Há algo de maligno no fato de Ben Affleck e Matt Damon estrelarem “Air: A história por trás do logo”, filme sobre as origens do tênis Air Jordan.

É verdade que ambos os atores são a epítome dos últimos dias do circuito de estrelas de Hollywood. Eles representam uma aristocracia decadente da indústria, que perdeu espaço para franquias nas grandes bilheterias. Ou seja, são ideais para um longa como esse, feito para glorificar o triunfo corporativo.




Foco nos pequenos

Trata-se, afinal, da história do tênis mais famoso da Nike, dedicado a Michael Jordan, um dos maiores ícones esportivos de todos os tempos. O jogador de basquete é tema, mas nunca o foco do filme, que se concentra nos pequenos atores por trás do negócio da fabricante nos anos 1980. Na época, a Nike era apenas a terceira maior no mercado do esporte.

Ao privilegiar os burocratas sobre os artistas, uma produção assim tem tudo para ser maligna, pode pensar o espectador.

Mas essa tese ignora as origens de ambos os atores, que começaram a carreira como estranhos no sistema. Damon e Affleck chegaram à fama como roteiristas de “Gênio indomável”, lutaram com as garras para arrancá-lo das entranhas dos estúdios e venceram um Oscar.
 

Ben Affleck dirige "Air", seu primeiro filme como cineasta em sete anos, e faz o papel de Phil Knight, presidente da Nike

(foto: Amazon Studios)
 

Em especial Ben Affleck. Apesar de o ator, hoje, ser entendido como mais um na linha nobre de Batmans do cinema americano, sua trajetória oscila.





As grandes produções fizeram seu nome, mas foram os filmes pequenos e médios que pavimentaram a posição de produtor respeitado.
 
Essa bagagem, sozinha, faz de Affleck um nome muito mais interessante do que o necessário para dirigir “Air”. Ele ainda é bom diretor, caso cada vez mais raro de artesão hábil com espaço no sistema. O filme só tem a ganhar com isso.

A começar pelo protagonista escolhido, Sonny Vaccaro, papel de Matt Damon. Agente crucial na decisão da Nike de mudar o plano de negócios e ir atrás da contratação de Jordan, ele é tratado pelo roteiro de Alex Convery como homem de visão ímpar sobre o jogo.

O filme se preocupa em mostrá-lo como incompreendido. Em uma reunião executiva logo no início, ele é visto brigando com os engravatados da Nike sobre quais atletas patrocinar.
 
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Mas a direção de Affleck evita o caminho do endeusamento de Vaccaro. O conflito entre homem e sistema é mostrado como Davi e Golias engravatado, travado a quatro paredes.




 

 

Sonho americano e cinismo

A trama se passa nos Estados Unidos dos anos 1980, em que o velho sonho americano domina. O longa registra isso com uma dose mínima, mas coerente, de cinismo.

A trilha traduz esse cinismo. Não é qualquer um que abre a história com “Money for nothing”, do Dire Straits, e termina com “Born in the U.S.A.”, de Bruce Springsteen.

A narrativa é feita entre a aposta e a descrença do empresariado em Michael Jordan, na época apenas um jovem começando na NBA. O grande trunfo de “Air” é esse equilíbrio, na ausência de protagonista que sirva de rebelde.

A decisão de omitir o jogador na trama é parte da lógica. Ele no máximo é visto de costas nas reuniões, e a direção o confina às transmissões da TV para reforçar a ideia da imagem que pode ser ou não uma miragem.





Essa abordagem do filme é frágil, e basta pensar que tudo gira em torno de um contrato esportivo para perceber isso. Mas funciona quando o esforço de Vaccaro para contratar Jordan envolve os outros personagens – incluindo o presidente da Nike, Phil Knight, vivido por Affleck.
 

Air Jordan: ícone do século 20

(foto: Amazon Studios)
 

O melhor momento é quando o protagonista, na reunião decisiva com o jogador, foge do plano da empresa e adianta a jornada midiática à qual Jordan será submetido nos próximos anos.

Sem o contraplano do rosto do atleta, o longa intercala o discurso de Damon com imagens futuras do noticiário. A crueldade da formação dos mitos é revelada ali.
 
“Air” é o primeiro filme dirigido por Ben Affleck em sete anos, mas seu cinema segue intacto. Lembra “Argo” e “A lei da noite”, seus trabalhos anteriores. Os três brincam com o imaginário clássico de Hollywood pelo lado industrial, de como as imagens são fabricadas.





É algo que se destaca, junto à dedicação eterna do cineasta ao elenco. Além de Viola Davis, brilhante como sempre no papel da mãe de Michael Jordan, chamam a atenção em “Air” gente como Matthew Maher, Chris Messina e Chris Tucker. São artistas sem projeção comercial que, como os pequenos burocratas que interpretam, fazem valer a aposta da produção.

“AIR: A HISTÓRIA POR TRÁS DO LOGO”

EUA, 2023. Direção de Ben Affleck. Com Matt Damon, Ben Affleck, Viola Davis, Matthew Maher, Chris Messina e Chris Tucker. História da parceria entre o futuro ícone do basquete Michael Jordan, em início de carreira, e a Nike, que lutava por seu espaço no mundo dos esportes nos anos 1980. Estreia nesta quinta-feira (6/4) em salas das redes Cinemark e Cineart, no cinema do Centro Cultural Unimed-BH Minas e no UNA Cine Belas Artes.

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