A gente tem salas de concerto, grupos que se apresentam, e isso é ótimo. Mas para chegar mais perto, você tem que conversar com outras linguagens. É importante se lembrar de falar de ideias, de odisseias, de questões filosóficas
Cristian Budu, pianista
Música clássica é missão, e esta vai além da sala de concerto. É dessa maneira que o pianista Cristian Budu, de 35 anos, tem levado a carreira. Um dos principais solistas brasileiros da atualidade – foi apontado pelo próprio Nelson Freire como seu sucessor –, alia vários lados do fazer musical.
Faz concertos, solo ou com orquestras e grupos; pequenos saraus, como o projeto Pianosofia, criado por ele; participa de projetos sociais; ministra masterclasses em festivais; e grava. Acabou de lançar, com a Orquestra Ouro Preto, o álbum “Haydn & Mozart”, registrado ao vivo no Palácio das Artes com o pianista Gustavo Carvalho.
No domingo (23/4), Budu encerrou sua participação no 2º Festival de Piano, promovido pela Escola Saramenha de Artes e Ofícios, em Ouro Preto. Fez apresentações e ministrou masterclasses para 10 bolsistas. “Você se sente fora do mundo fazendo isso, aprendo muito convivendo com os bolsistas”, comenta.
Nesta terça (25/4), ele faz recital no Teatro do Centro Cultural Unimed-BH Minas, dentro da programação do Festival de Maio. No programa, Carl Philipp Emanuel Bach (“Fantasia em dó maior”), Beethoven (“Sonata para piano nº 30 em mi maior”), Chopin (“Polonaise-Fantaisie”), Enrique Granados (“Oito valsas poéticas”) e Alberto Ginastera (“Três danças argentinas”).
“Penso no tipo de discurso de cada peça que toco, pois cada uma é parte da jornada. Minha ideia foi começar com uma peça leve, como a ‘Fantasia’, do Carl Philipp, filho do Bach, para depois entrar no repertório bastante profundo, com obras do período tardio de Beethoven e Chopin. Como vou ao fundo, tento dar uma arejada com o Granados e terminar com as ‘Danças argentinas’, que são muito vivas.”
Filho de romenos que imigraram para São Paulo no início da década de 1980, Budu cresceu em Diadema, graduou-se em música no Brasil, especializou-se nos Estados Unidos. Viveu na Alemanha até a pandemia. No meio da crise da sanitária, decidiu realizar um antigo desejo: mudar-se para Belo Horizonte, onde nasceu sua primeira filha. Hoje, mantém um pé em Minas e outro em Paris, França.
“Não sei como explicar isso, mas aqui se valorizam as coisas grandes e pequenas na vida”, afirma Budu em entrevista ao Estado de Minas.
O que a mudança para Belo Horizonte representou na sua vida?
Sempre tive uma ligação forte com Minas Gerais. Planejava: ‘um dia vou morar em Minas’. Também sempre tive afeição grande pela música e grupos musicais. A Orquestra Ouro Preto é muito querida, já toquei 10 vezes com eles, com a Filarmônica toquei bastante. Minha companheira (Ayla) é mineira, minha filha (Laura) nasceu em Minas. É um lugar que tem um lado profundo, muito diferente de São Paulo e do Rio. Belo Horizonte é um grande centro, mas aqui me sinto mais conectado com a terra, perto da natureza. E as relações com as pessoas: há tempo para que as coisas que importam aconteçam. Não sei como explicar, mas aqui se valorizam as coisas grandes e pequenas da vida. Encontrei amantes da música em saraus, grupos musicais viraram laços muito importantes. Em São Paulo, a vida corre muito rápido. Em Minas, consigo perceber melhor o tempo.
Quais são as primeiras lembranças que você tem ao piano? Seus pais influenciaram na escolha da carreira profissional ou ela veio naturalmente?
Meus pais são romenos e recomeçaram a vida no Brasil. Eles trouxeram, basicamente, livros na mala e dois instrumentos: o clarinete do meu pai e o violino da minha mãe, pois estudaram (música) na escola. Depois, meu pai ganhou um pianinho de armário e cresci ouvindo ele tocar. Então, tudo começou bem cedo, mas não me lembro de quando aprendi a tocar piano. Imitava meu pai e logo ele percebeu que eu imitava certinho, de ouvido. Meus pais nunca me forçaram a ser pianista. Inclusive, eu olhava para o mundo do piano e achava que não ia ser pianista. Não gostava do meio da música clássica; amava a música, o meio me assustava. Mas, aos poucos, isso foi naturalizando para mim.
Um dos divisores de águas na sua carreira foi o primeiro lugar no concurso Clara Haskil, na Suíça, dez anos atrás. Concursos internacionais continuam sendo a principal porta de entrada para quem almeja se tornar solista?
O concurso é um dos jeitos que o mercado acaba valorizando, mas muitas pessoas fazem concurso, ganham e não continuam. Para fazer carreira, tem muita coisa envolvida, não é só ganhar. No fundo, concurso é mais para se expor, pode ser um trampolim. Mas competição, em si, não tem nada a ver com a arte. Beleza não se compara. O concurso dá visibilidade, serei sempre agradecido por ter acontecido comigo. Mas quero sempre lembrar aos jovens músicos que por mais que as estruturas institucionais existam e se pode seguir por elas, é importante criar parâmetros para envolver sempre o que a gente faz, contextualizar com a nossa vida, trazer as pessoas para perto. Existe um risco muito grande de a gente ficar um pouco alienado ou dependente (das estruturas), sendo que a música é feita para chegar nas pessoas.
'Sempre tive uma ligação forte com Minas Gerais. Planejava: um dia vou morar em Minas (...). É um lugar que tem um lado profundo, muito diferente de São Paulo e do Rio'
Cristian Budu, pianista
Como é seu dia a dia com o piano?
Bastante corrido. Sou pianista, mas sou pai também de uma bebezinha e não trabalho só com o piano. Tento ter linhas diferentes. Ou seja, meu cotidiano é um pouco inconstante, mas intenso. Aprendi a ser mais eficiente no estudo, e estudo não só ao piano, mas na concepção, na escuta interna, enfim, na imaginação. Tem muitos jeitos de estudar, como diziam os mestres do passado. Às vezes, passo 12 horas estudando, às vezes não tem como estudar. Um dos desafios da música de concerto, e isso não é de hoje, é a formação de plateias.
Como aproximar a música clássica do grande público?
A formação de plateias, para a nova geração, é uma das coisas mais importantes. Pode ser feito quando você leva a música para formatos novos. A gente tem salas de concerto, grupos que se apresentam, e isso é ótimo. Mas para chegar mais perto, você tem que conversar com outras linguagens. É importante se lembrar de falar de ideias, de odisseias, de questões filosóficas. E estas não são questões restritas à música, são da natureza humana. Claro que vai ter sempre a apresentação formal, mas é importante se lembrar de diminuir o fosso entre o palco e o público. Mas cada um faz de um jeito. A aproximação do grande público é um trabalho passo a passo para cada pessoa. Em projetos que têm esse intuito, aos poucos as pessoas entram no universo de escuta, e a linguagem fica mais compreensível. A principal guia não é a pessoa achar isso bom mas distante dela, a erudição pela erudição. A erudição vem do aprofundamento, e isso pode existir em qualquer linguagem, não só na música clássica. O importante é a pessoa se sentir próxima, que aquela linguagem lhe seja natural, que converse com algo universal e atemporal, por mais que seja representado por uma cultura muitas vezes de origem europeia.
• Leia também: Escola Saramenha, em Ouro Preto, promove Festival de Piano e Semana do Canto neste mês de abril
Ser citado por Nelson Freire como seu sucessor deve ter um peso grande, tanto honra quanto responsabilidade. Como você lida com isso?
Claro que com muita honra e responsabilidade. Ao mesmo tempo, sei que as pessoas trataram Nelson Freire muitas vezes como um título, e não como um artista. Nelson Freire é, para sempre, um dos maiores artistas que temos. Tive a sorte de estar próximo dele, convivido com ele, tocado para ele, até com uma amizade muito gratificante. Ele será para sempre meu ídolo. Agora, ele deve ter falado isso pelo fato de valorizar a filosofia musical que eu sigo. Ele não era uma pessoa que ligava para a questão de carreira, de estrelismo, inclusive falava disso com desdém, pois isso faz fugir a atenção da música. O que me inspira é aquilo que traz a gente para perto da música e conecta com as pessoas. Cada um faz seu caminho. Muito dessa filosofia musical vem das escolas antigas, de ninguém imitar ninguém e deixar aflorar a própria personalidade. O mais importante é tocar o coração das pessoas.
FESTIVAL DE MAIO
Com o pianista Cristian Budu. Nesta terça-feira (25/4), às 20h30, no Teatro do Centro Cultural Unimed-BH Minas (Rua da Bahia, 2.244, Lourdes). Ingressos: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia). À venda na bilheteria e no site eventim.com.br
Próximas atrações
Organizado pela pianista e professora Celina Szrvinsk, o Festival de Maio destacará, em suas próximas edições, o pianista André Mehmari (16/5, às 20h30) e o Quinta Essentia Quarteto, especializado em flauta doce (21/5, às 17h). Os dois recitais serão realizados no Teatro do Centro Cultural Unimed-BH Minas.
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