O animador uberabense Thiago Calçado, de 41 anos, está entre os vencedores do Oscar 2023, por fazer parte da equipe responsável pelo longa-metragem “Pinóquio”, que levou a estatueta na categoria de Melhor Animação. Ele é um dos animadores sênior do filme.
Em entrevista ao Estado de Minas, o mineiro, filho de dois médicos, disse que a paixão por animação começou quando, ainda criança, os pais o levavam para passar as férias em um hospital onde trabalhavam.
“Em vez de me interessar pela profissão (médico), eu gostava de criar personagens fictícios nas fichas de cadastro dos pacientes, ainda no tempo da máquina de escrever”, conta.
Segundo o animador, a rotina do hospital o fascinava. “Todo dia era uma história nova, um ‘personagem’ novo, um nascimento, uma morte, um acidente, um milagre”, recorda.
Já aos 17 anos, Calçado conseguiu seu primeiro emprego como chargista diário de um jornal local. “Fazia cartuns sobre as notícias cotidianas da cidade”.
Em seguida, iniciou a graduação em cinema pela Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP). “Levei meus desenhos do jornal para um site de entretenimento e fui contratado para criar conteúdo de humor. Foi meu primeiro contato com animação e a primeira vez que vi meus personagens animados.”
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Depois disso, ele resolveu estudar mais a fundo a técnica da animação por meio de cursos paralelos à faculdade. “Tudo com o apoio dos meus pais, que sempre respeitaram minhas escolhas, embora até hoje minha mãe insista para que eu faça um concurso público”, disse com bom humor.
“Aos poucos, fui trabalhando em vários estúdios de animação em São Paulo e no Brasil, onde consegui montar um portfólio profissional e que foi meu trampolim para meu primeiro trabalho fora do Brasil. Foram várias publicidades, curtas-metragens e vídeos institucionais em diversas técnicas de animação. E entre as técnicas, a que mais me identifiquei foi o stop-motion, a animação de bonecos”, continuou.
Carreira internacional
Calçado já trabalhou em países como Espanha, Noruega, Estados Unidos e Inglaterra. “Dentre meus trabalhos destacam-se os longas metragens ‘Ilha dos Cachorros’, do diretor Wes Anderson, e ‘Kubo e as Cordas Mágicas’, do aclamado estúdio Laika, e ambos os filmes foram indicados ao Oscar de melhor filme de animação. Porém, somente dessa vez é que finalmente ‘levei’ o prêmio com o filme ‘Pinóquio’, de Guillermo Del Toro”, comemorou um dos animadores sênior do filme Pinóquio.
Pinóquio e a lembrança da infância
“Eu não esperava ser o responsável por animar um dos personagens mais icônicos do filme, a Morte. Os diálogos que animei entre essa criatura e o Pinóquio me ligam diretamente a minha infância, quando passei acompanhando o trabalho dos meus pais no hospital”, lembra.
Entre os diálogos do filme que ele animou está: "O que torna a vida preciosa é a morte". “E a morte é parte da rotina de um hospital, assim como a vida pois são partes de uma mesma moeda. Fico muito feliz em ser o animador de um personagem tão profundo, poderoso e cheio de significado. Foi quase como se fechasse um ciclo para mim”, disse.
Relação com o diretor
O animador uberabense ainda destacou sua relação com Guillermo Del Toro: “É o melhor diretor com quem já tive o prazer de trabalhar. Ele sempre me deu muita liberdade de criar as atuações do personagem. Isso é raro em um diretor”.
E continuou: “Tivemos uma relação legal porque sempre conversava com ele no meu espanhol ‘quebrado’. Acho que tinha uma cumplicidade latina no processo de criação. Guillermo é um diretor generoso, humilde e com muito conhecimento de atuação, o que facilita muito meu trabalho. É sempre bom trabalhar com um diretor que tem uma visão clara das cenas, mas que também respeita as decisões do animador”.
E confessou que “buscava referências em outros filmes e personagens como, por exemplo, ‘Drácula’, de 1931, interpretado pelo ator Bela Lugosi”, conta
Dois segundos de produção por dia
Com relação ao tempo de criação de seu trabalho, ele relatou que sua produção girava em torno de pouco mais de 2 segundos de animação por dia. “Por isso me levou dois anos para filmar todas as cenas da Morte e mais algumas tantas outras do Pinóquio. A equipe era extremamente competente e muito experiente. Creio que reunimos os melhores profissionais do stop-motion no mundo. O Oscar veio para coroar essa talentosa equipe de mais de 300 artistas, escultores, fotógrafos, animadores, músicos e escritores”, finalizou.
Trabalho atual
Atualmente, Calçado mora na Inglaterra onde trabalha na sequência do filme "A Fuga das Galinhas" para a Netflix, com lançamento previsto para dezembro de 2023.
Ela também está dirigindo sua primeira série de TV para crianças, em fase de produção, em Florianópolis (SC), e a ser lançada no ano que vem na TV Cultura.