O começo de “Noites alienígenas” mostra em detalhe a pele de uma cobra que parece uma tapeçaria. Mas é mesmo cobra. É enorme e gruda no pescoço de um rapaz, que levanta horrorizado. Depois, vemos um homem de meia-idade, o ator Chico Diaz, e um jovem que desenha. Não sabemos direito quem são e, menos ainda, quem é o cara que aparece dali a pouco, batendo no portão meio fora de si.
Outros personagens vão aparecendo. Saberemos que o sujeito alucinado que batia no portão é o mesmo da cobra e adquirimos a certeza de que a cobra era um sonho. Alguns cantam rap em roda. São na maioria negros. Há indígenas e brancos também. A atmosfera é de maconha – ou de drogas mais pesadas.
Tudo parece entrar em cena meio aos trancos e barrancos. E que cena. Estamos ao que parece num drama de periferia clássico do cinema brasileiro, com jovens pobres tomados pela droga ou traficantes ao centro.
Mas é uma periferia diferente. Parece uma favela, mas bem particular. É mais um vilarejo afastado da cidade, com luzes que podemos ver ao longe, bem longe, numa evocação, talvez, de um procedimento do cineasta Adirley Queirós. A favela, ou comunidade, é separada da cidade por um rio, onde as indígenas se banham com seus filhos.
Longa derrotou o mineiro 'Marte Um'
Dito assim, parece que “Noites alienígenas” levou o prêmio de melhor filme em Gramado meio que por favor, para dar uma força à produção modesta, escrita e realizada por acreanos, com imagens de um estado, o Acre, que mal sabemos que existe. Talvez para entusiasmar uma nascente dramaturgia local é que teria batido “Marte um”, narrativa escorreita que o Brasil mandou para representá-lo no Oscar.
Nada disso. Ou talvez seja isso mesmo. É difícil dizer. Quem sabe o que acontece neste filme não seja apenas incapacidade do diretor e roteirista Sérgio de Carvalho para montar um bom roteiro, com exposição deixando claro quem são os personagens e o que fazem.
Talvez não. Fiquemos com aquilo que podemos ver. Não se trata de uma confusão. É uma narrativa que opta por certa opacidade. Enquanto tentamos descobrir quem é quem, vamos na verdade nos enfronhando na vida, impasses, dores e perigos que assombram os personagens. Pois eles assombram.
O menino drogado da primeira cena, o do sonho com a cobra, é pai de uma criança. A mãe do menino, uma boa garota, quer trazê-lo de volta para a família.
O menino desenhista é meio amigo dele e do traficante Chico Diaz, mas sente-se sem destino naquele fim de mundo. Pensa em trabalhar numa gangue de traficantes.
Em suma, o melodrama de favela tradicional é solapado pela opacidade impressa à trama, com seus personagens errantes. Mesmo um momento dramático, como um grupo de gangsters disposto a matar um jovem, é solapado pela intervenção do fantástico – o alienígena do título. Com esses recursos é que garante a atenção do espectador.
O certo é que nessa mistura de floresta e deserto, nesse não lugar, o tráfico se infiltra entre brancos, negros, indígenas – esses alienígenas – com a mesma facilidade com que os povos originários são despossuídos de sua cultura e atirados em algum culto pentecostal.
Assim, é mesmo impossível fugir o tempo todo do tradicional melodrama da favela, com que nós, classe média, purgamos nossas culpas pelo estado lamentável da vida desses que vivem à margem – até mesmo da cidade, que, presumo, seja Rio Branco, capital do Acre.
Por mais que se esquive, o filme de Carvalho chegará, ao final, ao melodrama. Talvez não houvesse mesmo outra solução. Que saída oferece a vida e a nossa sociedade para esses personagens tão caoticamente reais? O crime, o tráfico, as drogas, ou então o bom caminho, o do trabalho, bem possivelmente aquele que pode levá-los ao famoso e tão comentado estado análogo à escravidão.
“Noites alienígenas” tem um elenco desconhecido, com exceção de Chico Diaz, mas muito bem dirigido. E não, em definitivo, aquele prêmio não foi para dar uma força.
“NOITES ALIENÍGENAS”
• Direção de Sérgio de Carvalho. Elenco: Chico Diaz, Gleici Damasceno, Joana Gatis e Gabriel Knoxx.
• Em cartaz às 20h10, no Centro Cultural Unimed-BH Minas (Rua da Bahia, 2.244 – Lourdes)
• Em cartaz às 20h10, no Centro Cultural Unimed-BH Minas (Rua da Bahia, 2.244 – Lourdes)
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