A técnica nunca será mais importante que as ideias, principalmente se essas ideias forem concebidas com amor.
Há duas décadas, o americano Jay Rosenblatt, hoje com 68 anos, decidiu começar a filmar sua filha Ella a cada aniversário.
Nessa época, a menina tinha 2 anos e ele, um cineasta experimental, queria passar mais tempo com sua família sem precisar abandonar a carreira artística.
Assim, a cada aniversário de vida de sua filha, ele ligava a câmera, colocava um microfone na menina, pedia a ela que se sentasse no sofá e fazia uma série de perguntas — sempre as mesmas todo ano.
Este ano, a obra — filmada ao longo de 16 anos pelo próprio Rosenblatt com uma tecnologia de fácil acesso a qualquer um — foi indicada ao Oscar de melhor documentário em curta-metragem.
"Eu queria que a obra fosse realista. Queria que as pessoas sentissem que esse era nosso relacionamento, mas que pudessem se identificar também em seus próprios relacionamentos entre seus filhos ou pais", disse ele em entrevista em 2021, quando o curta estreou em vários festivais.
É justamente a simplicidade e a universalidade do seu trabalho que atraíram a atenção dos críticos.
O portal RogerEbert.com aponta que qualquer pai verá o filme como "uma metáfora para o tempo que passa com seus próprios filhos".
Embora também digam que o diretor — que também foi indicado ao Oscar na mesma categoria no ano passado por When We Were Bullies ("Quando a Gente Fazia Bullying", em tradução livre), no qual também explora uma história pessoal — faz um documentário muito mais sobre ele do que qualquer outra coisa.
"Não é muito profundo, mas não se surpreenda se ele vencer", diz o site.
A seguir a reportagem falará mais sobre o filme, que será lançado na HBO em junho.
Este artigo contém spoilers.
As perguntas
A cena é sempre a mesma: um típico sofá e uma típica parede de sala americana estampada com flores. O foco principal é sempre o rosto de sua filha.
A menina ri, pula e às vezes até revira os olhos. Com o passar dos anos, ela é vista com penteados e looks diferentes, de acordo com a época. E, claro, sua atitude em relação ao pai também muda.
Quando bebê gostava da câmera, quando adolescente às vezes pede que tudo seja feito rapidamente e depois se derrama em amor para sua família.
O diretor faz perguntas que ele mesmo descreve como "simples". Mas para uma menina, elas nem sempre são assim tão simples.
"Quantos anos você tem?" ou “O que são sonhos?” fazem parte do repertório. Ela oferece respostas ora engraçadas, ora muito sábias, ora dolorosas — como quando disse aos 9 anos que o que mais temia era "ser diferente, não conseguir se integrar com os outros".
Mas aos 11 anos, ela responde a mesma pergunta: "Tenho medo da vida, tenho medo de viver, porque há reviravoltas que você não espera e podem ser difíceis. Não quero ter que passar por isso."
Uma frase madura para a sua idade, e que revela o quão complexa pode ser a mente de uma menina.
"Foi muito interessante para mim ver a diferença dos anos. Como suas emoções mudaram, como ela se expressou de forma diferente ano após ano ou como era difícil para ela se comunicar, ou quando não estava a fim", disse Rosenblatt em um entrevista para o canal Filmmaker Fest, no YouTube.
O documentário também é um retrato do relacionamento de ambos. Por exemplo, às vezes a jovem fala sobre suas brigas e como ambos se reconciliam.
O filme, montado de forma linear de acordo com os anos, culmina com Ella sozinha diante da câmera em um último espaço que seu pai lhe oferece para falar, mas desta vez sem perguntas.
Ela é uma jovem de 18 anos que já está cursando a universidade e diz: "Sinto sua falta quando vou para a universidade. Fico feliz que você continue esse tipo de tradição (filmar todos os anos). Isso me faz feliz e me lembra o quanto você me ama".
Mudança de carreira
Rosenblatt descreve Como se Mede um Ano? como um documentário de "comédia". Ele concorda com os críticos que disseram que esse trabalho é muito mais sensível do que suas obras anteriores.
Entre sua longa lista de filmes, iniciada em 1994, destacam-se o que ele chama de "colagens", nas quais sobrepõe materiais de arquivo e lhes dá novos significados.
"Meus outros filmes eram muito pesados, sobre assuntos muito sérios", disse ele em entrevista.
Seus filmes, segundo uma biografia no site do próprio diretor, exploram as emoções e a psique. Talvez o motivo para isso é que, antes de se tornar cineasta, Rosenblatt foi terapeuta, com mestrado em psicologia.
Foi na pós-graduação, após fazer uma cadeira eletiva de cinema, que ele decidiu mudar de curso.
"Fiz uma aula de cinema lá e me apaixonei pelo processo. Acho que passei mais tempo nesses pequenos projetos do que em todo o trabalho das minhas aulas de psicologia", disse ele ao Filmmaker Fest.
Mais tarde decidiu fazer um segundo mestrado em cinema. Ele já ganhou mais de cem prêmios, além de ter participado de festivais importantes como Sundance, além de indicações ao Oscar.
Ele começou a criar Como se Mede um Ano? sem saber se eventualmente seria capaz de transformá-lo num filme.
Foi só durante a pandemia que ele "teve tempo" para olhar e montar o material. Agora, olhando para frente, ele disse que continuará explorando outros temas.
"Não tenho um plano", comentou recentemente.