Ator, roteirista, escritor e um dos cineastas mais importantes do Brasil, Braz Chediak, de 81 anos, lança “A gatinha e o cronista” (Editora Minotauro), com textos inéditos e outros publicados na internet ou no jornal de Três Corações, cidade sul-mineira onde ele mora.
“Minha crônica segue uma cronologia geográfica, vamos assim dizer. Ela começa na varanda da minha casa, da qual falo muito. Depois vou para a casa toda e em seguida para as ruas. Em seguida, para coisas que chamo de frescuras do coração, ou seja, histórias que acontecem com amigos ou personagens”, diz.
“Como Proust, que tinha a sua Madalena, aquele biscoitinho que ele molhava no chá para escrever um romance, brinco que a rua 'xis' é a minha Madalena, pois toda vez que passo lá ativo minha memória afetiva.”
A corruíra na varanda
A varanda é um local especial para o escritor. “É de lá que observava a cidade, mas agora nem consigo ver mais, por causa dos prédios. No meu livro anterior, falo sobre o duelo musical entre a corruíra que morava na minha varanda e a cantora Maria Callas”, diz.
“Essa crônica foi muito comentada. Em Curitiba, me pediram autorização para publicá-la em um livro em homenagem ao escritor Dalton Trevisan, porque ele fala muito em corruíras nas crônicas dele”, conta Braz, revelando que tenta capturar “o que há de poético nas ruas ou em uma casinha de periferia”.
Outra de suas crônicas, “Gente humilde”, se inspira na canção de Garoto, Chico Buarque e Vinicius de Moraes. “Vou descrevendo a canção como se fosse o passeio por uma rua, na qual vejo um personagem e ali desenvolvo o assunto.”
Fã do russo Dostoiévski (1821-1881), o mineiro gosta da literatura que fala do povo. “Daquele povo que anda pelas ruas, do mendigo que morava em frente à minha casa.”
Certa vez, o ex-governador capixaba Gerson Camata lhe mandou um comentário que o envaideceu. “Ele dizia que eu era um novo Rubem Braga. Conheci e fui amigo do Rubem, gosto demais dele, o maior cronista que o Brasil já teve. Então, ser comparado a ele me deixou muito feliz.”
Chediak cria uma crônica por dia. “Devo ter de 700 a 800 inéditas em livro. Durante a pandemia, escrevi religiosamente. Era até uma forma de dar impulso às outras pessoas, porque acreditava que tínhamos de fazer o isolamento”, conta. O ritmo só foi reduzido quando o próprio cronista teve COVID-19.
Por enquanto, não há romance à vista. “Dá muito trabalho, tem que pesquisar. Você escreve, reescreve... Outro dia, até publiquei uma crônica sobre isso”, comenta. “A gatinha e o cronista” é o quarto livro dele, contabilizando-se aí o seu perfil biográfico escrito pelo jornalista Sergio Rodrigo Reis para a “Coleção Aplauso”, da Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo.
Filme está nos planos
Diretor dos longas “A navalha na carne” (1969), “Dois perdidos numa noite suja” (1971), “Álbum de família” (1981) e “Bonitinha, mas ordinária” (1981), entre outros, o mineiro revela que, recentemente, fez uma espécie de imersão e assistiu a filmes recentes, o que o inspirou a voltar aos sets.
“Achei muito interessante a transformação que o cinema sofreu, estou pensando em fazer um filme. Mas sempre digo: só vou lá e dirijo. Meter-me em tudo, como fazia antigamente, quando escrevia, dirigia, sonorizava, escolhia música, isso não faço mais. Estou com 81 anos, já não me dá prazer. Fisicamente, estou bem, mas chega uma hora em que você muda.”
Observar a vida é importante, comenta. Muito jovem, Braz saiu de casa, foi morar com o avô e estudar em Três Corações. “Falo muito isso nas minhas crônicas. De lá, fui para uma cidade chamada Soledade e depois para o Rio de Janeiro. Vi coisas importantes, pois morava em frente ao Palácio do Catete. No dia em que o Getúlio Vargas se suicidou, eu estava lá. Meu tio trabalhava no palácio e fomos ver o corpo dele”, revela.
Tempos depois, Braz estudou em colégio interno em Três Pontas, no Sul de Minas, e fez parte do coral que tinha Wagner Tiso como pistonista. “A gente ia ao cinema uma vez por semana, no Cine Ouro Verde, e fui me apaixonando pela telona.”
O hábito se tornou diário para o adolescente. “Na época, acho até que era uma espécie de fuga. Talvez para fugir da miséria e da distância dos pais. A formação da minha personalidade foi fragmentada. No cinema, ficava ali duas horas vendo aquele mundo que não era o meu, mas era maravilhoso, mágico.”
Rio, Itália, JK e Fellini
Depois, Braz Chediak se mudou para o Rio de Janeiro, trabalhou no banco e detestou. Foi datilógrafo de Juscelino Kubitschek, então senador, fez aulas de teatro e conseguiu uma bolsa para estudar cinema na Itália. “Lá, conheci Federico Fellini”, relembra.De volta ao Brasil, fez um papel no filme “O homem que roubou a Copa do Mundo” (1963), ao lado de Grande Otelo e Renata Fronzi, começou a escrever roteiros e se tornou assistente de direção. Passou a comandar o set e lançou o longa “Navalha na carne” em 1969, ganhando elogios do crítico do jornal The New York Times. “Não parei mais, até voltar para Três Corações”, conta.
Morando na cidade mineira desde os anos 1980, escreveu “Crime feito em casa: contos policiais brasileiros” (Record, 2005), o romance “Cortina de sangue: uma aventura de Popeye” (Mirabolante, 2011) e o volume de crônicas “Uma corruíra na varanda” (PenaLux, 2017).
“A GATINHA E O CRONISTA”
• De Braz Chediak
• Editora Minotauro
• 152 páginas
• R$ 49
• Informações: atendimento@almedina.com.br