, ao conquistar o prêmio de Melhor Atuação principal por seu trabalho como a menina trans que nasceu como Aitor, mas se vê como Lucía.  
 
Com lágrimas nos olhos, Otero recebeu o prêmio no Berlin Palast e agradeceu à família. “Meu pai é o melhor pai do mundo”, exclamou, diante do público emocionado.

A organização da Berlinale não autorizou que a atriz mirim respondesse perguntas durante entrevista coletiva. Mas Sofía assegurou aos jornalistas que o melhor dia no festival “foi o dia em que chegamos ao hotel.”
 
Jovem atriz Sofía Otero, de 9 anos, usa roupa especial para colher mel em cena do filme 20.000 espécies de abelhas'

Sofía Otero vive Aitor, que deseja ser Lucia, em '20.000 espécies de abelhas'

Gariza Films/reprodução
 

Aitor luta para ser Lucía

O longa, que se passa no País Basco, foi rodado em espanhol e na língua basca. Delicadamente, a câmera acompanha os passos de Aitor, garoto de 9 anos.
 
A casa da família do menino é um ponto de encontro e também o lugar onde todos devem se posicionar diante de uma realidade: o obstinado Aitor diz que é menina e quer ser tratado assim.

Estíbaliz Urresola aborda o assunto de frente, com a câmera na altura do olhar das crianças. Além disso, a diretora adota posição radicalmente feminista.

Foi depois de pesquisar cerca de 500 candidatos para interpretar Aitor/Lucía qie ela escolheu Sofía Otero.

“Quando dei a Sofía o teste final, a habilidade e a versatilidade dela em diferentes cenas foram surpreendentes. Foi como uma evidência”, revelou a cineasta.

“A mensagem essencial é: estas crianças precisam da legitimidade de seus parentes queridos. Se não tiverem essa primeira instância de afeto e reconhecimento garantida, vão sofrer muito”, defende Estíbaliz, de 38 anos.
 
Cineasta Estíbaliz Urresola segura fones sobre os ouvidos durante entrevista no Festival de Berlim

Cineasta Estíbaliz Urresola fez questão de pôr a câmera na altura do olhar das crianças

Tobias Schwarz/AFP

'A mensagem essencial é: estas crianças precisam da legitimidade de seus parentes queridos. Se não tiverem essa primeira instância de afeto e reconhecimento garantida, vão sofrer muito'

Estíbaliz Urresola, cineasta


O longa mostra apenas a fase inicial da transformação de Aitor em Lúcia, processo que na Espanha já tem um caminho legal, graças à recém-aprovada “Lei Trans”.

A legislação permite que pessoas maiores de 16 anos mudem livremente de gênero na esfera administrativa mediante um procedimento simples.

“A questão da identidade é um mistério”, afirma a diretora de "20.000 espécies de abelhas", explicando que procura “ir cada vez mais longe” em seus questionamentos sobre o mundo.

Contudo, Estíbaliz reconhece que as respostas que envolvem a transexualidade não são fáceis.
 
 

Tolerância: passo fundamental

De acordo com especialistas, a tolerância familiar é importante para que menores com disforia possam viver com serenidade. A transformação física, contudo, é muito controversa.

“Tudo seria muito mais fácil se houvesse o lugar intermediário entre os sexos, entendendo a identidade sexual e de gênero como continuum, e não como um sistema binário”, argumenta a diretora.
 

Antes do filme que premiou Sofía Otero na Berlinale, Urresola dirigiu o curta-metragem “Cuerdas” (“Cordas”, em tradução livre), sobre uma avó que luta contra a fábrica que polui o vale onde ela mora.

Em 2022, “Cuerdas” foi apresentado na Semana da Crítica em Cannes e ganhou vários prêmios, entre eles o concedido pelo Festival Internacional de Curta-Metragem de Clermont-Ferrand, também na França.