Em meados da década de 1950, havia em Congonhas, no interior de Minas, um cego chamado Walter, que andava pelas ruas da cidade com sua gaita de bolso. Quando encontrava local oportuno, pegava o instrumento e começava a tocar.

Certa vez, um belo-horizontino de 9 anos, chamado Ildefonso (Dedé) Sampaio, encontrou Walter tocando nas ruas da cidade.





“Era o Jubileu de Congonhas. Meu pai, que era confeiteiro, foi para lá trabalhar e levou a gente junto. Eu saí andando pela cidade para conhecer, até que vi um cego tocando gaita. Parei e fiquei olhando ele tocar. Estava chamando a atenção. Aí, vi uma caixa de banana perto, fui até lá, peguei a caixa, sentei ao lado do Walter com duas tampinhas na mão e comecei a batucar. Eu batia as tampinhas na caixa e ainda raspava meu calcanhar nela para fazer outro barulho. O ceguinho ouviu aquilo e, animado, fez um ‘tinindo’ para que eu continuasse tocando”, lembra Dedé.
 

Aos 76 anos, ele coleciona na memória casos e situações inusitadas em sua carreira de baterista radicado nos Estados Unidos. Já tocou com Alcione, Maysa, Cauby Peixoto e – aquele que lhe dá mais orgulho – Miles Davis, um dos mais influentes músicos do mundo.

 

Dedé, nos Estados Unidos, com o berimbau e sua 'cozinha' percussiva

(foto: Reprodução/Site oficial)
 

Com Sinatra e Elizabeth Taylor

Desde que se mudou para Chicago, no início da década de 1970, Dedé também se apresentou com músicos locais e para um público incomum – Frank Sinatra e Elizabeth Taylor foram algumas das personalidades que o viram no palco.





“Certo dia, recebi uma ligação de um produtor  propondo que eu tocasse numa recepção para 50 pessoas, sendo que o mais importante convidado era Frank Sinatra. Aceitei na hora. Começamos a tocar e aí teve um intervalo. Quando saí do palco para pegar água e ir ao banheiro, cruzei com o Frank Sinatra. Ele olhou para mim e perguntou: ‘É você o brasileiro que está tocando aqui?’”, conta Dedé.

“Eu fiquei sem reação, mas consegui responder que sim, era o brasileiro da banda. Ele achou fantástico, disse que tinha acabado de chegar do Brasil e que tinha tentado ligar para o Tom Jobim, mas não havia tido resposta. Aí eu falei com ele: ‘Poxa, Frank, perdoa o Jobim, ele é um cara muito ocupado, provavelmente estava ocupado na casa dele em Petrópolis". Eu salvei o Jobim, né?”, diverte-se o baterista.

A aproximação que Dedé sugeriu ter com Tom garantiu a ele um convite para se sentar à mesa de Sinatra. Papo vai, papo vem, Dedé tomou coragem e disse: “Frank, eu trouxe umas capas (de discos) e queria saber se você assinaria”.





“Ele aceitou, aí eu aproveitei. Pedi dedicatória para minha sogra, para meu filho, minha esposa e para mim, claro. Não é que aluguei o cara, mas é a oportunidade que apareceu ali para mim. Afinal, no dia que recebi a proposta de tocar no local, eu tinha perguntado ao produtor se poderia levar umas capas para o Frank Sinatra assinar”, relembra.
 
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Bumbo furado

Despojado e extremamente divertido, Dedé recebeu a reportagem do Estado de Minas na casa onde cresceu, no Bairro Caiçara. “Não gosto de entrevistas por telefone, porque é muito rápido, não dá para a gente falar tudo o que gostaria”, explica..

O local não foi escolhido ao acaso. É lá que ele protagonizou cenas que hoje guarda com carinho na memória, como o dia em que furou o bumbo de couro da bateria de tanto tocar, ou quando ficou meses sem tocar o instrumento como castigo porque tinha tirado nota baixa na escola.




Embora tenha sido introduzido ao mundo da percussão pelos irmãos – sobretudo por Juarez, o mais velho –, Dedé diz que se trata de interesse nato, afinal ele nasceu em uma terça-feira de carnaval. “Eu já saí batucando”, brinca ele.

Com cerca de 13 anos, ele entendeu que, de fato, queria ser músico profissional e se dedicou ainda mais ao instrumento. Inicialmente, tocou nos carnavais promovidos pelo Clube Sparta. Depois, foi baterista da banda do programa “Roda gigante”, da TV Itacolomi, e em seguida montou a banda Baby Looney, com a qual desfiava repertório dos Beatles.

Aos 18, Dedé foi convidado para integrar o grupo Teenagers, do qual também fazia parte o músico Telo Borges. A banda, no entanto, se desmembrou, sobrando apenas baixo, bateria e piano.

O trio passou a fazer apresentações nos mais diversos lugares. Entre eles, a boate Sucata, um dos prostíbulos famosos da época.





“Depois da Sucata, comecei a tocar com as orquestras de Belo Horizonte. Toquei com quase todas, acompanhando Gregório Barrios, Marisa Gata Mansa, Dick Farney e, se não me engano, Emílio Santiago”, afirma.
 
 

Rosa para Sarah 

Já com experiência, Dedé foi chamado para tocar por seis meses na África do Sul. A banda era formada por baixo, bateria, piano, saxofone, percussão (todos instrumentistas mineiros) e um cantor do Rio de Janeiro. Por 15 dias, o grupo abriu os shows de Sarah Vaughan.

"Certa vez, eu estava indo tocar no show e vi uma rosa no meio do caminho. Peguei a flor e continuei andando. Quando cheguei, dei a rosa para a Sarah. O show inteiro ela cantou com a rosa na mão. Isso para mim foi a glória”, revela o baterista.





Passados os seis meses na África do Sul, Dedé retornou ao Brasil. Contudo, mal sabia que voltaria a morar no exterior pouco tempo depois. Um amigo, também percussionista, havia se mudado para os EUA e lá indicou o nome de Dedé para um músico que estava precisando de um baterista.

O músico em questão era Breno Sauer, do Breno Sauer Quinteto. Ele era mais um dos brasileiros que foram tentar fazer carreira na gringa, nos anos 1970.

Depois de escutar fitas cassetes de Dedé, Breno convidou o baterista para fazer parte de sua banda, arranjou passaporte de trabalho para ele e o acolheu em  casa. “Se não fosse o Breno, eu não estaria aqui sentado conversando com você”, reconhece Dedé.

A banda formada com o amigo brasileiro, no entanto, durou até a entrada da década de 1980, quando os EUA passaram por um longo período de instabilidade econômica. Assim, Dedé recorreu aos comerciais. Gravou jingles e efeitos sonoros para as propagandas.




Com Miles e sua turma

Uma das propostas que Dedé recebeu foi do diretor musical de Miles Davis, Robert Irving III. O convite não era para o baterista gravar com a lenda do jazz, e sim para participar da gravação de um CD do próprio Robert.

“Ele gostou do meu trabalho e depois me chamou de novo para outros projetos. Aí, certo dia, ele me ligou dizendo que tinha a proposta de um trabalho com Miles Davis. Eu não acreditei”, afirma.

Dedé tocou com Miles, gravou um disco das apresentações e ainda saiu em turnê com Wallace Roney, o único aluno do célebre jazzista norte-americano.
 
Em Belo Horizonte para curtir a família, Dedé revela que em 2024 os planos são outros.

“O sobrinho do Miles é um grande amigo meu. Ele tem uma banda chamada Miles Davis Electric Band e eu estou nela. Estamos com um projeto para o ano que vem de vir para Belo Horizonte, São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia para tocar músicas do Miles. Sei que a logística é complicada, mas é algo que queremos muito fazer”, conclui.

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