Ilustração mostra cadeiras ocupadas em teatro

Ilustração mostra cadeiras ocupadas em teatro



Na tarde do último dia 18 de março, dezenas de pessoas ignoravam o forte sol e permaneciam obstinadas em duas longas filas que saíam da porta do CCBB-BH, na Praça da Liberdade. Uma seguia em direção ao Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais e a outra ia na direção do Edifício Niemeyer. 

Todos aguardavam para ver a mostra “Os Gêmeos: Nossos segredos”, dos irmãos Gustavo e Otávio Pandolfo. “Essa fila de cá é de quem já tem ingresso. A de lá é fila de espera”, explicou um rapaz que estava em frente ao prédio do centro cultural.

A grande quantidade de gente nas filas para ver a mostra não foi uma exclusividade do dia 18, de acordo com a gestora do CCBB, Gislane Tanaka. “Nós estamos vindo de uma (curva) crescente de público. No primeiro trimestre de 2022, tivemos uma média de 114 mil visitantes. No mesmo período deste ano, foram 370 mil”, diz.

Teatro

A grande adesão do público não se limita às exposições de artistas visuais - antes da mostra d’Os Gêmeos, estava em cartaz “Sonho de amor”, do pintor belarusso-francês Marc Chagall (1887-1985). Peças que estiveram em cartaz no local, como “Carmen Miranda, a grande Pequena Notável”, com Laila Garin, e “Molière”, com Matheus Nachtergaele, também tiveram casa cheia.

“Ficções”, com Vera Holtz, que segue com apresentações das sextas às segundas-feiras até o próximo dia 8 de maio, não teve, até agora, uma única sessão com lugares vazios na plateia. Inclusive, na última quarta-feira (12/4), a plataforma que vende ingressos para o CCBB saiu do ar, devido à grande quantidade de acessos ao mesmo tempo.

“Nós derrubamos a bilheteria dos quatro CCBBs (Belo Horizonte, Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo)”, admira-se Gislane.
 

Quem está produzindo está com condições de colocar o bloco na rua, e a plateia está confiante, com vontade de sair de casa. Acredito que seja uma tendência. É o que a gente espera

Gislane Tanaka, gestora do CCBB


Educação

Outra atividade cultural de grande sucesso foi o CCBB Educativo, programa permanente de arte e educação promovido pelo centro cultural. No primeiro trimestre do ano passado, cerca de 3 mil pessoas estiveram envolvidas com as atividades do programa. Já nos três primeiros meses deste ano, o total de participantes chegou a 13 mil. 

“Para algumas atividades, nós tivemos que arrumar outro espaço, porque a sala do (CCBB) Educativo não estava comportando todo mundo”, afirma a gestora.

“Acho que o público está mais confiante, disposto a voltar a frequentar os espaços culturais e sentindo-se mais seguro. Também acho que as produções conseguiram reorganizar a vida depois dessa pandemia”, comenta.

“A classe artística, os museus e demais espaços culturais foram muito impactados. Então acho que agora começa um ajuste de quem promove a cultura. Vejo que quem está produzindo está com condições de colocar o bloco na rua, e a  plateia está confiante, com vontade de sair de casa. Acredito que seja uma tendência. É o que a gente espera”, acrescenta Gislane.
 

Filarmônica de Minas Gerais 

Quem faz coro a ela é o diretor-presidente do Instituto Cultural Filarmônica, Diomar Silveira. Desde que a orquestra estreou a temporada 2023 de concertos, em fevereiro, foram realizadas 13 apresentações, com público total de 14.260 espectadores.

“Isso dá uma média de 1.100 pessoas por concerto”, observa Silveira. “A Sala Minas Gerais comporta 1.400 pessoas. Ou seja, se nós tivemos público total de 14.260 pessoas nas 13 apresentações, significa que a média de ocupação da sala por concerto foi de cerca de 80%. Esse indicador é suficiente para mostrar que as pessoas voltaram, sim, a consumir atividades culturais na cidade”, afirma.

Além do crescimento na venda de ingressos para as apresentações desta temporada, houve aumento também no número de espectadores dos tradicionais “Concertos para Juventude” e de assinantes do programa de fidelidade da orquestra, que garante uma espécie de cadeira cativa nas apresentações.

“Nos ‘Concertos para Juventude’, a gente não consegue mais atender todo mundo que quer assistir à apresentação presencialmente. Tem muito mais demanda do que lugar na sala. Por isso, no caso específico dessas apresentações, nós estamos fazendo transmissão pelo Youtube, justamente para atender essas pessoas que não conseguiram ir presencialmente”, ressalta Silveira.

Em relação aos assinantes, ele conta que, ao todo, são cerca de 2.500. Desse total, 2.300 são pessoas que renovaram a assinatura de 2022 para 2023, e 200 são pessoas que adquiriram o plano neste ano.

“Estamos muito felizes com esses resultados, porque nós nos esforçamos muito para entregar ao público uma programação constante e de excelência”, diz.
 

Nos 'Concertos para Juventude', a gente não consegue mais atender todo mundo que quer assistir à apresentação presencialmente. Tem muito mais demanda do que lugar na sala. Por isso, no caso específico dessas apresentações, nós estamos fazendo transmissão pelo Youtube, justamente para atender essas pessoas que não conseguiram ir presencialmente

Diomar Silveira, diretor-presidente do Instituto Cultural Filarmônica

 

Palácio das Artes 

A Fundação Clóvis Salgado (FCS) é outra instituição que vê grande adesão de público nas atrações culturais que oferece. Na semana passada, a cantata “Carmina Burana”, que inicialmente seria apresentada pelo Coral Lírico de Minas Gerais apenas na quarta-feira, ganhou sessão extra no dia anterior porque os ingressos se esgotaram rapidamente. 

Em poucas semanas, os bilhetes para os 1.700 lugares do Grande Teatro do Palácio das Artes foram vendidos sem nenhuma dificuldade. O mesmo ocorreu com o musical “Abba Experience In Concert”, que também abriu sessão extra para atender à grande demanda de público. No teatro, as peças "Riobaldo", com Gilson de Barros, e “Eu sempre soube”, com Rosane Gofman, atraíram muita gente. 

Juntos, os dois espetáculos reuniram cerca de 1.800 espectadores no Teatro João Ceschiatti  – vale dizer que o local comporta 140 pessoas. 

Estratégia

Contudo, o diretor de programação do Palácio das Artes, Bruno Hilário, não vê essa adesão de público como comportamento voluntário das pessoas, e sim reflexos de estratégias bem-sucedidas nas programações dos espaços culturais.

“Não acho que nós estejamos vivendo uma efervescência de público, de interesse das pessoas de modo geral. Eu não sei como definir, porque acho que precisaríamos fazer um estudo mais aprofundado sobre isso. O que acho é que a atuação de alguns locais é um grande diferencial. O sucesso está nos espaços que pensam a programação a partir do público”, afirma.

Para ele, há ainda grande dificuldade para tirar as pessoas de casa a fim de levá-las aos centros culturais. “Hoje, existem várias alternativas para as pessoas consumirem cultura dentro de casa. Por isso, acredito que os espaços que estão tendo sucesso são aqueles que conseguem promover uma programação que seja experiência única para o público.”

Se a grande adesão das pessoas às atividades culturais é um movimento natural ou não, ainda é cedo para afirmar com certeza. Fato é que há muito tempo não se via grande quantidade de gente enfrentando intempéries do tempo para entrar num museu, ou com dificuldade em comprar ingressos para uma peça em temporada.

Independentemente da motivação, esse movimento é positivo. “Isso beneficia todo o ecossistema da cultura, porque é formação de público para todo mundo. Acho que, realmente, Belo Horizonte vive um momento especial”, afirma Gislane, do CCBB. 
 

Existem várias alternativas para as pessoas consumirem cultura dentro de casa. Por isso, acredito que os espaços que estão tendo sucesso são aqueles que conseguem promover uma programação que seja experiência única para o público

Bruno Hilário, diretor de programação do Palácio das Artes