Uma onça esculpida em granito e uma pedra sobreposta à outra, também de granito, dão as boas vindas aos visitantes do Museu Inimá de Paula. As obras são do escultor ítato-brasileiro Victor Brecheret (1894-1955), considerado por Di Cavalcanti (1897-1976), Guilherme de Almeida (1890-1969) e Menotti Del Picchia (1892-1988) como o “verdadeiro modernista”.
A “Onça” e “O beijo" abrem a mostra "Brecheret modernista - A imagem indígena como símbolo de brasilidade”, que entra em cartaz no museu nesta quarta-feira (5/4) e segue até 25 de junho.
Sob curadoria de Maria Izabel Branco Ribeiro, a exposição faz uma síntese da carreira de Brecheret, tendo como foco trabalhos do artista com a temática indígena. Ao todo, são 57 peças entre esculturas, desenhos e fotos de autoria de Brecheret e de outros artistas modernistas no intuito de contextualizar o período em que os trabalhos foram desenvolvidos.
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“Nós colocamos na exposição algumas esculturas que são anteriores a esse período do interesse indígena dele, justamente para mostrar a construção de uma linguagem, como ele foi chegando numa linguagem muito própria, a partir das referências, do tempo que foi passando e do amadurecimento do próprio trabalho”, explica a curadora.
Nascido em Farnese, na Itália, Brecheret veio para o Brasil ainda muito pequeno, depois que seus pais morreram. Os tios, que o criaram, estabeleceram-se em São Paulo.
Estudos
Os primeiros estudos em artes foram realizados no Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo. Depois, Brecheret ganhou uma bolsa e foi para seu país de origem estudar. Lá, conheceu Arturo Dazzi (1881-1966), que, na época, era escultor do então rei da Itália Vítor Emanuel III (1869-1947). Foi com Arturo, aliás, que Brecheret desenvolveu uma preocupação em detalhar o corpo humano em suas esculturas.
Em determinado momento, contudo, Brecheret decidiu sair do ateliê de Arturo e alugar um espaço para trabalhar. O local escolhido havia pertencido a Ivan Mestrovic (1883-1962), escultor croata que tinha grande afinidade com as obras de Rodin (1840-1917) e, justamente por isso, desenvolvia obras com volumes mais táteis e superfícies mais sensíveis e texturadas, características que exerceram grande influência em Brecheret
“A marca de Mestrovic eram corpos e rostos tensos, musculatura tensionada. Quando Brecheret voltou para o Brasil, com o final da Primeira Guerra Mundial, trouxe esculturas dessa fase e trabalhou muito sob a égide da imagem de Mestrovic”, diz Maria Izabel.
A mostra conta com algumas esculturas que trazem essa característica. Uma delas é “Ídolo”, pequena representação de um corpo sentado, todo retorcido e muito tenso. A outra é “Soror Dolorosa”, uma escultura de duas cabeças (uma na horizontal e outra na vertical) se olhando. A obra foi inspirada na publicação "O livro de horas de Soror Dolorosa", de Guilherme de Almeida, sobre uma monja que se enclausurou devido a um amor não correspondido.
Modernismo
“Aí já dá para perceber esse contato dele com os modernistas, que começou em 1920”, observa a curadora.
Segundo ela, o primeiro contato de Brecheret com os modernistas ocorreu a partir de uma situação um tanto ou quanto inusitada - senão cruel, por parte dos modernistas.
“Di Cavalcanti, Guilherme de Almeida e Del Picchia escutaram que uma construção que estava sendo feita pelo Ramos de Azevedo (1851-1928), um grande arquiteto de São Paulo, tinha a participação de um artista moderno muito estranho e exótico. Então eles foram lá para rir desse artista”, conta a curadora.
“Mas acho que foi Brecheret quem riu dos modernistas, porque, quando eles chegaram lá, ficaram atônitos com o que viram: eram esculturas de muita força, que não tinham nada a ver com aquela escultura tradicional, clássica, de figuras serenas ou retratando cenas conhecidas”, emenda.
Os modernistas, então, incorporaram Brecheret ao grupo. Na Semana de Arte Moderna, inclusive, o escultor teve 12 peças expostas. Entre elas, “Soror dolorosa”.
Brecheret, no entanto, não acompanhou de perto a Semana de 22. No ano anterior, havia partido para a França, no intuito de aprimorar suas técnicas artísticas. Quando estava prestes a embarcar, recebeu uma carta de despedida de Mário de Andrade (1893-1945). O escritor dizia para Brecheret aperfeiçoar o trabalho, aprender coisas novas, mas não se esquecer do indígena, de estudar o corpo do indígena e seus costumes.
Brecheret, no entanto, não deu muita importância para o conselho do amigo. “Já existiam por aqui artistas que estavam ligados nessa temática. Rego Monteiro (1899-1970), por exemplo, no Rio de Janeiro, já havia começado a pintar mitos indígenas”, observa.
“No Pará, no início do século, Teodoro Braga (1872-1953) começou a fazer levantamentos de imagens no Museu (Emílio) Goeldi, de Belém, e publicou um livro de desenhos de plantas do Brasil adaptados às artes decorativas. E Fernando Correia Dias (1892-1935), primeiro marido de Cecília Meireles (1901-1964), também mostrou seu interesse pelos indígenas, mais especificamente pela arte marajoara, em seu trabalho”, ressalta Maria Izabel.
Influências
Portanto, quando Brecheret retornou ao Brasil, em 1936, ele se deparou com esse tipo de produção artística e passou a ser influenciado por esse espírito do momento. O artista, inclusive, resgatou o projeto do Monumento às Bandeiras, localizado no Parque Ibirapuera, em São Paulo, no qual esculpe com riqueza de detalhes os corpos de indígenas e mamelucos paulistas.
“Essa nova geração (de modernistas), influenciada pelo mito de que São Paulo era a locomotiva do Brasil, achava que eram os novos bandeirantes, que estavam abrindo novos caminhos, essa coisa toda”, destaca a curadora.
O interesse genuíno de Brecheret pela temática indígena só ocorreu depois que Getúlio Vargas (1882-1954) implementou a expedição Roncador-Xingu, na década de 1940. O projeto tinha como objetivo integrar os povos originários à sociedade.
A expedição atraiu a imprensa. Diariamente, o tradicional programa de rádio “Repórter Esso” dava notícias da empreitada.
Muitos fotógrafos também foram cobrir a diligência. Um deles, o francês radicado no Brasil Jean Manzon (1915-1990), além de fotografar, gravou pequenos documentários, que eram exibidos nos cinemas antes dos filmes. Como Brecheret era aficionado pela sétima arte, muitas das referências dele vieram de imagens produzidas por Manzon.
“O Brecheret pegava essas imagens que via no cinema e ia para a sala de jantar escutar o ‘Repórter Esso’, aí ele ia desenhando o que escutava da expedição e o que tinha assistido no cinema”, comenta a curadora.
Todo esse material que influenciou Brecheret - fotos de Manzon, telas de Rego Monteiro e Correia Dias, e desenho de Teodoro Braga, entre outros - também está em "Brecheret modernista - A imagem indígena como símbolo de brasilidade”.
“A questão mais importante nesse trabalho de temática indígena era o maravilhamento do Brecheret em descobrir novas situações, novos mundos. Encontrar outra face do Brasil. Ele passou a usar essa linguagem para outros trabalhos. São peças muito interessantes e muito diferentes das demais”, conclui Maria Izabel.
"BRECHERET MODERNISTA - A IMAGEM INDÍGENA COMO SÍMBOLO DE BRASILIDADE”
• Mostra com obras de Victor Brecheret.
• Desta quarta-feira (5/4) até 25 de junho.
• No Museu Inimá de Paula (Rua da Bahia, 1.201, Centro).
• Terças, quartas, sextas e sábado, das 10h às 18h30; quintas, das 12h às 20h30; domingos e feriados, das 10h às 16h30.
• Entrada franca.
•Mais informações no site do museu
• Desta quarta-feira (5/4) até 25 de junho.
• No Museu Inimá de Paula (Rua da Bahia, 1.201, Centro).
• Terças, quartas, sextas e sábado, das 10h às 18h30; quintas, das 12h às 20h30; domingos e feriados, das 10h às 16h30.
• Entrada franca.
•Mais informações no site do museu
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