Eram nove da manhã em um vilarejo americano perto de Nashville, no estado do Tennessee, e Joss Stone tinha acabado de acordar quando conversou com a reportagem por mais de 40 minutos. A cantora inglesa mora com o namorado, Cody DaLuz, e os dois filhos do casal, Violet, de 2 anos, e Shackleton, de seis meses, que ela ainda amamenta.





O combinado eram 25 minutos de entrevista sem câmera ligada, mas não foi o que aconteceu. Por um celular que ela mesma segurava, Stone apareceu sem nenhuma produção nem nenhuma preocupação com aparência. Girou o celular para mostrar sua casa, a vista do jardim e respondeu todas as perguntas sem receio de se expor demais.

"Hoje me sinto livre para fazer só o que quero ou preciso para manter minha carreira. Não sou mais uma menina e consegui sobreviver esse tempo todo sem alimentar o monstro da fama a qualquer custo", disse. "Não preciso me apresentar para 50 milhões de pessoas. Quero que meu público seja menor, que só venha quem quiser e que todo mundo fique confortável, com uma boa visão do palco e que a noite seja ótima."

Stone está comemorando 20 anos de uma carreira que começou como uma explosão. Ela tinha só 16 anos quando lançou o primeiro disco, "The soul sessions", em 2003. Com covers de músicas não muito conhecidas, estourou com "Fell in love with a boy", regravação de "Fell in love with a girl", do White Stripes.





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Inglesa, adolescente e branca, tinha uma voz potente que se costuma ouvir em cantoras negras, americanas e muito mais velhas do que ela era. Ninguém sabia direito o que pensar da garota. Tinha gente que criticava o fato de ela só ter gravado covers, como se o álbum fosse uma boa sessão de karaokê, mas nada além disso. E tinha quem considerava o álbum uma estreia promissora. Fato é que o sucesso foi imediato, e o disco teve 5 milhões de cópias vendidas.


Segundo disco

No ano seguinte, já com nome, voz e rosto conhecidos, lançou seu segundo trabalho, "Mind, body & soul", só com canções originais. O disco fez mais sucesso do que o anterior, com 6 milhões de cópias vendidas.

Nenhum outro disco da cantora atingiu o mesmo patamar de sucesso, mas ela construiu uma carreira sólida. Ganhou prêmios, fez pontas como atriz e, no ano retrasado, venceu a edição britânica do reality show "The masked singer", com um figurino que imitava uma porção gigante de batata frita.





Stone já se apresentou no Brasil cinco vezes. A última foi há menos de um ano, grávida do segundo filho. Ela também foi anunciada como uma das atrações do último Rock in Rio, que ocorreu em setembro do ano passado, mas a apresentação foi cancelada, contra sua vontade.

"Fiquei grávida e meu agente cancelou o show sem me consultar. Achou que eu ia estar muito no final da gravidez. Foi horrível. Fiquei furiosa. Meu único consolo é que meu lugar foi ocupado por uma das melhores cantoras da Inglaterra, a Jessie J. E ela estava grávida quando foi ao Rock in Rio!"

Soul music

Como de costume entre artistas internacionais, Stone elogiou o público brasileiro, mas apresentou uma nova teoria no lugar do batido "vocês são muito animados". "Música latina é soul music, que não é exatamente um ritmo específico, mas um sentimento", afirmou. "Deve ter alguma coisa a ver com a língua portuguesa. Não sei explicar a razão, mas, mesmo nos países da África que falam português, o público tem essa mesma paixão dos brasileiros."



A cantora contou que seu plano sempre foi ter uma família grande, com seis ou sete filhos, mas no parto do segundo filho, em outubro passado, seu útero sofreu uma ruptura. O bebê era grande, tinha quase cinco quilos, e ela tinha optado por um parto natural, que foi substituído por uma cesariana de emergência depois de 30 horas de tentativas.

"Vou tentar ter mais filhos, quero muito, mas também não quero morrer no processo. Se der certo, vou amar. Mas, se não conseguir, tudo bem também", disse ela. "Talvez, na próxima gravidez, deva me concentrar em compor mais músicas em vez de sair em turnê."





Stone parece genuinamente feliz e em paz com suas escolhas e conquistas. Mas não foi sempre assim. Disléxica, ela teve uma vida escolar complicada e acabou expulsa aos 14 anos, quando começou a se dedicar mais à música do que aos estudos. "Nunca gostei de ir à escola. Agora, fico pensando nos meus filhos. Se também não gostarem, não vou obrigá-los. Abro mão do meu trabalho e viro professora deles."


Filhos na escola

A ideia de se aposentar precocemente está mesmo rondando a mente da britânica de 36 anos, que gosta de levar e buscar os filhos na escola todos os dias. "Aproveitem enquanto é tempo. Daqui a pouco, quando minha filha entrar na escola, vou ter que dizer ‘tchauzinho, vejo vocês em uns 15 a 18 anos’."

Ela já decidiu que vai renunciar à sua casa nos arredores de Nashville, cidade que ela adora e onde consegue compor com tranquilidade, por causa da estrutura e da imensa comunidade de músicos na região.





"Essa cidade é perfeita para qualquer pessoa que queira fazer música, mas não tenho coragem de mandar meus filhos para uma escola americana. Não é seguro. Vou voltar para Devon. Lá não há armas nas salas de aula e não existe este drama", disse.

Devon é um condado no Sudoeste da Inglaterra, onde a cantora passou parte de sua infância e adolescência e onde moram seus três irmãos, que também têm filhos pequenos, e sua mãe, em uma casa a três minutos a pé da que ela comprou para instalar sua família.

Até lá, a cantora pretende manter as crianças longe dos holofotes. Violet, a mais velha, a acompanhava em todas as turnês desde que nasceu, mas já não vem ao Brasil este mês. Vai ser a primeira vez, desde que a menina nasceu, que Stone vai passar uma noite sem a criança.

"Vejo os filhos dos meus amigos que levam as crianças aos seus shows e não gosto disso. Essas crianças veem os pais ou as mães no palco e acham que precisam ser artistas para serem valorizados", diz. "Quero que meus filhos sejam cientistas, cabeleireiros, enfermeiros, se quiserem." 

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