Os músicos Andrea Ernest Dias, Durval Pereira e Carlos Malta, Black e Túlio Araújo sorriem para a câmera

Carlos Malta, Durval Pereira, Túlio Araújo, Fofo Black e Andrea Ernest Dias fazem neste sábado na capital mineira show baseado nas releituras do repertório de Gil pelo Pife Muderno; projeto rendeu quatro discos

Maria Mazzillo / divulgação

Na esteira do aniversário de 80 anos de Gilberto Gil, em 2022, o carioca Carlos Malta, referência absoluta no universo dos sopros, prestou com seu grupo Pife Muderno um caudaloso tributo ao cantor e compositor baiano. Ele lançou, ao longo do ano passado, quatro álbuns dedicados à obra de Gil, totalizando 40 músicas. É a bordo desse trabalho que Malta chega a Belo Horizonte para uma apresentação gratuita, neste sábado (15/4), ao ar livre.

O show de lançamento do projeto “Carlos Malta e Pife Muderno em Gil” abre a temporada 2023 da série BH Instrumental. Antes de sua apresentação, vão subir ao palco montado na Praça Floriano Peixoto os grupos Cleber Alves Quarteto e Eneias Xavier Quarteto. Antes ainda, a Mimulus Cia. de Dança vai ministrar uma aula-espetáculo, a partir das 16h.

Com alguns desfalques de sua formação original, o Pife Muderno vai se apresentar com Andrea Ernest Dias (flautas), Durval Pereira (zabumba), Fofo Black (percussionista convidado) e Túlio Araújo (pandeirista convidado). Acompanhado por esse time de músicos, Carlos Malta promete fazer uma grande festa unindo elementos tradicionais e linguagens contemporâneas aplicados à música de Gil.
 

É uma delícia, as pessoas cantam junto, é muito legal. Esse show é uma catarse que a gente conduz. No final, está todo mundo no bolso, a plateia no nosso e nós no dela. É uma felicidade poder celebrar essa música tão nossa, com a qual o público se identifica tanto

Carlos Malta, instrumentista

 

Ele adianta que o repertório do show, com músicas pinçadas dos quatro álbuns lançados no ano passado, abre com “A novidade” e segue agrupando temas conforme o andamento. Estão previstos um pot-pourri de afoxés, com “Andar com fé”, “Toda menina baiana” e “Filhos de Gandhi”; um passeio pela produção mais pop de Gil, com “Palco”, “Extra” e “Sarará miolo”; e temas consagrados, como “Expresso 2222”, “Tempo rei” e “Aquele abraço”.

“Como é um trabalho do Pife Muderno, também damos uma atenção especial, claro, para a parte nordestina. Quando a gente entra nos baiões, xotes, xaxados e afoxés, não sai mais”, diz Malta. Com base nas apresentações que já realizou desde o lançamento do projeto em tributo a Gil, ele garante que é um show envolvente, que a plateia absorve incondicionalmente.
 
Gilberto Gil, vestindo camisa florida, manda beijo durante show realizado no Rio de Janeiro

Pife Muderno ressalta em seu show o poder de comunicação da música de Gilberto Gil

Mauro Pimentel/AFP
 

Voz do público

Como se trata de um trabalho instrumental, o público é que se encarrega de dar voz aos temas, segundo o músico. “É uma delícia, as pessoas cantam junto, é muito legal. Esse show é uma catarse que a gente conduz. No final, está todo mundo no bolso, a plateia no nosso e nós no dela. É uma felicidade poder celebrar essa música tão nossa, com a qual o público se identifica tanto”, aponta.

No caso de Malta, trata-se de uma relação que vai além da simples identificação, já que Gilberto Gil está na base de sua formação. Ele integrou a banda do autor de “Refazenda” entre 2000 e 2004, atuando em projetos como o documentário “Viva São João” e o álbum “Kaya N’Gan Daya”, em tributo a Bob Marley, ambos de 2002, mas, desde a infância, seu percurso musical é guiado por Gil.

Malta conta que, quando tinha 7 anos, assistiu à apresentação de “Domingo no parque” na televisão, no Festival da Canção de 1967, e ficou impactado. “Depois, quando eu tinha 12 anos, meu irmão chegou em casa com o ‘Expresso 2222’. Eu estava começando a tocar pífano, e a música de abertura do disco era ‘Pipoca moderna’, com a Banda de Pífanos de Caruaru, uma faixa da qual, inclusive, Gil nem participa. Fiquei extasiado com aquilo”, recorda.

Ele conta que foi o que o motivou a pesquisar mais sobre o instrumento característico do sertão nordestino. “Fui para a escola e pesquisei na enciclopédia ‘Barsa’, que era a internet da época, o que era uma banda de pífano. Encontrei Mestre Vitalino, os irmãos Biano e vários outros representantes dessa tradição. Estava ali selada minha trajetória na música”, aponta.

Ele (Gilberto Gil) diz tudo o que quer dizer numa música. As letras dele têm essa fluência, e o que eu quis mostrar com um trabalho instrumental é a beleza das melodias que conduzem essas letras. Gil é um campeão nisso

Carlos Malta, instrumentista


Influências musicais

O círculo do tributo de Malta e seu Pife Muderno a Gil se fecha também na instância da ascendência, conforme observa o escritor, pesquisador e jornalista José Teles no texto de apresentação do projeto. A grande influência do músico baiano foi, confessadamente, Luiz Gonzaga, que, por sua vez, trazia em sua bagagem muitos temas que aprendeu com as bandas de pífanos que animavam os festejos juninos e tocavam nas novenas.

“Eu ficava viajando em como seriam as músicas de Gil em arranjos para o Pife Muderno. Passou o tempo, chegou o aniversário de 80 anos dele e pensei em dar esse presente. A gente compilou toda a obra de Gil, desde o início da discografia, fomos selecionando e chegamos a uma quantidade de músicas que demandou esse projeto maior, de quatro álbuns. Falei dessa ideia para o Gil e ele ficou muito feliz, se mostrou muito disponível”, conta Malta.

Tão disponível que cedeu seu estúdio, o Palco, para as gravações, que foram realizadas após um período de pré-produção conduzido por Marcos Suzano, também integrante da formação oficial do Pife Muderno. Cada álbum do projeto “Carlos Malta e Pife Muderno em Gil” é nomeado como uma suíte temática: “Suíte Viramundo”, “Suíte Tempo Rei”, “Suíte Primazia” e “Suíte Festa”.
 

A partir do momento em que entrou em estúdio, o grupo gravou 25 músicas em uma semana, a partir de bases eletrônicas produzidas por Suzano, que teve que prescindir dos músicos, posto que esse trabalho foi realizado durante a pandemia. “Estávamos gravando ainda de máscara, com muita vontade de nos reunirmos, e foi lindo que isso tenha acontecido em torno da obra de Gil”, destaca Malta.

Ele diz que esse processo acabou por moldar, em boa medida, o resultado final do projeto, oferecendo ao ouvinte uma variedade de estilos ao longo dos quatro álbuns. “Suzano elaborou uma visão da obra do Gil bem contemporânea, que o Pife Muderno incorporou, então é uma banda de pífanos muito futurista, com a presença da eletrônica. Isso nos norteou na estética do som do Gil para os arranjos do grupo”, aponta.

A propósito dessa estética, Malta observa que uma presença marcante nos arranjos, além dos pífanos, são as flautas baixo, que tanto ele quanto Andrea Ernest Dias tocam. “Elas, de certa forma, fazem as vezes do violão de Gil, dão um caminho harmônico. É uma visão de arranjo bem mais ampla do que a tradição, que a gente respeita muito, mas, afinal, somos o Pife Muderno, nascemos no asfalto”, diz.
 
 

Duas perdas

Em meio a “alegria que é trabalhar com a música de Gil”, ele lamenta duas perdas ocorridas durante o processo de realização desse projeto: o baterista Bolão, vitimado pela COVID-19, e o engenheiro de som do Pife Muderno, João Damasceno, que também morreu no ano passado. “Carlos Malta e Pife Muderno em Gil” é dedicado também a Bolão, que integrava o grupo desde sua fundação, em 1994.

“Foi uma dupla cacetada no início de 2022. O grupo se reorganizou e, para os shows, nos concentramos, os cinco restantes, para fazer aquele som que fazíamos em seis, com a camada de música eletrônica, e eles têm sido um sucesso. As apresentações que fizemos até aqui foram muito elogiadas. Era o Pife Muderno renascendo”, conta.

Ele observa que, sem a presença de Marcos Suzano, que está em turnê com Ney Matogrosso, o Pife Muderno chega para esse show em Belo Horizonte com um reforço local: o pandeirista Túlio Araújo.
 
“Teremos essa participação mais do que especial. Conheci o Túlio quando passamos por BH com o projeto ‘Pixinguinha como nunca’, no CCBB, e imediatamente pensei nele para substituir o Suzano”, destaca.
 
 

Poder de comunicação

Para Malta, a grande repercussão que o projeto em torno de Gil vem tendo se deve, sobretudo, ao que considera a principal singularidade da obra do baiano: o poder de comunicação. “Ele diz tudo o que quer dizer numa música. As letras dele têm essa fluência, e o que eu quis mostrar com um trabalho instrumental é a beleza das melodias que conduzem essas letras. Gil é um campeão nisso”, diz.

Velho conhecido do público da série BH Instrumental, pela qual se apresentou em diversas outras ocasiões, o artista destaca que é sempre um prazer tocar em uma praça pública. Malta ressalta, ainda, que mantinha, há anos, uma relação de estreita amizade com a criadora do projeto, Rose Pidner, que morreu em 2019.

“Ela era uma irmã de som, trabalhou com Hermeto Pascoal, assim como eu, então a gente tem essa ligação, essa raiz musical. Desde que comecei minha carreira solo, ela sempre me apoiou, porque, além de exímia musicista, era uma produtora espetacular. A gente fica muito feliz de abrir a temporada 2023 dessa série idealizada por ela. E é um projeto de graça, na praça, então é uma relação de carinho e de amor total”, destaca.

Edu Lobo no radar

Além de seguir com os shows em torno da obra de Gil, Malta diz que vários outros projetos pairam em seu horizonte para o restante do ano. Ele adianta, em primeira mão, que está preparando para Edu Lobo uma homenagem nos mesmos moldes da que prestou ao músico baiano.

“Edu também vai fazer 80 anos, então já estou no sextante dele, mirando algo parecido com o que estou fazendo para o Gil. Até agora só o próprio Edu sabe disso, e ficou muito feliz. Vamos fazer com o Pife Muderno e com uma garotada que a gente conhece aqui no Rio, uma novíssima geração, que vai participar cantando”, revela.

Sua agenda inclui, ainda, alguns shows de “ventos e tambores” com o percussionista maranhense Fofo Black, que também orbita a formação do Pife Muderno e estará presente na apresentação de hoje na Praça Floriano Peixoto. “E também tenho feito muita coisa com o Robertinho Silva. Sempre fui muito ligado na coisa da percussão, dos tambores, e estou cada vez mais imbuído de trabalhar com isso”, diz.

BH INSTRUMENTAL 

Abertura da temporada 2023 da série com o show “Carlos Malta e Pife Muderno em Gil”. Antes, apresentações de Cleber Alves Quarteto, Eneias Xavier Quarteto e Mimulus Cia. de Dança. Neste sábado (15/4), a partir das 16h, na Praça Floriano Peixoto (Santa Efigênia). Entrada franca.