"Extrapolations: Um futuro inquietante", série de ficção do Apple TV+ sobre a crise global do clima, tenta seguir à risca uma das premissas essenciais da maioria das narrativas de ficção científica.
A base de muitas dessas histórias, afinal de contas, pode ser resumida com a frase "Se isso continuar..." – ou seja, o que será que acontece com o mundo se determinada tendência do presente for extrapolada (sem trocadilhos) para as próximas décadas ou séculos?
A importância dessa fórmula para o roteiro de "Extrapolations" talvez seja, ao mesmo tempo, a principal virtude e a maior fraqueza da série. De um lado, as histórias criadas pelo roteirista Scott Z. Burns mostram um esforço inegável de retratar a multiplicidade de riscos planetários previstos pela ciência para este século. Já está claro que o monstro da mudança climática é uma hidra de muitas cabeças, nem um pouco fácil de abater, e a narrativa reflete bem isso.
Por outro lado, porém, às vezes fica a impressão de que os episódios estão explorando essa variedade de catástrofes como se ela fosse uma lista de compras, passando de um item para o próximo sem que aquilo se encaixe propriamente num quadro mais amplo, que faça sentido.
O problema, então, seria o excesso de didatismo? Não exatamente. Às vezes, chega perto de acontecer o oposto.
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Geoengenharia
Tenho minhas dúvidas, por exemplo, sobre o que os não iniciados vão apreender do cenário do quarto episódio, estrelado por Edward Norton, que gira em torno da chamada geoengenharia — a ideia de que é possível usar meios artificiais para manipular a atmosfera da Terra de forma relativamente controlada, minimizando assim os efeitos da emergência climática.Em geral, os diálogos estão longe de lembrar um verbete da Wikipédia, mesmo quando abordam temas cabeludos como esse.
As virtudes do roteiro e das atuações - essas últimas, em geral, de alto nível - conseguem aparecer mais quando a série deixa um pouco de lado a abordagem "lista de compras" e acha tempo para estudar as interações entre os personagens e o cenário pré-apocalíptico.
É o que acontece, por exemplo, no terceiro episódio, com os dilemas do rabino Marshall Zucker, vivido por Daveed Diggs – o Lafayette do musical "Hamilton"– , que deixou o ativismo em Tel Aviv para enfrentar uma Flórida cada vez mais submersa pelo oceano. Também é o único episódio que consegue injetar um pouco de humor absurdo em meio à desgraça, sem transformá-la em algo trivial.
Não é um equilíbrio fácil, e o episódio anterior, que gira em torno da bióloga marinha Rebecca Shearer (Siena Miller) e sua tentativa de salvar as últimas baleias-jubartes acaba convencendo bem menos, apesar de alguns momentos tocantes e a presença de Meryl Streep na tela.
Imaginar um "tradutor universal" capaz de, em tempo real, transformar "baleiês" em "inglês" e vice-versa é uma das ideias menos felizes da série, aliás. Não há razão nenhuma para achar que os cantos das jubartes funcionem como linguagem propriamente dita.
Se esses detalhes atrapalham um pouco o ritmo e a verossimilhança da série, é preciso ressaltar que ela acerta na mosca – dolorosamente na mosca – quando aborda uma das características mais cruciais da crise climática até agora. Trata-se da lerdeza enlouquecedora com que as sociedades humanas estão reagindo ao desafio.
Nesse ponto, está tudo ali: as reuniões internacionais intermináveis com pouco ou nenhum efeito prático sobre o problema, as inúmeras desculpas esfarrapadas de governantes e multinacionais para não fazer a lição de casa capaz de salvar espécies e vidas, as tentativas de faturar algum por meio de teatrinhos ambientalmente corretos.
Do ponto de vista dramático, poderíamos até reclamar do fato de que os bilionários da série se comportam como supervilões – maniqueísmo demais, talvez, se Elon Musk não existisse no mundo real.
Essa atenção aos mecanismos sociais e psicológicos por trás da nossa inércia coletiva, por si só, faz com que valha a pena assistir a "Extrapolations".
“EXTRAPOLATIONS: UM FUTURO INQUIETANTE”
• Disponível no Apple TV
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