Chega a Belo Horizonte, neste fim de semana, a maratona metalinguística em que cinemas de rua são o tema de um conjunto de filmes – 30 curtas e um média-metragem – agrupados em sessões na Casa do Jornalista. A Mostra Cinemas do Brasil, que está em sua terceira edição, tem percorrido diversas cidades do país, além de La Paz, na Bolívia.
Idealizado e coordenado por Eudaldo Monção Jr., da Memorabilia Filmes, o projeto se volta para a situação dos cinemas de rua – que, em grande parte, fecharam as portas – e, sobretudo, para as impressões que eles deixaram na memória afetiva das pessoas.
Em Belo Horizonte, a mostra é realizada em parceria com o Centro de Estudos Cinematográficos de Minas Gerais (CEC-MG), Instituto Humberto Mauro e Projeto Dona.
A primeira edição, em 2019, passou por 42 cidades brasileiras, inclusive Belo Horizonte, com exibições no Cine Santa Tereza. A segunda, durante a pandemia, foi totalmente virtual, com apenas uma sessão presencial no sistema drive-in, em Sergipe.
A terceira teve início em 2021, apenas no ambiente on-line, e começou a circular a partir da flexibilização das medidas de enfrentamento à COVID-19.
Cine Rio Branco, tesouro baiano
Eudaldo Monção conta que o embrião da mostra foi o curta que ele próprio dirigiu, “Cine Rio Branco”, sobre a sala de exibição de sua cidade natal, Nazaré das Farinhas, no Recôncavo Baiano. É um dos cinemas de rua mais antigos do país.
O espaço, que estava abandonado, foi comprado pelo jogador de futebol Vampeta, filho ilustre da cidade, que o restaurou e o entregou à administração pública.
“A partir do filme, tive conhecimento, ao pesquisar, de outros títulos que também abordam o universo dos cinemas de rua, daí veio a ideia de fazer a exibição conjunta”, diz o idealizador da mostra. A sessão inaugural ocorreu no Cine Olympia, em Belém (PA), o mais antigo do Brasil ainda em funcionamento.
Depois foi realizada sessão no próprio Cine Rio Branco, em Nazaré das Farinhas, e a partir daí começou a articulação com outras cidades do país. Com o subtítulo “Quando a sala de cinema vira personagem”, a primeira edição da mostra chegou a Telavive, em Israel, por meio de órgão ligado à embaixada brasileira naquele país – o mesmo caminho percorrido pela edição em La Paz.
Eudaldo chegou aos títulos que fizeram parte das duas primeiras edições por meio de pesquisas. Para a terceira edição, houve convocatória aberta a realizadores de todo o país.
“É mais uma forma de esses filmes chegarem até nós. Recebemos cerca de 200 títulos. Claro que nem todos dialogam com nossa temática, mas foi possível compor um panorama interessante”, aponta o curador.
Nesta edição, Eudaldo vai apresentar o seu “Cinemas de rua de Aracaju”. Outros títulos que compõem a programação tratam de diversas questões ligadas às salas de rua.
“São produções sobre modos de ver filmes, que focam em personagens, o público que teve sua vida entrelaçada com a história dos cinemas, os trabalhadores desses espaços, os projecionistas”, diz.
Eudaldo e a jornalista Priscila Urpia, integrante do coletivo #CineRuaPe, que passou a compor a curadoria a partir da segunda edição da mostra, fizeram a primeiro filtro das produções Os filmes selecionados – documentários, principalmente, mas também obras de ficção e experimentais – se somaram a outros, frutos de sua pesquisa.
“Com os filmes inscritos e aqueles resultantes de nossa pesquisa em mãos, fizemos recortes, dividindo a mostra em oito sessões, que agrupam os títulos de acordo com os diálogos possíveis que eles estabelecem entre si”, diz.
Neste sábado (4/3), a partir das 12h, haverá as sessões “Diálogos com o cinema e novas mídias”, “Cinema em toda parte” e “Sessão proibida”.
No domingo (5/3), a Casa do Jornalista abriga as sessões “Memórias de cinema”, “Protagonistas do cinema” e “Subúrbio em transe”, com três produções do coletivo carioca homônimo. Cada sessão terá de três a sete produções.
Nos dois dias, haverá experiência imersiva com o filme “Cine Metro”, que será projetado em 360 graus, de forma que o público poderá se sentir dento do cinema.
Sessão imersiva só em BH
Eudaldo destaca que a sessão imersiva é atração exclusiva de Belo Horizonte, onde outras ações, desenvolvidas pelos parceiros locais, se somam às exibições: mostra fotográfica, “Museu de Cinema”, feirinha de DVDs e a distribuição gratuita de pipoca.
A produção da mostra em cada cidade também foi definida por meio de convocatória. “Abrimos para os espaços que manifestassem interesse em receber a programação, o que inclui salas de cinema, cineclubes, escolas, centros culturais e produtoras audiovisuais. Em BH, o CEC, o Instituto Humberto Mauro e o Projeto Dona chegaram a nós por meio da convocatória e propuseram fazer o evento na Casa do Jornalista”, conta.
Uma das criadoras do Projeto Dona, ao lado de Sofia Marinho, Sarah Hellen diz que elas foram procuradas por Victor de Almeida, diretor-executivo do Instituto Humberto Mauro, uma espécie de centro de pesquisa do CEC-MG, e ele fez a proposta de realização da mostra.
O Projeto Dona, que atua como produtora cultural, surgiu como desdobramento do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) na PUC Minas, onde Sofia e Sarah se formaram em cinema e audiovisual, no ano passado. O trabalho da dupla foi justamente um curta documental sobre a história dos cinemas de rua de Belo Horizonte.
“No período do TCC, a gente entrou em contato com o CEC, pedindo ajuda para acessar material sobre cinemas de rua. Depois que apresentamos o trabalho, em novembro, recebemos e-mail do Victor, em que ele dizia que queria nos apresentar proposta que tinha tudo a ver com a temática que estávamos trabalhando. E citou a convocatória do Eudaldo”, conta Sarah.
A programação já chega pronta, coube ao Projeto Dona emoldurar a mostra. “Quisemos agregar para fazer realmente um evento cultural, ocupando toda a Casa do Jornalista. Fizemos a proposta ao Victor de ter ali uma exposição fotográfica, uma sessão imersiva, feirinha de DVDs, pipoca grátis. Tivemos também a parceria incrível do Museu da Imagem e do Som, que disponibilizou imagens de cinemas de rua”, explica.
"São produções sobre modos de ver filmes, que focam em personagens, o público que teve sua vida entrelaçada com a história dos cinemas, os trabalhadores desses espaços, os projecionistas"
Eudaldo Monção Jr., coordenador da mostra
Ir ao cinema: ritual que deixou saudades
Para Sarah, que nasceu nos anos 2000 e não frequentou cinemas de rua, lidar com esta temática é manter a memória viva. Ela conta que entrevistados para seu TCC revelaram que ir ao cinema em décadas passadas era um evento. Algo que pedia, inclusive, produção caprichada do vestuário.
“Falar sobre isso é importante para as pessoas se inteirarem sobre estes espaços como entes culturais que contam muito sobre a história de Belo Horizonte. O cinema de rua completou um ciclo, estamos vivendo outros ciclos agora. Então, é voltar ao passado para entender um pouco o que foi isso. Durante o TCC, a gente sonhava com a memória de outras pessoas”, ressalta.
Praticamente não existem mais cinemas de rua, mas ela considera que resgatar essa história pode contribuir para que os prédios que eles ocuparam sejam tombados e tenham uma destinação cultural. “O Cine Candelária, na Praça Raul Soares, foi um dos mais importantes de BH e está caindo aos pedaços”, lembra.
Resgate da história do Brasil
Eudaldo destaca a importância da Mostra Cinemas do Brasil por promover resgates históricos. “Os títulos da programação acabam contando um pouco a própria história do Brasil, por meio de espaços que ainda estão ali, resistentes, nas calçadas das cidades do país”, observa.
De acordo com ele, à medida em que a mostra expande o raio de ação, vai criando um círculo de retroalimentação. “Essa iniciativa vem tomando proporção bacana e se tornando conhecida em várias cidades brasileiras. Ela acaba incentivando a produção de novos títulos. O fato de existir esta mostra com capilaridade atrai realizadores que querem ver seus filmes chegarem ao público”, aponta.
Em junho deste ano, começa a quarta edição da mostra, com abertura de outra convocatória. Eudaldo diz que novos filmes sobre a temática continuam surgindo, o que demonstra o interesse que a iniciativa gera.
“Queremos fazer uma oficina de produção audiovisual para incentivar ainda mais a criação de novos filmes sobre esse universo para que tenhamos sempre esse tipo de produção”, diz.
PROGRAMAÇÃO
NESTE SÁBADO (4/3)
>> 13h às 14h15
Sessão “Diálogos com o cinema e novas mídias”
• Filmes: “A Gal and a gun”, “Oito quadras”, “Dias de glória”, “Uma invenção sem futuro” e “101%”
>> 14h50 às 16h50
Sessão “Cinema em toda parte”
• Filmes: “Guarany: eu sou o menino do Cinema Paradiso”, “Ojú Onà”, “Salas universitárias de cinema no Brasil”, “Vozes da memória” e “4 bilhões de infinitos”
>> 17h30 às 18h10
Sessão “Proibida”
•Filmes: “Rua da Carioca, 49”, “Em busca do gozo perdido” e “Cineminha”
>> 14h14 às 14h50 e 16h50 às 17h30
Sessão imersiva
• Filme: “Cine Metro”
DOMINGO (5/3)
>> 13h às 14h
Sessão “Memórias de cinema”
• Filmes: “Cinema é drops”, “Adeus Paissandu”, “Cinemas de rua de Aracaju”, “Cultural” e “Cine morto”
>> 14h30 às 16h20
Sessão “Protagonistas do cinema”
• Filmes: “A rosa púrpura de Fradique”, “Marius Bells em cartaz”, “Coleção preciosa”, “Drops Cine Marrocos”, “Cine Aurélio”, “O projecionista” e “Abelardo”
>> 17h às 18h40
Sessão “Subúrbio em transe”
• Filmes: “Cine Guaraci”, “Cine Vaz Lobo” e “Cine Art 7”
>> 14h às 14h30 e 16h20 às 17h
Sessão imersiva
• Filme: “Cine Metro”
3ª MOSTRA CINEMAS DO BRASIL
• Neste sábado (4/3) e domingo (5/3), a partir de 12h, na Casa do Jornalista (Av. Álvares Cabral, 400, Centro).
• Informações: (31) 3224-5450.
• Entrada franca.
• Entrada franca.
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