O Skank é dono de trajetória única. Conseguiu ser, com notável eficiência, uma banda com três lados: o do reggae jamaicano, o do rock britânico e, o mais inconfundível, da sonoridade e gaiatice brasileira. Apresentou Shabba Ranks a Frank Sinatra, traduziu Bob Dylan, ressuscitou Zé Trindade, reverenciou Milton, Gil e Jorge Ben, religou Beatles e Lô Borges, escutou Wilco e Oasis, saltou o asfalto de Belo Horizonte e enxergou acima das montanhas. Foi do mundo, foi Minas Gerais.
Carreira iniciada no fim do século passado, o Skank conseguiu sobreviver às profundas transformações que a indústria fonográfica experimentou nas últimas décadas. Gravou LPs, distribuiu fitas cassete, contribuiu para a era de ouro do CD, surfou na onda das superproduções dos videoclipes para a MTV, atravessou formatos e plataformas até chegar ao streaming com, ao menos, um grande hit. Algo sequer parecido ocorreu com os contemporâneos dos anos 1990, nem mesmo com os que já eram referência na mistura de sonoridades nacionais e estrangeiras, como os Paralamas. Tudo porque, desde o início, a banda mineira estabeleceu um diferencial: a regularidade no desempenho em cima do palco. Alguns discos de estúdio, especialmente os lançados após “Cosmotron” (2003), poderiam ser mais enxutos. Mas os shows sempre impressionaram pela coesão, pela sintonia entre os músicos e deles com o público. Como se estivéssemos na arquibancada acompanhando as atuações de quem sabe exatamente o que vai fazer com a bola após o início da partida.
Mesmo com o espírito de festa nos shows, o Skank se permitiu ocasionalmente falar de coisas sérias – desigualdade social, ocupação de terras, indignação seletiva. Mas fez isso com leveza e sem escuridão. “Que culpa a gente tem de ser feliz?”, perguntavam aos que haviam testemunhado, nos anos 1980, a ascensão do rock de protesto e de angústia íntima. Por isso, dentro e fora do palco, o Skank despertou menos idolatria e mais empatia. Na consolidação da primeira identidade, foi decisivo o papel do saxofonista e letrista Chico Amaral, com os arranjos de sopro e os versos sincopados e indefectíveis que apresentavam BH aos forasteiros e espelhavam os ritmos amalgamados em hits como “Tão seu”, “Garota nacional” e outras composições igualmente contagiantes como o forrobodó onomatopaico de “Poconé”.
Vieram, então, as parcerias com outros letristas (a exemplo de Nando Reis) e o predomínio da sonoridade acústica, como em “Resposta”, “Sutilmente”, “Esquecimento” e no recente hit “Algo parecido”, que fizeram do Skank uma banda mais próxima do coração do que dos quadris. E, ainda assim, disposta a eventuais ousadias como a aproximação atemporal com o Clube da Esquina por meio das sensoriais “Dois rios”, “As noites” e outras faixas do impecável “Cosmotron”, um álbum de conceito e sonoridade bem definidos, como se fazia no finado século 20.
O assumido esgotamento torna ainda maior o redesenho da carreira dos músicos. Até pelo fato de, como ocorria com os Ramones, os cinco – o empresário Fernando Furtado, como os outros quatro ressaltam, também deve ser considerado um integrante – terem sido incorporados ao imaginário coletivo com a troca do sobrenome pelo nome do grupo. Samuel Skank, Henrique Skank, Lelo Skank, Haroldo Skank, Fernando Skank. Fundadores da banda dos bailes de diferentes gerações, do suor na gafieira, de riffs e grooves, de teclas e metais, de festa na madrugada até depois da saideira. Os skanks vão deixar, agora, a identidade coletiva e seguir individualmente. Percorrerão lugares que ninguém pisou ou habitarão “o antigo do que vai adiante”? O decorrer do tempo vai trazer a resposta.
Por enquanto, fica a certeza de que a banda cumpriu a missão por eles traçada: fornecer combustível para azeitar uma máquina capaz de balançar o corpo, provocar sorrisos e produzir lembranças. Uma canção é pra isso, eles nos convenceram. Mas foram além do efêmero. Mesmo que o mundo do Skank acabe mesmo em 26 de março de 2023, as músicas continuarão dentro de nós. Clareando a escuridão, deixando a vida mais quente, acendendo o sol no coração das pessoas. Como fizeram na noite de ontem no Mineirão. Cantando o que nos encantou.