Ator Benoit Magimel, de camisa florida, e atriz Pahoa Mahagafanau, com as costas de fora e trajes  polinésios, conversam em varanda em cena do filme Pacifiction

De Roller (Benoit Magimel) e Shannah (Pahoa Mahagafanau): aliança entre o ex-colonizador e a ex-colonizada

Fenix Filmes/divulgação

Há problemas no paraíso, grandes o suficiente para mudar o rumo das coisas como também profundos em demasia para serem vistos a olho nu. Em resumo, é disso que se trata “Pacifiction”, sexto longa-metragem do cineasta catalão Albert Serra, que estreia nesta quinta-feira (20/4) em Belo Horizonte. O filme fez parte da seleção oficial do Festival de Cannes de 2022 e levou o César (o Oscar francês) de melhor fotografia e de melhor ator para seu protagonista, Benoit Magimel.

O que resta do passado imperialista francês é visto sob o viés da paranoia política atual. Magimel é De Roller, alto-comissário da Polinésia Francesa, um dos territórios ultramarinos ainda hoje governados pela França. Rumores de que a matriz europeia vai retomar os testes nucleares nas ilhas 30 anos depois colocam o diplomata de sobreaviso.

Bela paisagem do Oceano Pacífico, com homem tampando o rosto dos últimos raios de sol, e montanha ao fundo, no filme Pacifiction

A exuberante natureza é quase personagem de "Pacifiction", em cartaz no UNA Belas Artes e no Centro Cultural Unimed-BH

Fenix Filmes/divulgação

Fuzileiros à vista

A temporada do comissário nas ilhas está chegando ao fim, mas ele não pode passar incólume frente a acontecimentos estranhos no lugar. Estrangeiros misteriosos, com destaque para o português que afirma ter perdido seu passaporte, dominam os hotéis. E o número de militares tem crescido. O filme, inclusive, é aberto com a chegada de um grupo de fuzileiros, sob o comando de um almirante dúbio.

De Roller pode ser confundido com um bon vivant, é a impressão que se tem da figura que exibe, o tempo todo, terno branco, camisa florida e óculos escuros. Ele, o colonizador, acredita que conhece melhor a cultura do próprio colonizado.

O jeito afável de quem se dá com todos da região – líderes locais, ativistas, dançarinos de boate – é uma armadura. Ele sabe que seu paraíso particular está para acabar em breve – e entra numa busca pessoal para saber o que realmente está acontecendo. Afinal, quem está patrocinando? Russos, americanos, chineses?
 

Outra figura de destaque nesta narrativa com muitos personagens, que vêm e vão ao sabor das ondas, é Shannah, interpretada pela atriz trans Pahoa Mahagafanau. Aos poucos, entre comentários assertivos e muitos silêncios, ela acaba se tornando uma espécie de assistente e musa do comissário De Roller.

Shannah parece ter consciência sobre o que está acontecendo com seu povo, tenta dialogar sobre o futuro, mas também sabe que há forças fora de seu controle.
 
 

Apesar da trama com contornos geopolíticos, “Pacifiction” não tem, de maneira alguma, um tratamento realista. Albert Serra parece mais preocupado com a variedade de tons do céu e do mar na Polinésia (sim, as imagens são fantásticas), com as luzes que atravessam o ar enfumaçado de uma boate em que polinésios, homens e mulheres, quase sem roupa, servem bebidas para estrangeiros; com o ir e vir de barcos que atravessam grandes ondas para acompanhar um campeonato de surfe (e essa sequência é surpreendente).

Sem pressa

O ritmo e os diálogos, por vezes monólogos de De Roller, que está quase o tempo todo em cena, são, por vezes, exasperantes. De tal maneira que o drama que se desenvolvido e se perde em meio a imagens e tergiversações – os não ditos dizem muito mais do que as falas dos personagens.

Não há pressa alguma. A câmera de move com muita lentidão, num convite para que o espectador (e “Pacifiction” é filme para tela grande) entre de cabeça neste misto de sonho e pesadelo. Dessa maneira, as quase três horas de duração do filme parecem durar uma eternidade.

“PACIFICTION”

(Espanha, França, Alemanha, Portugal, 2022, 162min. De Albert Serra, com Benoit Magimel, Pahoa Mahagafanau e Sergi López) – Estreia no cine UNA Belas Artes, às 20h20, e no Centro Cultural Unimed-BH Minas, às 19h10