“Pais e filhos”, música da banda Legião Urbana, está na gênese do novo podcast do filósofo e professor Mario Sergio Cortella, de 69 anos. O título, “A grande fúria do mundo”, foi tirado de um dos versos da canção do álbum “As quatro estações” (1989). Mas não só. O programa, que estreia nesta terça (14/3), no Amazon Music, é uma conversa de Cortella com o filho caçula, o jornalista Pedro Mota Cortella, de 39.





E é ainda a canção, citada nominalmente, o ponto de partida do encontro de afetos, de gerações e de ideias que às vezes convergem, e por outras se confrontam. Com novos episódios semanais, do total de 12 na primeira temporada, “A grande fúria” começa com uma conversa sobre família.

Cortella, sempre conduzido por Pedro, fala de questões comuns a tanta gente, como boas conversas com os pais, mudança na relação entre pais e filhos.

A fluidez e a clareza de ideias do filósofo encaminham o bate-papo para outras searas. De Renato Russo a conversa versa para política, futebol, era do cancelamento e reacionarismo, passando pelo ex-presidente americano Abraham Lincoln e pelo filme “Sociedade dos poetas mortos”.
 
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Cada episódio terá cerca de uma hora. Muitos já foram gravados, outros ainda não. Pedro definiu os temas, questões universais muito relevantes no mundo atual: trabalho, futuro da educação, drogas, empreendedorismo, política, positividade tóxica. Convidou dois roteiristas para dividirem com ele a função. “Tive esse cuidado porque achei que o podcast precisava de um olhar de fora. Se não, poderia ficar muito unilateral”, diz Pedro.





Propositalmente, Mario Sergio chega para as gravações praticamente no escuro, apenas com vaga ideia do tema que será tratado. Isso é um ganho em se tratando de um dos mais conhecidos (e acessíveis) pensadores brasileiros da atualidade.

“A GRANDE FÚRIA DO MUNDO”

• Podcast com Mario Sergio e Pedro Cortella. Estreia nesta terça-feira (14/3), no Amazon Music. Novos episódios às terças

TRÊS PERGUNTAS PARA...

Mario Sergio Cortella/Filósofo

Estamos furiosos o tempo todo, não?
Acho que a gente tem uma fúria hoje que não é negativa o tempo todo. Eu gosto de pessoas que se dedicam com intensidade àquilo que fazem, a dedicação à música, ao trabalho, à ciência. De certo modo, seria fúria marcada mais por uma energia intensa do que pela presença do ódio. Mas acho que sim, estamos mais furiosos ao que é negativo. E temos de cessar, pois isso não só é inútil, leva ao desgaste, como também conduz para o momento abissal que apresenta um risco imenso para nossas próprias convivências. Esse nosso grande sertão tem que ter veredas. Elas não podem ser marcadas pela exclusão, pelo combate contínuo.

No início do primeiro episódio, você fala de como precisamos de explicações para tudo. Quais as perguntas que mais fazem para você?
A primeira delas é qual é o sentido da vida. Essa pergunta, colocada de modo anedótico – que um dia o Monty Python conseguiu levar para o campo do humor de maneira absolutamente inteligente (no filme “O sentido da vida”, de 1983) –, está na raiz da filosofia em qualquer sociedade. Isto é: por que aqui estamos, por que deixamos de estar, qual é a razão do mal do mundo, um pouco do que o Renato Russo colocou na canção ‘Pais e filhos’. A segunda pergunta, algo que aparece bastante, é: ‘Você faz coisas normais?’. Eu digo: ‘O que é normal? Você vai ao supermercado, você cozinha, ou você lê o tempo todo?’. Há certa mitificação de quem é da atividade intelectual, como se a gente vivesse o tempo todo, para usar uma expressão do professor José Arthur Giannotti, a ‘vagabundagem bem-comportada’.





A dinâmica de filho entrevistando o pai, que marca o primeiro episódio do podcast, será mantida ao longo da temporada?
Neste episódio, sobre família, houve a tendência de o Pedro me entrevistar mais. À medida que gravamos outros, passamos a conversar mais – o Pedro deixou de ser um pouco o jornalista e eu o professor. Ele sabe o tema e o roteiro de cada episódio. Tenho uma noção dos temas, mas não sei o roteiro. Gosto da experiência, da ideia de saber só na hora (como cada assunto será conduzido). Não porque quero demonstrar capacidade de responder, mas porque isso movimenta as emoções, as percepções. O preparo prévio te leva a ficar pensando. Dentro de cada episódio, vez ou outra, há revelações, da minha parte ou do Pedro, que produzem certa raiva. Afinal de contas, eu sou pai dele, ele é meu filho, e como é que só fiquei sabendo disso agora?

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