O cantor e compositor Rogério Skylab não é um artista para quem detesta palavrões. Tem versos explícitos para falar do corpo, um lirismo que por vezes se choca com o politicamente correto. Meio surrealista, diz que sempre se considerou “cadáver dentro da MPB”. Jô Soares (1938-2022) compreendia esse espírito transgressor. Convidou o carioca várias vezes para participar de seu talk show na Globo, chamando a atenção do Brasil para um artista fora dos padrões.





Nesta sexta-feira (31/3), Skylab está de volta a BH para se apresentar na casa noturna Autêntica. O repertório terá canções de todas as fases de sua carreira, desde o primeiro disco, “Fora da grei” (1992).

Ereção dá samba

A música mais tocada do carioca no Spotify é um samba rock que começa com batida envolvente e pode levar distraídos a sambarem na ponta do pé. A letra, sobre ereções involuntárias, retrata a situação do cotidiano masculino com naturalidade que ainda é tabu para muita gente.

Skylab fala do dia a dia invisível, de temas não abordados por outros artistas. Às vezes, com abordagem lírica, às vezes com linguagem visceral, explícita, até mesmo escatológica.

“No meu repertório, talvez em 30% das músicas você vai encontrar palavrões. Mas não é o grosso do meu trabalho”, explica o compositor, cantor e performer.





Seu lançamento mais recente, o álbum “Caos e cosmos 2” (2022), traz faixas poéticas, cuja sonoridade mistura jazz, rock e MPB. Palavrões estão presentes em apenas uma faixa, que, ironicamente, chama-se “Música suave”.

“As pessoas fixam mais esse lado, não tenho dúvidas. ‘Ah, o Skylab, o poeta maluco, o poeta escatológico’, dizem essas coisas... Mas são pessoas que não conhecem meu repertório, porque se conhecessem, de fato, não falariam isso”.
 
• Leia também: Duo Tetine se torna trio com a chegada da menina Yoko

Parte dos fãs foi apresentada a Skylab no sofá de Jô Soares. O apresentador se dobrava de rir ao ouvir “Matador de passarinho”, canção em que pintassilgos, colibris, andorinhas e canários são executados num tiro ao alvo, “para espantar o tédio/ e o vazio de existir”.





Com "Matador de passarinho", canção lançada em 1999, o carioca Skylab divertiu Jô Soares, se tornou conhecido no Brasil e ganhou programa de TV

(foto: Solange Venturi/divulgação)

Do sofá do Jô para o Canal Brasil

A performance de Skylab, imitando o som de disparos, fez dele o apresentador do programa “Matador de passarinho”, exibido pelo Canal Brasil de 2012 a 2014. Na atração fora dos padrões televisivos e com estética underground, Skylab e convidados falavam do mundo contemporâneo e suas hipocrisias.
 
Ele entrevistou o compositor Arrigo Barnabé, o humorista Juca Chaves, a cantora Elza Soares, o compositor Fausto Fawcett, o diretor Cláudio Assis e o escritor Lourenço Mutarelli, entre outros.

“Eu fazia questão de participar do 'Programa do Jô', porque era uma mídia espetacular e estar ali era conversar com o grande público”, explica Rogério. Aos 66 anos, atualmente ele é presença corriqueira em podcasts de destaque, como Flow e Inteligência Ltda.

Essas participações, conta ele, atraem o interesse dos jovens para seu trabalho. A nova geração vem tornando Skylab cada vez mais popular nas redes sociais.
 

 
 

No TikTok, vídeos com trechos de versos das músicas do carioca, alguns impublicáveis e tirados do contexto da canção, somam milhões de visualizações. Ele diz não se incomodar com o fato de conhecerem seu trabalho superficialmente, apenas por meio de pequenos fragmentos compartilhados na internet. Conta que até colabora para isso, postando trechos de até um minuto das canções em seus perfis.





 

 


“Recentemente, estou entrando no TikTok, mas sempre frequentei assiduamente as redes sociais. Estou muito impressionado, porque tem um crescimento violento. Outro dia, entrei e tinha 10 seguidores, hoje estou com mais de 50 mil.”

Sem medo de virar meme

Skylab diz que o objetivo de sua arte sempre foi dialogar com o grande público. A internet tem sido fundamental, pois ele nunca fez parte do elenco ligado à indústria fonográfica. “Quero conversar com o grande público, mesmo com o risco de me transformarem em meme”, afirma.
 
 

Escatologia e agressividade ora estão mais intensos, ora menos presentes na discografia de Skylab. A sequência atual de discos, “Cosmos”, que vai se encerrar este ano no quinto volume, apresenta atmosfera notadamente mais moderada do que a sequência anterior, dos anos 2000, álbuns do decálogo “Skylab”.





O artista concorda que canções escatológicas e com palavrões chamam muito a atenção, mas alega que não as escreve com a intenção de apenas atrair público.

“Se fizer isso, estarei entrando num erro incalculável. Traria um tipo de público para ouvir minha música pelo qual não tenho nenhum interesse. Muitas vezes, com perspectiva política diferente da minha”, diz ele.
 

 

As canções mais explícitas não se resumem a obscenidades. Em “O corpo real da Paola”, do álbum “Cosmos” (2020), versos picantes brincam com as diferentes definições de corpo, transitando também por temas polêmicos como a violência nas favelas do Rio de Janeiro, a supervalorização de assuntos supérfluos pela mídia e a obsessão com a aparência de celebridades.

“O corpo é uma coisa muito imediata e está além da ideologia. A música popular brasileira se esqueceu do corpo, no afã de lutar contra a ditadura. Até hoje, com o hip hop, é música muito ideológica, muito política. Sempre vivi incomodado com essa situação”, diz Skylab.




 

Entrevistas a Jô Soares chamaram a atenção do Brasil para Skylab

(foto: Globo/reprodução)

O 'cadáver' da MPB

O compositor reforça que sua obra não se dedica a abstrações. “Falo muito do imediato, da coisa crua, pouco abstrata. Às vezes, pouco ideológica também. Estou falando do cru, do material, do corpo. Esse tema está presente na minha música desde o início. De certa forma, sempre me considerei um cadáver dentro da música popular brasileira.”

No álbum “Skylab VII” (2008), uma das canções diz: “É tudo atonal”. Rogério revela que procura o “menos”. “Queria falar de coisas com menos abstração, uma coisa reduzida. O Giacometti, aquele escultor que pintava homens magros e pobres… Minha arte é pobre, é magra”, define, referindo-se ao artista plástico suíço que viveu de 1901 a 1966.

Quem escreve sobre temas sensíveis usando linguagem, por vezes, um tanto agressiva corre o risco de atravessar a tênue linha entre o que o público aceita e rejeita, em termos de liberdade artística.
 
 

A canção “Motoserra”, do segundo disco do Skylab, por exemplo, relata o feminicídio sob a perspectiva do assassino. A letra foi escrita nos anos 1980, no contexto em que as rádios tocavam à exaustão músicas que minimizavam a violência doméstica, como “Sílvia/Piranha”, da banda Camisa de Vênus.

“Quem viveu aquela década sabe muito bem que essas questões dos costumes, do feminicídio, de valorizar grupos como os transexuais, a questão das cotas nas universidades não são dos anos 1980”, diz.





Versos irônicos, como “serrei suas duas pernas/ os seus dois bracinhos/ você ficou sendo a Vênus de Millus do meu jardim”, certamente revoltam as mulheres. Isso foi preocupação para Skylab, que se diz atento a discussões contemporâneas.

“Nós somos um país de Terceiro Mundo, um país escravocrata, um país com taxa de feminicídio imensa, e a gente tem que lutar contra isso”, afirma.

Mesmo assim, ele resolveu seguir caminho diferente daquele adotado, por exemplo, por Sidney Magal, que deixou de cantar a machista “Se te agarro com outro te mato”.
 

Paródia de atrocidades

Skylab vai tocar “Motosserra” em BH, alegando que o público feminino compreende o motivo disso.

“'Motosserra' é extremamente poética. Tem a questão da paródia, à qual minha música está muito ligada. Através do lirismo, falo verdadeiras atrocidades. Essa junção fala muito da nossa sociedade, que é extremamente perversa, injusta, mas tem toda a aparência de beleza, de lirismo, de poesia”, afirma.





De volta a BH pela primeira vez depois da pandemia, Skylab promete show com as canções mais marcantes de sua carreira, garantindo não ter qualquer constrangimento com seu repertório.
 
 

“Meus shows são absolutamente crus. As pessoas gostam de pular, de dançar, do entrechoque dos corpos. A minha música não é banquinho e violão. Vamos ouvir música agora, sentadinhos? Isso não. A minha música é anarquia”.

ROGÉRIO SKYLAB

Convidados: Fábio de Carvalho e Aldan. Show nesta sexta-feira (31/3), às 21h, n'Autêntica (Rua Álvares Maciel, 312, Santa Efigênia). Ingressos disponíveis para os lotes 3 (R$ 120, inteira) e 4 (R$ 70, meia), mais taxas. À venda no site da casa (autentica.byinti.com) ou na bilheteria, que abre das 10h às 15h.


compartilhe