"Mate-me por favor" (2015), longa-metragem de estreia de Anita Rocha da Silveira, já se baseava na aliança inteligente entre o universo de adolescentes de classe média e elementos do cinema de horror. Com "Medusa", que chega agora aos cinemas, a cineasta carioca renova e aprimora a aposta nessa combinação. Leva às telas uma história com tons muito próprios e ao mesmo tempo o charme do filme de gênero.
Linchamento feminino
Findo o dia, as meninas cobrem os rostos com máscaras e lincham mulheres que não fazem parte de sua turma. O motivo? Andar sozinha à noite, usar decotes, ter a aparência descuidada, beijar em público. Qualquer coisa diferente do padrão moralizador é pretexto para ataques. O objetivo é inibir o desejo das jovens e reprimir sua relação com a sexualidade.
As excessivas preocupações com a aparência e o decoro soam caricaturais, mas tristemente verdadeiras. Estão lá o visual baseado em cabelos à chapinha e maquiagem delicada, num ideal de beleza ariano tão violento em nosso contexto. O nome da líder remete a uma primeira-dama brasileira, enquanto as palavras de ordem ("devemos ser belas, recatadas e submissas") lembram outra.
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Tudo isso é costurado com um humor bastante corrosivo, que surge por exemplo com a gravação de um tutorial para esconder marcas de violência doméstica sob uma espessa camada de base ou nos comentários sobre uma mulher que exagerou nas festas de botox e acabou em coma.
Ainda que ressalvas possam ser apontadas, principalmente com relação a certo maniqueísmo, a mistura de humor, suspense, horror e crítica enreda espectadores e espectadoras de "Medusa".
Conta a favor do filme a ancoragem em um fenômeno que realmente aconteceu no Brasil: jovens mulheres que se juntavam, a partir de 2015, para atacar adolescentes que consideravam promíscuas.
A narrativa ganha densidade quando Mari arruma trabalho em um hospital, tem o rosto marcado por uma cicatriz e se transforma, abalando a separação entre bem e mal. Toma, assim, consciência do terror embutido no imperativo da aparência alinhada, de modo a esconder tanto os cachos quanto os hematomas.
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Da Grécia Antiga para o Brasil
"Medusa" remete à sacerdotisa da mitologia grega, cujo rosto é desfigurado e o cabelo transformado em serpentes depois de ceder às investidas de Poseidon. Ao deslocar o mito para o cenário atual, o filme aborda questões centrais para o processo de se tornar mulher, como a relação com a própria sexualidade, o aprendizado da repressão e os modelos de beleza.
A cineasta dialoga ainda com referências importantes do cinema de horror. A máscara usada pelas integrantes da seita, bem como o rosto queimado de Melissa, primeira vítima do bando, remetem a filmes como "Halloween", o clássico de John Carpenter, e "Sexta-feira 13".
Mas talvez a citação mais precisa seja a "Olhos sem rosto", de 1960, filme icônico do gênero, realizado pelo francês Georges Franju, que tem uma protagonista desfigurada como Melissa.
Difícil não reconhecer que o caminho de uma grande cineasta se desenha.
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