Um recorte – até então pouco explorado – no rock brasileiro dos anos 2000 marca o festival que vai reunir, neste sábado (15/4), na Esplanada do Mineirão, Pitty, os remanescentes do Charlie Brown Jr., Detonautas, Di Ferrero, CPM22, Fresno e Tianastácia convidando Digão, dos Raimundos. Batizado 2000 Rock Fest, o evento celebra os 20 anos da geração que despontou e se firmou naquela primeira década do milênio.
Um dos organizadores do festival, Bernardo Dabés explica que as atrações vão se apresentar no mesmo palco, uma após a outra, a partir das 13h. Ele aponta que todos os shows têm caráter retrospectivo, com os grupos e artistas executando repertórios que reúnem os maiores sucessos da carreira.
A motivação para criar o evento foi a percepção de que havia poucas iniciativas no país com foco na geração roqueira dos anos 2000. Com experiência de 30 anos na produção de shows, o próprio Dabés reconhece que havia “pulado” aquela década.
“Sou de 1973, então meu gosto musical foi construído nos anos 1980 e 1990. Mesmo tendo os discos dessa turma dos anos 2000, parece que foi uma década que eu pulei”, reconhece.
Foi quando um amigo lhe enviou o vídeo de um show do Fresno no último Rock in Rio que ele despertou para o potencial desse segmento. “O público estava pulando de um jeito alucinado. Fui pesquisar e encontrei um outro show, reunindo o Detonautas, o Di Ferrero e também o Fresno. Me dei conta de que há demanda por essa turma e que, no entanto, ela está meio desassistida em termos de eventos específicos”, aponta.
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Edição piloto
Ele observa que são grupos e artistas que normalmente se apresentam para públicos de 5 mil pessoas, e que a expectativa é que o 2000 Rock Fest reúna 15 mil. Dabés ressalta que essa é uma edição piloto e diz que, caso seja bem-sucedida, o evento passa a fazer parte do calendário cultural da cidade, com realização periódica.
“Já estamos sendo procurados por outras cidades, que querem receber esse festival, mas vamos entregar essa primeira edição com qualidade, depois a gente pensa na sequência”, pontua.
Ele destaca que uma pesquisa e uma votação on-line nortearam a escalação dos grupos e artistas que compõem a programação.
Turnê comemorativa
A baiana Pitty chega como principal atração, a bordo da recém-lançada turnê “ACNXX”, que celebra os 20 anos de seu álbum de estreia, “Admirável chip novo”. O repertório do disco, com 11 faixas, é executado na íntegra, e o roteiro musical do show se complementa com os hits que marcam o restante da discografia da cantora.
Ela destaca que Belo Horizonte está entre as primeiras cidades a receber a turnê, que foi muito bem acolhida nos lugares por onde já passou.
“Foi um álbum que gerou oito singles, que rodaram muito nas rádios e na MTV. As pessoas conhecem 90% daquele disco, mesmo quem não estava muito ligado naquela cantora que estava começando ali, então a reação a essa turnê tem sido incrível”, diz.
Ela destaca que, pela primeira vez, as músicas de “Admirável chip novo” serão executadas no palco da forma como foram gravadas. Ao longo de sua carreira, Pitty levou para o roteiro dos shows que apresentou as músicas do disco, mas com arranjos distintos dos que foram originalmente registrados.
“Nunca pude tocar o ‘Admirável chip novo’ como foi gravado porque não havia tecnologia para isso. No estúdio a gente fazia um paredão de guitarras que não era possível reproduzir no palco, e hoje eu consigo. Ao longo de 20 anos, essas músicas já foram muito modificadas nos shows, rearranjadas mil vezes, então é meio paradoxal, mas a grande novidade são os arranjos antigos, originais. Quando fomos ensaiar, senti o álbum muito fresco”, destaca.
Também com relação às letras, ela considera que seu álbum de estreia segue pertinente. “Continuo querendo dizer aquelas mesmas coisas. Em termos de linguagem pode ter havido mudanças, mas os assuntos, os interesses, eles apenas foram se desdobrando nos discos seguintes, por conta da passagem do tempo mesmo”, diz.
Sobre o recorte que o 2000 Rock Fest propõe, ela considera que aquela década em que debutou como artista foi muito próspera para o rock brasileiro e pródiga em diversidade. Pitty observa que diferentes movimentos coexistiam, alguns vindos dos anos 1990, outros brotando a partir da virada do século.
“Você tinha o Rio de Janeiro representado pela mistura de rap e hardcore que o Planet Hemp defendia; em São Paulo era uma cena mais punk, que acabou gerando o emo; tinha os desdobramentos do movimento mangue em Pernambuco, com Nação Zumbi, Devotos, Jorge Cabeleira; as rádios tocando muito rock brasileiro e a MTV impulsionando todo mundo”, recorda.
Pitty: luz própria na cena rock
Ela pontua que transitou por todos esses núcleos e que segue mantendo a amizade com essa geração de artistas, com encontros frequentes na estrada.
“Nunca fiz parte de um segmento específico, sempre fui meio loba solitária, passei por esses movimentos e eles passaram por mim, talvez porque meu som seja mesmo meio permeável, tem rock, tem hardcore, dialoga com a lírica do rap”, pondera.
Pitty acredita que o momento político também ajudou a moldar aquela cena. “Lula tinha chegado à presidência, então havia uma mudança de ideologia em curso, uma busca por mais direitos, por liberdade de expressão. Quando você via o Planet Hemp, ainda nos anos 1990, com aquele discurso, era muito transgressor. Eu acho que vim com essa sede lá da Bahia, de transgressão, com vontade de mudar as coisas que eu não achava certas”, diz.
Celebração geracional
O Detonautas registrou, em fevereiro deste ano, no Teatro Riachuelo, no Rio de Janeiro, um show acústico que chega ao mercado no formato de DVD em meados deste ano.
Pensada para marcar os 20 anos da banda, que lançou seu álbum de estreia em setembro de 2002, a apresentação foi também uma celebração geracional, já que contou com as participações especiais de Badauí (CPM22), Lucas Silveira (Fresno) e Di Ferrero.
O show que será apresentado no 2000 Rock Fest, no entanto, não se relaciona com esse projeto, segundo o vocalista Tico Santa Cruz.
“Estamos levando o show elétrico, com repertório baseado nos hits da banda. Festivais assim, em que cada atração tem um tempo limitado, são bons para você fazer um apanhado do seu trabalho”, diz, destacando o fato de o público das atrações escaladas ser mais ou menos o mesmo.
“Como tem esse foco na geração dos anos 2000, meio que todo mundo conhece todo mundo. É um festival que junta nomes que fizeram história duas décadas atrás, mas que mantêm seu legado. Alguns deles surgiram um pouco depois do Detonautas, tipo Fresno e Di Ferrero, e de repente todo mundo se une agora, num momento especial”, sublinha.
São encontros que, na verdade, já vêm acontecendo desde o ano passado, segundo o vocalista. Ele diz que Detonautas, CPM22, Di Ferrero e Fresno têm tentado estabelecer agendas conjuntas.
“Existe essa proximidade, então a gente tem feito, desde o final de 2022, shows com três atrações – Detonautas, Fresno e Di Ferrero ou Detonautas, Di Ferrero e CPM22, por exemplo”, diz.
Cenário do rock BR
Tico comemora que no 2000 Rock Fest essa parceria possa se repetir, com a adição – que considera sintonizada – de Pitty, do tributo ao Charlie Brown Jr. e de um representante local, o Tianastácia. Ele acredita que este seja um momento apropriado para se rever a contribuição que os grupos e artistas surgidos nos anos 2000 deram para o cenário do rock no Brasil.
“Tem essa coisa geracional, pela qual a cada 20 anos entra-se numa espiral de revisão, talvez até com um pouco de nostalgia para quem era adolescente na época. Um festival como esse acaba sendo uma forma de as pessoas na faixa dos 30 ou 40 anos revisitarem aquilo que as formou musicalmente”, avalia.
Ele pontua que, dentro daquela mesma geração, havia cisões, que, contudo, foram superadas. “O Detonautas e outras bandas surgidas na primeira metade da década eram bastante ancoradas no hardcore, com um discurso direto, mas isso acabou desembocando no movimento emo, um pouco contestado por quem veio antes. Depois, com todo mundo mais maduro, isso ficou para trás e a gente pode se unir para celebrar a longevidade”, diz.
O Detonautas vive um momento muito prolífico. Além do projeto acústico em andamento, o grupo lançou, durante a pandemia, dois álbuns de músicas inéditas – um deles, batizado “Álbum laranja”, de teor mais político, e o outro, “Esperança”, com letras mais reflexivas e existenciais, falando de dores, angústias e perspectivas, segundo Tico Santa Cruz.
Agenda aquecida
Quem também está num momento bastante ativo da carreira é o CPM22, que se prepara para lançar um álbum de inéditas e, desde que a pandemia arrefeceu, está com uma intensa agenda de shows por todo o Brasil. O vocalista Fernando Badauí credita os ventos favoráveis à participação do grupo em grandes festivais, que se configuram em vitrines potentes.
“Estivemos no último Rock in Rio e em outros festivais importantes, como o João Rock. A banda está valorizada. Nosso público é numeroso e marca presença mesmo, o que desperta a atenção dos contratantes. Some-se a isso nossa experiência de 28 anos e os shows intensos que a gente faz, com duas horas de música”, destaca.
Ele acredita que a forma como as bandas surgidas entre os anos 1990 e 2000 foram lançadas é o que as aproxima. “Você tinha as gravadoras ainda cumprindo um papel central e tinha a MTV. Os grupos chegavam de forma muito mais consolidada para o público. E as bandas que fazem parte desse 2000 Rock Fest, por exemplo, foram lançadas num momento em que as rádios rock tinham muita força no país”, aponta.
2000 ROCK FEST
Com shows de Tianastácia convidando Digão, dos Raimundos; Fresno; Charlie Brown Jr., CPM22, Di Ferrero, Pitty e Detonautas, neste sábado (15/4), a partir de 13h, na Esplanada do Mineirão (Av. Antônio Abrahão Caram, 1.001, Pampulha). Ingressos para pista a R$ 170, pista Premium a R$ 250 e backstage a R$ 450 pelo site Meep.