Oswald de Andrade (1890-1954) e Tarsila do Amaral (1886-1973) deixaram obras fundamentais da literatura e das artes plásticas brasileiras, respectivamente. Contudo, qual é o legado deles para a moda?
O questionamento pode parecer meio fora de propósito, mas faz sentido quando se analisa a relação desses dois artistas brasileiros com a alta-costura francesa.
Essa conexão é abordada pela professora e figurinista Carolina Casarin no livro “O guarda-roupa modernista – O casal Tarsila e Oswald e a moda”, que será lançado nesta quarta-feira (12/4), no Espaço Cultural da Escola de Design da Universidade do Estado de Minas Gerais (Uemg).
Xadrez 'caipira' em Paris
Depois de um olhar mais atento, entretanto, Carolina percebeu que o vestido era assinado pela luxuosa maison do estilista Paul Poiret (1879-1944).
“Minha tese inicial, que depois cai por terra, era de que o casal havia participado da produção daquela roupa, porque ela se encaixa perfeitamente na ideia da ‘Caipirinha vestida por Poiret’”, conta Carolina, citando os versos de “Atelier”, poema de Oswald de Andrade dedicado a Tarsila.
Foi grande a surpresa da autora ao descobrir que o casal não havia idealizado o vestido. “Mas isso é o mais interessante”, garante Carolina. “Eles não participaram da produção daquela roupa, mas souberam identificar no traje elementos da poética do movimento Pau-Brasil. Quando Tarsila usa o vestido na abertura de sua primeira exposição individual em Paris, está inserindo um traço da cultura francesa na poética Pau-Brasil. É um movimento antropofágico”, explica.
O livro busca evidenciar o quanto Oswald e Tarsila tinham consciência da importância da aparência para o modernismo. Embora soubesse se vestir como bons burgueses, o casal – sobretudo Oswald – ostentava estilo moderno, com trajes coloridos e combinações de estampas arrojadas vindas de grifes europeias.
Não há acervo reunindo as roupas dos modernistas, é verdade. Carolina descobriu o interesse do casal por peças modernas comparando fotos e documentos dos dois com registros de patentes da alta-costura europeia.
Croquis reveladores
A autora visitou, em Paris, o acervo de croquis de modelos lançados desde o início da década de 1920 pelas grifes francesas. No caso dos modernistas, havia fotos, quadros, desenhos, descrições e depoimentos a respeito da aparência de Oswald e Tarsila. No acervo, a pesquisadora encontrou modelos, principalmente de Paul Poiret, adquiridos pelo casal brasileiro.
Leia também: Tarsilinha, sobrinha-neta da pintora, diz que atualmente é impossível comprar obra de Tarsila do Amaral
O próprio vestido de casamento de Tarsila, hoje sob os cuidados da Pinacoteca de São Paulo, foi produzido a mão por Paul Poiret.
“A partir da análise da aparência desse casal, a gente consegue perceber todas as contradições que fazem parte do nosso modernismo”, observa Carolina.
“O vestido foi criado a partir da roupa de casamento da mãe de Oswald, sendo remodelado pela maison Poiret. Pelo fato de a peça ter sido feita a partir de uma roupa quatrocentona do século 19 – é claro que a gente pode fazer uma interpretação pessoal e subjetiva, entendendo como homenagem do noivo à mãe –, podemos analisar isso de maneira impessoal e analítica, entendendo que a peça congrega muitas contradições do próprio movimento modernista, pois é uma roupa antiquada e conservadora, dependendo do ponto de vista”, continua Casarin.
O interesse do casal pela alta-costura e suas conceituadas maisons era uma forma de legitimar o modernismo no Brasil, à época extremamente criticado, acredita a pesquisadora.
Monteiro Lobato, talvez o principal crítico do movimento, escreveu no polêmico artigo de 1917 que os modernistas “vêem anormalmente a natureza e interpretam-na à luz de teorias efêmeras, sob a sugestão estrábica de escolas rebeldes, surgidas cá e lá como furúnculos da cultura excessiva.” O autor se dirigia à pintora Anita Malfatti, mas acabou “acertando” os demais artistas como ela.
Não satisfeito, Lobato afirmou que as obras desses autores “são produtos de cansaço e do sadismo de todos os períodos de decadência”.
O corpo político de Oswald
Diante de ataques tão virulentos, Oswald e Tarsila entenderam que, ao usar roupas das mais conceituadas grifes europeias, provavam ter, sim, bom gosto.
“Oswald tinha consciência de que o corpo dele era político. Ele brincava com isso, jogava com isso. Tinha muita consciência política da aparência. Foi ele, inclusive, que incentivou Tarsila a vestir roupas do Paul Poiret. Ele ia à maison e aos desfiles da alta-costura com ela. Isso, de alguma maneira, os legitimava como artistas modernos. Legitimava aquele gosto”, afirma a pesquisadora.
O modernismo não se limita a obras de arte, defende Carolina Casarin. Para ela, o movimento deve ser pensado a partir do espectro mais amplo, da visão que diz respeito à introdução de uma cultura material moderna no Brasil, tanto em termos de vestuário quanto em termos de hábitos de viagens e consumo de maneira geral.
“Acho interessante a gente olhar a relação deles (Tarsila e Oswald) com a moda a partir do ponto de vista da consciência do casal sobre a importância da aparência no quadro da arte moderna no Brasil e nas disputas em torno do moderno”, conclui a pesquisadora.
“O GUARDA-ROUPA MODERNISTA – O CASAL TARSILA E OSWALD E A MODA”
• De Carolina Casarin
• Companhia das Letras
• 288 páginas
• R$ 60,99
• R$ 44,90 (e-book)
• Lançamento nesta quarta-feira (12/4), das 19h às 21h, no Espaço Cultural da Escola de Design da Uemg (Rua Gonçalves Dias, 1.434, Lourdes). Entrada franca, mediante retirada de ingressos no site Sympla. Informações: (31) 3427-3036.