Paola Carosella não quer ser vista só como cozinheira. Ela expressa sua vontade em voz alta minutos antes de amarrar um avental na cintura para cozinhar em frente às câmeras e gravar seu novo programa, "Alma de cozinheira", que estreia no início de maio, no GNT.
A argentina Carosella ficou conhecida no Brasil em 2014, ao ser escalada para ser jurada do “Masterchef Brasil”, carro-chefe da Band no gênero, em que julgava pratos de aspirantes a chefs de cozinha. Ela diz que saiu do programa para encontrar novas facetas de si mesma.
"Alma de cozinheira" atende a este desejo. No programa, Carosella prepara um menu completo para duas celebridades diferentes a cada episódio. Ela se une a figuras como Dani Calabresa, Pequena Lô e Pedro Bial, para jogar conversa fora enquanto bebem bons drinques.
Verbos escolhidos pela equipe do programa dão o tom dos encontros. A ex-BBB Juliette Freire e a jornalista Fátima Bernardes, por exemplo, vão confabular sobre a palavra empoderar, enquanto saboreiam um pilaf de arroz selvagem com amêndoas e cogumelos.
"Gosto de cantar, viajar, falar da vida, do feminino, do lugar da mulher aos 50, de racismo, das pautas LGBTQIA+, de transfobia, de maternidade e outros milhares de assuntos", diz Carosella. "É como se juntar com amigos para jantar."
Ativismo
A militância e o ativismo político, aliás, podem tê-la ajudado a ficar mais conhecida do que os outros jurados do “Masterchef”, diz Carosella. Bolsonaristas xingaram a cozinheira em maio passado, quando ela disse num podcast que os apoiadores do então presidente eram burros. Meses depois, às vésperas das eleições, o ex-secretário da Cultura Mario Frias disse que Carosella deveria voltar para a Argentina."Era muito importante que houvesse a mudança de governo. Isso é muito diferente de ter um partido ou acreditar que alguém vai ser o salvador da pátria", diz, ao ser questionada sobre o mandato de Lula, do PT.
"Espero um Brasil sem fome, uma reforma agrária, o fim do desmatamento e um país que olha para as riquezas da Amazônia além da madeira e do gado. Espero que o agronegócio, inteligente e poderoso como é, consiga enxergar que o futuro está na forma de produzir alimento. O agronegócio tem que trabalhar junto com o governo e com os povos originários", afirma a chef.
• Leia também: Minas tem oito restaurantes entre os 100 melhores do Brasil
Logo que anunciou sua saída da Band, em 2021, a cozinheira atraiu o faro de emissoras de TV como o GNT e de plataformas de streaming. A maioria dos convites que recebeu eram para realities e projetos voltados à culinária. Ela queria ir além. Criou então um canal no YouTube para filmar receitas de um jeito descomplicado e ficou dois anos afastada da televisão.
Mas um reality acabou fisgando sua atenção. Carosella repetiu o papel de jurada no programa "Minha mãe cozinha melhor que a sua", exibido na Globo entre janeiro e este mês de abril, em que avaliava pratos feitos por celebridades, como Ludmilla e Ana Castela, com ajuda de suas mães. Ela diz que só aceitou reprisar a função porque aquele era um programa focado no entretenimento.
Para compor a banca de jurados do “Masterchef”, por sua vez, ela criou uma persona. "De repente aparece uma mulher de cabelo preso, vestida com blusa de babados brancos, óculos, saia preta longa e com um sotaque muito mais forte que o meu de hoje em dia. Eu era um meme ambulante. Não sabia que estava fazendo uma personagem tão boa."
A cozinheira afirma que, no início, fez isso inconscientemente, mas depois passou a planejar figurinos e trejeitos que lhe dessem um ar de professora de matemática. Ana Paula Padrão, que apresentou todas as edições do “Masterchef”, tinha uma impressão contrária.
"A câmera gosta muito que você tenha reflexos que correspondem às suas emoções. Quando vi Paola chorando pela primeira vez, estranhei, mas me soltei mais depois disso. Aprendi com ela a como não construir uma personagem."
Ver uma Carosella mais humanizada também impressionou Cecília Padilha, uma das últimas eliminadas da primeira temporada do “Masterchef”. "Paola não podia ser próxima dos participantes, então não imaginava que fosse chorar na minha eliminação. Ela era muito fechada, então me surpreendeu."
Carosella diz que aceitou fazer o “Masterchef” porque precisava de dinheiro para administrar seus restaurantes. Ela é uma das fundadoras do Arturito, aberto em São Paulo, em 2008, e da rede de empanadas La Guapa, que surgiu em 2013 e hoje tem várias unidades espalhadas pelo Brasil.
A cozinheira relembra que não sabia bem como se portar em frente às câmeras no começo e tinha a sensação de que estava traindo os próprios negócios. "Não consegui me entregar ao entretenimento porque sentia que um chef de verdade não poderia fazer isso."
Ela compunha o time de jurados ao lado do francês Erick Jacquin e do brasileiro Henrique Fogaça. Como de praxe em programas de culinária, era rígida e exigente com os competidores, o que a fez se tornar alvo de machismo e xenofobia nas redes sociais. "Eu era quem mais recebia ódio, como 'cala a boca, vai embora, volta para o teu país'. Irrita muito ter uma mulher não brasileira julgando brasileiros."
Carosella conta que não fazia ideia de quem era Ana Paula Padrão quando entrou na Band. Tampouco compreendia em que passo estava a emissora em relação às outras. Afinal, não tinha aparelho de televisão em casa.
Convidados
Desde então, muita coisa mudou. Hoje ela conhece bem os ícones da cultura brasileira, a ponto de, na primeira reunião do "Alma de cozinheira", ter pedido para cortar convidados que considerava icônicos demais, como Caetano Veloso, Gilberto Gil e Maria Bethânia. "Não conseguiria conversar com eles. Não queria ficar tremendo", ela diz.Rogério Farah, executivo da produtora à frente do "Alma de cozinheira", diz que Carosella leva a disciplina do universo de cozinheiros para o set de filmagens. "O que ela pensa dos ingredientes vai além do prato e do sabor. Tem um conceito que está muito ligado à sustentabilidade e à forma como ela age ativamente como cidadã em diversas causas."
Carosella, de 50 anos, chegou ao Brasil em 2001, prestes a fazer 30 anos. Veio de Nova York para dirigir a cozinha do restaurante Figueira Rubaiyat e diz que foi se encantando pelo país aos poucos, por causa da possibilidade de deixar a história da morte dos pais para trás e pela ideia de começar uma vida do zero.
Hoje, depois de trabalhar como chef de cozinha por 32 anos, quer se despir cada vez mais do avental de cozinheira. Sua intenção é equilibrar a apresentadora com a empreendedora e, quem sabe, até se arriscar no teatro. "Não quero mais ser chef de cozinha. Aliás, não sou chef de cozinha. Isto é um cargo. Nunca gostei que me chamassem assim. A minha alma é e sempre vai ser de cozinheira."