Foliões do Baianas Ozadas desfilam pelo Centro de BH

Direção do Baianas Ozadas diz que, com patrocínios mantidos, orçamento foi suficiente para fazer ensaios abertos e distribuir a camisa do bloco sem cobrança aos foliões

Leandro Couri /EM/D.A Press

Após dois anos de suspensão, o carnaval de Belo Horizonte voltou em 2023, reafirmando sua potência, alcançada ao longo da década passada. Uma pesquisa realizada pelo Observatório do Turismo da Belotur apontou que 5,25 milhões de foliões ocuparam as ruas da cidade no período da festa. A pesquisa revelou, ainda, que a folia de Momo movimentou R$ 720 milhões na economia da capital mineira.

Esse êxito, no entanto, não encontra ressonância nos pilares de sustentação do carnaval, que são os blocos de rua. Em que pese o fato de viverem realidades distintas, muitos deles não conseguem fechar a conta. Mesmo com o apoio da Prefeitura e do governo do estado, por meio de editais, as despesas acabam superando os eventuais subsídios, e as agremiações têm que buscar outras formas de arcar com os custos.

Há, naturalmente, blocos que vivem uma situação de estabilidade, com patrocínios que vêm se mantendo ao longo dos anos. É o caso do Baianas Ozadas, que, desde 2017, conta com o suporte financeiro da Ambev. O bloco aprovou um projeto na Lei Estadual de Incentivo à Cultura e conseguiu captar pelo edital da Cemig e junto à fabricante de bebidas. Teve, ainda, um patrocínio direto da Esportes da Sorte, uma casa de apostas virtual de Pernambuco.
 
“Não conseguimos captar 100% do projeto que aprovamos, mas foi o suficiente para o desfile acontecer”, diz George Cardoso, diretor artístico do bloco. Com o incentivo, foi possível realizar uma série de ensaios abertos sem necessidade de cobrança de ingressos, e também dar gratuitamente a camisa para os integrantes da ala de dança e da bateria.

Ele sabe, no entanto, que essa não é a realidade da maioria das agremiações. “A camisa, por exemplo, é um ativo, para conseguir ir para a rua mesmo. Tem bloco que faz a camisa com um custo de R$ 30 a unidade e vende a R$ 100, porque precisa; caso contrário, não sai”, diz. Ele considera que, para garantir um carnaval sustentável, vários fatores devem ser levados em conta, entre eles um maior envolvimento do empresariado local.
 
 
O patrocínio direto da Esportes da Sorte evidencia esse descompasso, segundo George. “Essa casa de apostas entrou como patrocinadora de vários blocos e de vários eventos em Belo Horizonte. É uma empresa de outro estado, do Nordeste, que tem uma tradição enorme de carnaval, mas que teve essa sacada de ver o crescimento da folia aqui e apostar. Já o empresariado local permanece alheio”, afirma.

Patrocínio privado

O diretor artístico chama a atenção para o fato de que a Prefeitura de Belo Horizonte tentou patrocínio privado para a festa e não conseguiu. Aos 48 minutos do segundo tempo, conforme aponta, a Fecomércio entrou com um apoio financeiro, mas que correspondeu a apenas 5% do que a administração municipal almejava.

“Parece que as empresas locais ainda não perceberam a força do carnaval, que envolve e gera receita para diversos setores, como hotelaria, comércio de serviços, comércio varejista, trabalhos temporários, bares e restaurantes. O carnaval é benéfico para a economia da cidade, mas os blocos não contam muito com o retorno disso”, aponta.

Além da falta de conscientização do empresariado, ele enxerga outros fatores que comprometem o fortalecimento da atividade dos blocos. A falta de uma lei específica para o carnaval é um deles. “A Liga Belo-Horizontina tem trabalhado nesse sentido, por uma lei que preveja mudanças, principalmente com relação ao Código de Posturas, que é obsoleto, atrapalha não só o carnaval, como a economia criativa da cultura como um todo”, avalia.

Com os rostos pintados, foliões desfilam no Samba Queixinho

O Unidos do Samba Queixinho, por sua vez, perdeu patrocínio e teve que abrir mão do trio elétrico, desfilando com a bateria no chão 

Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press

Sustentabilidade dos blocos

Ele acredita que a gestão de resíduos sólidos é outro fator que poderia contribuir para a sustentabilidade dos blocos e que poderia estar presente no escopo de uma Lei do Carnaval de Belo Horizonte. “Seria o caso de se criar um conselho para gerir essa lei, que regulamentaria diversas questões relativas ao carnaval”, ressalta.

Rodrigo Camargo Lopes, um dos diretores do bloco Bora Pro Nóbis, que fez sua estreia neste ano na folia de Momo da capital mineira, também considera que a falta de regulamentação acaba por onerar os desfiles. A agremiação surgiu por iniciativa de um grupo de amigos que fazia as oficinas de percussão ministradas pelo Monobloco, que marcou presença no carnaval de Belo Horizonte entre 2017 e 2020.

O Bora Pro Nóbis desfilou na terça-feira de carnaval, cumprindo um percurso que foi da Praça Alaska até a Praça JK, no Bairro Sion, arrastando aproximadamente 8 mil foliões, segundo Lopes. Ele diz que o bloco participou do edital da Belotur e conseguiu captar recursos em uma faixa mediana, no valor de R$ 12 mil (havia uma faixa inferior, de R$ 8 mil, e uma superior, de R$ 20 mil).
 
“Foi um recurso que nos ajudou a botar o bloco na rua, mas não passou nem perto de fechar a conta. Esse subsídio da prefeitura serviu para a gente pagar um mini trio elétrico”, diz. Segundo ele, a maior arrecadação do Bora Pro Nóbis vem das mensalidades que os alunos que frequentam as oficinas de percussão, realizadas desde junho do ano passado, pagam, no valor de R$ 120.

O número de integrantes da bateria flutua, mas chegou em fevereiro deste ano com cerca de 60 pagantes, conforme aponta. Lopes diz que o maior problema, do ponto de vista orçamentário, foi o aumento abusivo de vários equipamentos e itens necessários para o desfile nos últimos meses do ano passado.

“A gente vinha fazendo orçamento de várias coisas, porque, além do trio elétrico, tem que alugar equipamento de som, tem que pagar músicos, professores e regentes, tem o aluguel do espaço no Sesiminas, onde a gente ministra as oficinas e realiza os ensaios. Até outubro, a gente estava trabalhando com uma faixa de preços que, a partir de dezembro, subiu muito”, diz.
 
O nó, ele aponta, é a oferta pequena diante de uma demanda grande. “São muitos blocos e não tem, por exemplo, uma quantidade tão grande de trios elétricos disponíveis para o período em Belo Horizonte. Quem tem para alugar acaba elevando abusivamente o preço. Isso prejudica os blocos menores”, observa.

Regulamentação para coibir extorsão

Assim como George Cardoso, Rodrigo Camargo Lopes acredita que seja necessária uma regulamentação para, entre outras coisas, coibir esse tipo de prática extorsiva. “Às vezes, você tem um único fornecedor para atender a vários blocos, aí esbarra nessa questão da oferta e da demanda, e fica tudo muito caro. Acho que poderia ser feito algum tipo de regulamentação com relação aos fornecedores e prestadores de serviço.”

De acordo com ele, alguns fornecedores  acabam praticando dois preços, um com nota fiscal e outro sem. “Se você conseguiu recursos por meio de edital, a prefeitura exige uma prestação de contas. A gente quase ficou sem trio elétrico porque ainda tem a ação dos atravessadores, que reservam mais de um trio, aí você tem que pagar para essas pessoas, e não diretamente para o fornecedor. Tinha que ter uma forma de controlar isso”, salienta.
 
Multidão reunida durante desfile do bloco Então, brilha! no carnaval de BH

Desfile do bloco Então, Brilha! levou multidão ao Centro de Belo Horizonte

Leandro Couri/EM/D.A Press
 

Adequação ao orçamento

Gustavo Caetano, diretor do Unidos do Samba Queixinho, que este ano desfilou em homenagem à Orquestra Filarmônica de Minas Gerais, no domingo de carnaval, também diz que é complicado fechar as contas do carnaval. Assim como Lopes, ele também reclama do aumento “absurdo” dos preços. A solução encontrada, conforme aponta, foi adequar o desfile ao orçamento de que o bloco dispunha.

“Perdemos um patrocínio este ano, então preferimos fazer um carnaval mais pé no chão, com a bateria na rua, sem trio elétrico. A conta só fechou por causa disso, porque foi um negócio mais raiz”, diz, acrescentando que esse movimento implica, entre outras coisas, redução de plantel. “Eu mesmo acumulei várias funções. O carnaval não é feito só de gente tocando; tem a questão da produção, da assessoria, dos colaboradores, dos ajudantes”, ressalta.

Ele diz que investimentos são necessários para que os blocos tenham condições de acompanhar o crescimento vertiginoso do carnaval de Belo Horizonte. “Você não consegue atingir um público de 30 mil pessoas se não tiver uma boa equipe. E tem toda a cadeia produtiva, o técnico de som, o roadie, o trio elétrico, tudo isso custa muito”, pontua.

Desclassificado de edital

O Queixinho chegou a entrar no edital da Cemig, mas foi desclassificado “por uma coisa boba”, segundo Caetano. Ele diz que isso inviabilizou alguns planos que o bloco tinha, como contar com a presença de artistas da cidade – Maurício Tizumba, Raquel Coutinho, Marcelo Veronez, Gisele Couto e o Grupo Giramundo – com os quais o contato já havia sido feito. Ter um pequeno concerto com os músicos da Filarmônica no desfile foi outra ideia abortada.

De qualquer forma, Caetano saúda a disposição do poder público, nos níveis municipal e estadual, de incentivar, por meio dos editais, o trabalho dos blocos. “Acho que tanto o estado quanto a prefeitura têm, sim, tentado ajudar. Os editais que foram lançados contemplaram vários blocos”, diz. Ele se queixa é da pouca adesão da iniciativa privada.

“Seria muito importante que as empresas aderissem – cervejarias, aplicativos de comida e de transporte, hotéis, empresas de aviação, empresas de transporte –, porque todo mundo lucra. É preciso entender que é uma cadeia, que tudo funciona de forma conjunta. Se os blocos não conseguem capitalizar, vai ficando difícil. A ideia não é o bloco lucrar, mas, sim, manter sua atividade ao longo do ano e fazer o desfile bonito”, ressalta.