Pendurada discretamente em uma das galerias da SP-Arte, a tela “Relevo de madeira pintado” (1967), de Sérgio Camargo, passou quase desapercebida pelo público que circulava freneticamente, na quarta e quinta-feira (29 e 30/3), pelo Pavilhão da Bienal, no Parque do Ibirapuera, em São Paulo, onde a feira ficará em cartaz até este domingo (2/4).
Quem quiser levar o quadro de Camargo para casa deve desembolsar cerca de de R$ 7 milhões ou US$ 1,48 milhão. Preço que coloca a peça como a mais cara da SP-Arte, que chega à 19ª edição reunindo 168 expositores, 86 galerias de arte brasileiras, 15 estrangeiras, 45 expositores de design e 14 editoras.
O valor da obra do artista carioca, que morreu em 1990, está muito distante da realidade da grande maioria dos brasileiros. Entretanto, a feira de arte e design, apontada como a mais importante da América Latina, exibe peças para vários gostos e bolsos. Independentemente do nicho, há a expectativa de bons negócios, trazendo perspectivas favoráveis para o mercado de arte brasileiro.
Bom sinal já em 2022
O otimismo está ligado a mudanças políticas e à melhoria do quadro da saúde pública no país.
“O momento é mais favorável devido ao governo que terminou, à pandemia que terminou. Foi tudo muito triste, com galerias fechadas e ausência de feiras. No ano passado, o primeiro de retorno das feiras de arte, foi possível ver o ânimo, o interesse muito grande das pessoas de estarem juntas de novo. Esse reflexo continua”, afirma Alexandre Romanini, um dos sócios da Mitre Galeria, de Belo Horizonte, que participa da mostra paulista.
No entanto, ele chama a atenção para o que considera um momento economicamente conturbado do mercado. “Isso assusta um pouco. Ninguém sabe o que vai acontecer, mas acho que, no frigir dos ovos, a expectativa é muito favorável.”
Romanini defende a obra de arte como investimento tangível, que proporciona valorização importante, mas desde que se conheça o que está sendo adquirido. “É para isso que serve o galerista, para dar essa orientação. Alguns compradores estão em compasso de espera. Muitos conhecem o potencial do mercado de arte e sabem que não farão mau negócio”, pondera.
Flavia Albuquerque, galerista da Celma Albuquerque, também de BH, concorda. As mudanças em Brasília provocaram reflexos positivos no mercado, afirma. “Pudemos respirar. Essa história de termos o Ministério da Cultura de novo é importante. As instituições serão reativadas”, observa. Flávia conta que ficou mais feliz, “com mais vontade de trabalhar”.
"Grande alívio"
Porfírio Valadares, que ocupa espaço na área de design, também revela expectativas positivas. “Vi como um alívio, um grande alívio (a mudança de comando em Brasília). Estávamos em uma situação horrorosa”, afirma.
O arquiteto e designer mineiro levou para esta edição da SP-Arte novos produtos que seguem a característica de seu trabalho, focado em móveis artesanais criados com todo o cuidado para preservar o meio ambiente.
Com base nas duas edições anteriores da SP-Arte, realizadas no início e no final de 2022, Orlando Lemos, dono da galeria que leva seu nome, se diz “superotimista” com o resultado da feira.
“Ano passado, não tive prejuízo, mas não tive lucro. Considerei um bom resultado, por ser a primeira (feira) após a pandemia suspender nossas atividades. A primeira foi em março de 2022, quando tudo estava muito incerto. Eu precisei fazer a feira por causa da minha galeria recém-inaugurada aqui em São Paulo”, comenta Lemos.
Galeristas mineiros apostaram em novos artistas e em nomes de prestígio no mercado. Orlando Lemos, por exemplo, representa Howard Schwartzberg, um dos autores norte-americanos mais importantes do momento.
“Fiquei conversando um ano com ele para conseguir trazer seu trabalho para cá. É a primeira vez que ele expõe na America Latina”, conta.
A seleção da Mitre se baseou em nomes da cena contemporânea e naqueles representados pela galeria. “Artistas que chegam com o interesse do grande público”, enfatiza Alexandre Romanini.
Ele cita Marcos Siqueira, da Serra do Cipó, em Minas, que usa pigmentos coletados na região para pintar telas, além de Davi de Jesus Nascimento e Luana Vitra, que é de Contagem, com exposições em Nova York.
A Celma Albuquerque criou uma sala especial dedicada a Chris Tigra, que expõe instalação na sede da galeria, em Belo Horizonte.
Marcelo Alvarenga e Suzana Bastos, sócios do espaço Alva Design, também apresentaram produtos em São Paulo. Para Alvarenga, a troca de comando no governo federal traz novos ventos para as artes e a cultura em geral.
De acordo com ele, a SP-Arte, no caso do design contemporâneo, “é mais um evento para o posicionamento de marcas e visibilidade dos trabalhos do que para comercialização em si.”
* O repórter viajou a convite da organização do evento
ENTREVISTA
Tamara Perlman/Diretora de Novos Negócios da SP-Arte
“Temos um ano de aquecimento”
Como você vê o mercado de arte no Brasil?
O mercado de arte, todas as áreas da economia e da economia de arte criativa sofrem a influência da política e da economia do país. Mais especificamente, o nosso mercado tem se mostrado muito resiliente, inclusive durante a pandemia, pós-pandemia e períodos eleitorais, como no ano passado. Usualmente, não só no Brasil, mas em outros lugares, fica-se um pouco apreensivo. A gente percebe que agora, este primeiro semestre vem em um crescente. A feira é clara demonstração disso. Os dois primeiros dias (da SP-Arte) foram fortes, com vendas acontecendo de forma bastante consistente. Existem dois aspectos. O mercado de colecionador muito forte, muito responsável, que se mantém no mercado brasileiro com capacidade de se automanter. Há atenção maior do mundo para o Brasil, o que se reflete na SP-Arte, que recebeu mais galerias e visitantes internacionais nos últimos anos.
Qual é o impacto da pandemia sobre o setor?
A pandemia tem um impacto nisso, mas está claro o bom momento da arte brasileira. Temos excelentes artistas fazendo sucesso fora do país, temos exposições feitas no Brasil e curadas no Brasil viajando o mundo, como as mostras do Masp (Museu de Arte de São Paulo). O fato de o próximo curador da Bienal de Veneza, pela primeira vez, ser um brasileiro (Adriano Pedrosa). A arte brasileira vive excelente momento tanto do ponto de vista do país quanto internacional.
Qual é sua expectativa para esta edição da SP-Arte?
Neste momento, é um pouco difícil falar sobre como estão as vendas, se elas devem superar ou não as do ano passado (a mostra termina neste domingo, 2/4). 2022 foi muito forte, segundo o relato das galerias. Não temos os números, porque as galerias fazem as vendas e não têm a obrigação de reportá-los para a organização da feira. Mas conversando com as galerias e os colecionadores, percebemos que as vendas estão acontecendo em todas as faixas de valores. De artistas iniciantes, com preços acessíveis, a artistas estabelecidos, consagrados. Há muito pedido de propostas, negociações. Temos um ano de aquecimento.
Qual é o maior desafio da mostra?
Os desafios são desejos nossos. O desejo de buscar a renovação de expositores e artistas. Buscar boas novidades para o público, colecionadores e expositores. Realizar um evento que faça diferença para todos eles, que continue a colocar o Brasil na agenda da arte internacional. Esta é a nossa missão. O desafio constante, a cada edição, é fazer melhor.