“Não é a justiça que é uma ilusão. É o sistema.” Ele está de volta para tentar combatê-lo. Com estreia nesta segunda-feira (6/3) na HBO e HBO Max, a série “Perry Mason” retorna, quase três anos mais tarde, para sua segunda temporada.
Nova versão do personagem criado pelo advogado e escritor Erle Stanley Gardner (1889-1970), protagonista de cerca de 80 romances policiais lançados entre os anos 1930 e 1960, o Perry Mason da atualidade carrega apenas alguns traços do original e de sua versão mais conhecida na televisão.
Personagem que figurou em quadrinhos, telefilmes e séries, teve como maior intérprete o ator Raymond Burr (1917-1993), ainda na era da TV em preto e branco. Mas uma coisa não muda a despeito da passagem do tempo: a necessidade de Mason de estar do lado certo.
Sai Downey Jr., entra Matthew Rhys
A HBO levou quase uma década para lançar o projeto, inicialmente previsto como filme pela Warner Bros. protagonizado por Robert Downey Jr. Quando a história ganhou mais vulto, tornando-se uma série, Downey Jr. deixou o posto. Abandonou o papel, mas não o barco – é um dos produtores-executivos da produção, encabeçada pelo ator galês Matthew Rhys, de 48 anos.
Quando foi convidado para o projeto, Rhys havia acabado de terminar “The Americans” (2013-2018), que lhe garantiu um Emmy de melhor ator. O espião soviético que vive como afável pai de família americano nos EUA dos anos 1980, durante a Guerra Fria, tinha uma boa dose de tormento. O Perry Mason de Rhys carrega fantasmas tão grandes, como veterano da Primeira Guerra Mundial.
Ambientada nos anos 1930, no rescaldo da crise da depressão, a série mostra como o personagem se tornou advogado criminal. Na temporada inicial (2020), ele começa a história como detetive particular recém-divorciado, envolvido no caso de sequestro de uma criança com consequências trágicas. Tem dois fiéis companheiros: a assistente Della Street (Juliet Rylance) e o investigador Paul Drake (Chris Chalk).
A nova temporada – os dois primeiros episódios foram dirigidos pelo brasileiro Fernando Coimbra, do longa “O lobo atrás da porta” – começa cerca de seis meses após os eventos do anterior. A confusa conclusão de seu primeiro julgamento por assassinato convenceu Mason a abrir mão do direito criminal em favor de casos civis.
Mexicanos injustiçados
Na Los Angeles do início dos anos 1930, Perry e Della estão ajudando um implacável dono de mercearia (Sean Astin) a levar o concorrente à falência. Mas quando o figurão de uma família ligada ao petróleo é assassinado e dois jovens mexicanos são presos e logo condenados, a dupla entra em ação para tentar fazer com que tenham julgamento justo. Há muitas incongruências no caso – e os dois suspeitos parecem realmente inocentes.
“Começamos a série com uma ideia geral: petróleo. Aquilo foi a semente. De lá começamos a fazer uma pesquisa histórica grande, pois Los Angeles é realmente muito vasta e, naquela época, também tinha muitas comunidades diferentes. Não é só aquela coisa da Hollywood dos filmes noir”, comenta Michael Begler, que assumiu a temporada ao lado de Jack Amiel (a dupla foi responsável por “The Knick”, com Clive Owen).
Para além da investigação e da briga no tribunal, “Perry Mason” trata de várias questões sociais. Nesta nova versão, Della e Paul, personagens dos livros de Gardner, ganharam outras nuances. Ela é lésbica e ele, negro.
“Olhamos para o público de hoje, mas, ao mesmo tempo, temos de ser acurados com a época que retratamos. Felizmente para a ficção e infelizmente para nós, racismo e sexualidade são questões que ainda enfrentam barreiras. O ponto de convergência sempre foi ir contra o sistema”, afirma Susan Downey, mulher de Robert Downey Jr. e também produtora-executiva da série.
Na nova temporada, Della está se preparando para se tornar advogada e começa um relacionamento com Anita (Jen Tullock).
“Para mim, foi incrível, pois ela finalmente está saindo de sua zona de conforto. Della tem sua vida profissional numa linha reta, quer fazer o que é certo. Mas sua vida pessoal é o oposto. Ela se apaixona muito rapidamente por Anita, mas não sabe como lidar com isso. Este não saber o que fazer é muito humano”, diz Juliet Rylance.
Paul, logo no início da temporada, se estranha com Mason. “Na primeira temporada, Paul engoliu seu orgulho. Nesta, ele pode dizer para Perry: ‘Cara, você é cheio de besteira’. A verdade é que os dois não confiam mais um no outro e, para mim, confiança é o grande tema deste ano da série: seja na família, nos colegas, na cidade, no governo”, afirma Chris Chalk.
Matthew Rhys revela como construiu o seu Perry Mason
Drama jurídico travestido de história de detetive, “Perry Mason”, acima de tudo, é uma história sobre fazer a coisa certa. Você concorda?
Certamente. Perry é um cara que sabe que há o certo e o errado, o preto e o branco. Mas o cinza que fica entre eles é a força desta produção. E é isso, por sinal, que faz a vida do personagem ser tão difícil. Queria que ele estivesse em um lugar diferente nesta temporada. No final da anterior, ele teve um rápido momento feliz, e quando o novo ano começa, Perry está num lugar totalmente oposto. Ele está com síndrome de impostor, tem dúvidas sobre si mesmo, o que o conecta com os fantasmas da temporada passada. Quando é apresentado ao novo caso, ele sente que não pode não fazer, porque se vê diante de uma enorme injustiça.
Ao se preparar para o personagem, você entrou no universo de Perry Mason, assistiu às séries antigas, leu os livros de Erle Stanley Gardner?
Quando fiz personagens estabelecidos no passado por outros atores, tentei copiá-los. Então, por experiência própria, sabia que se começasse a assistir (às versões anteriores do personagem), mesmo que não tentasse, inconscientemente eu copiaria. Não assisti a nada do velho Perry, mas lembro-me de alguma coisa, pois a série fez muito sucesso no País de Gales. De toda forma, tentei manter distância. Quanto aos livros, li alguns, pois a série traz muita influência deles. Mas no que mais me concentrei foi em pesquisar sobre os veteranos da Primeira Guerra, como aquelas tropas voltaram para casa. Porque quando a série foi criada, as consequências da guerra formaram o personagem.
Esta temporada é um pouco mais leve do que a anterior, não?
Gosto que você tenha achado isso. As consequências da guerra e a forma como o sistema judicial tratou Perry eram um fardo muito pesado que ele carregou na primeira temporada. Agora vai dar para ver um lado mais irônico dele. Ele lida com o pior da humanidade, então tem de ter um senso de humor meio torto para seguir em frente.
A história de “Perry Mason” é ambientada quase 100 anos atrás. Por um lado, traz à tona questões urgentes hoje, como violência policial, racismo, sexismo. Por outro, traz um personagem que tem de investigar sem tecnologia alguma. Como lidar com isso?
Perry ficaria deprimido ao ver quão pouco as coisas evoluíram. Pensaria: tudo o que fizemos não significou nada? Aliás, acho que as séries sobre justiça existem até hoje na esperança de que, se houver uma chance, a coisa certa vai acontecer. Agora, sobre a história, adoro que não exista Google ou celular, pois isso faz com que o público seja ativo. No tempo da trama da série, a identificação por impressão digital estava começando a ser utilizada. De certa maneira, o trabalho de detetive era baseado na intuição. Isso é mais excitante, pois faz com que o público vá descobrindo a história ao mesmo tempo que o próprio personagem.
“PERRY MASON”
• A segunda temporada, com oito episódios, estreia nesta segunda-feira (6/3), às 23h, na HBO e HBO Max.• Novos episódios toda segunda, até 24 de abril.