A Segunda Guerra Mundial segue no topo da lista de interesses da historiografia e da indústria cultural do planeta. Somente em 2022, 77 anos após o fim dos combates, o agregador de lançamentos da Biblioteca Pública de Chicago contou 28 novos livros sobre o tema, romances e obras de não-ficção.
Uma passada pelas plataformas de streaming vai na mesma linha, com estreias quase semanais. Notas de rodapé da linha do tempo do conflito, como a brevíssima resistência da cidade norueguesa de Narvik contra os nazistas em 1940, são esticadas em longas-metragens de qualidade variável.
Desta forma, segue surpreendente a diminuta produção brasileira sobre a participação da Força Expedicionária Brasileira, a FEB, como linha auxiliar dos Aliados na campanha da Itália, de 1944 a 1945. Uma exceção notável é o trabalho de João Barone, mais conhecido como o baterista da banda Os Paralamas do Sucesso.
Filho de um dos 25 mil militares brasileiros que estiveram na guerra, Barone é o típico caso de um aficionado que colocou sua paixão a serviço do público.
Após ter escrito dois livros sobre o tema, além de produzir três documentários para TV, lançou sua terceira obra, "Soldado Silva - A jornada de um brasileiro na Segunda Guerra Mundial", pelo selo Livro de Guerras, da Panda Books.
Barone não tem pretensões de alta historiografia, papel no Brasil que foi ocupado por alguns nomes, como o professor Francisco Cesar Ferraz e pelo jornalista Ricardo Bonalume Neto, morto em 2018, que teve o seu obrigatório "Nossa Segunda Guerra", de 1995, relançado em 2021 pela Contexto.
Como em suas obras anteriores, a informalidade dá o tom, agora de forma mais ampla: o livro de Barone é sobre a trajetória de seu pai, João de Lavor Reis e Silva, morto em 2000. Pracinha, nome dado aos soldados rasos brasileiros, ostentava o número 1.929.
Tradição americana em tom de bate-papo
Em tom de bate-papo, Barone relembra a história familiar do pai e detalha o processo de convocação, treinamento e envio para combate de pessoas sem a menor ideia do que estavam fazendo ou do que iriam enfrentar. Ao fim, 462 deles morreriam.
Esse é o mérito maior da obra, que bebe na tradição americana de literatura de guerra de focar em árvores para contar a história da floresta, que rendeu até hoje apenas um filme nacional respeitável, "Estrada 47", de 2015, dirigido por Vicente Ferraz - aliás, resenhado por Bonalume.
As condições precárias, os atos isolados de heroísmo, o brutal impacto cultural de soldados muitas vezes semianalfabetos e sem noção alguma de geopolítica ao se verem envolvidos numa guerra que pouco dizia a eles.
Não são pormenorizados os detalhes desse processo: a mudança de lado do protofascista Getúlio Vargas para a mais vantajosa aliança com os EUA ou mesmo a natureza daquele teatro de operações. Nem tampouco é avaliado o contexto político posterior, com a queda do ditador e a instabilidade até o golpe de 1964, e o sumiço da FEB da memória nacional.
Não é um problema, dada a natureza do livro, coalhado de fotografias tiradas por Silva após o fim do conflito e uma seção toda dedicada à memorabilia trazida pelo pai de Barone da Itália - essa de serventia bastante discutível, parecendo uma extensão para um assunto já esgotado.
A participação do Brasil na guerra foi marginalíssima, condizente com sua posição terciária no mundo de 1944, mas nem de longe indigna. Da mesma forma, a história trazida por Barone, se não adiciona nada ao que já se sabe sobre a FEB, tem o condão de manter tal memória viva.
“SOLDADO SILVA - A JORNADA DE UM BRASILEIRO NA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL”
• De João Barone
• Editora Livros de Guerra/Panda Books
• 128 págs.
• R$ 89,90
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