O espetáculo “Deriva”, do grupo mineiro Quartatela, estreia nos palcos da Funarte MG, nesta quinta-feira (27/4), às 20h. A peça, dirigida por Sara Pinheiro e Clarissa Campolina, dá início à temporada de 12 apresentações, que seguem até 14 de maio.
A peça é co-dirigida pelo cineasta Pablo Lamar e conta a história de quatro pessoas, com características e personalidades contrárias às ordens sociais, que são exiladas em um barco à deriva – “Barca dos Loucos”. O roteiro faz alusão ao livro “A nau dos insensatos” (1494), de Sebastian Brant, cujo a alegoria (dos excluídos) é referência há séculos nas produções culturais do ocidente.
O novo espetáculo do Quartatela explora elementos que misturam cinema e teatro, e brinca com sonoplastias produzidas pelos próprios atores em cena.
Delírios
“Pessoas exiladas num barco em alto-mar. Da terra, restam poucas batatas e memórias. À deriva, deliram”. Essa é a premissa de “Deriva”, que aposta na volta das ficções aos palcos e coloca os personagens desajustados em situações pitorescas, que envolvem os assustadores monstros que habitam o oceano da cartografia e histórias da época de “Nau”.Ao explorar a antiga alegoria dos excluídos, a peça traça subjetivamente as características e personalidades do quarteto. Longe do que são considerados os padrões aceitos pela sociedade, os loucos são lançados a alto-mar e, em meio às peculiaridades e delírios de cada um, decidirão se voltam à terra firme.
Andarilhos, camponeses, pestilentos, bruxos ou vagabundos – não há uma designação única para cada excluído. Sem nomeá-los, o desejo é instigar os espectadores a descobrirem uma maneira própria de referenciá-los. A diretora Sara Pinheiro compartilha o processo que levou a essa escolha: “Fizemos as pesquisas para definirmos os tipos dos personagens, mas não os nomeamos. Então, as interpretações vão de cada espectador. Fazíamos ensaios abertos e era muito legal ouvir o que cada um tinha a dizer sobre eles”.
Atemporal
No mar de referências à alegoria, “Deriva” se destaca pela capacidade de navegar por todas as temporalidades. Antiga, atual e futura “não é possível localizar o tempo exato em que a peça se passa. Não se sabe há quanto tempo essas pessoas estão ali e não se sabe em que época isso acontece ou aconteceu”, afirma Gabriela Veloso, atriz do coletivo. Ela completa: “O diferencial está na possibilidade de múltiplas identificações. A dura e cruel realidade de exclusão é de todas as épocas”.Esse cenário multigeracional é explorado nos quadros independentes da peça. Com um toque cinematográfico, trazido pela cineasta Clarissa Campolina ao integrar a equipe, as diferentes maneiras de ocupar o espaço do palco brincam com a não linearidade do espetáculo e trazem à tona indagações que transformam as antigas percepções negativas sobre os protagonistas.
Criação coletiva
As cenas são resultado de uma criação coletiva entre a preparadora de elenco, Joyce Malta, e Bramma Bremmer, Gabriela Veloso, Lucas Nicoli e Pedro Lanna, que atuam como os náufragos. A intenção é trabalhar a corporeidade de cada um e explorar a potência dos diálogos cômicos em situações nada cotidianas.A peça também inova na trilha sonora, que tem sua sonoplastia produzida pelos próprios artistas durante as encenações ao utilizarem objetos inusitados. “Esse espetáculo, ao misturar as linguagens, foca no som, que compõe a trilha sonora e explora a disposição do espaço”, afirma a atriz.
Pablo Lamar foi o responsável por trazer ao grupo diferentes percepções e experimentações com as sonoridades. O paraguaio é engenheiro de som e diretor e, ao lado do elenco, desenvolveu técnicas que buscavam preencher todo o espaço do palco.
“Testamos diversos materiais, plástico, isopor, tudo que achávamos que poderia ajudar a produzir os sons que queríamos, como o de chuva, por exemplo”, diz Gabriela Veloso. “Foi intuitivo, ensaiamos, apresentamos nos ensaios abertos e conseguimos explorar o som de uma maneira interativa, como nunca havíamos feito antes”, completa a atriz.
Cinema e teatro
Característica do Quartatela, a mistura de cinema e teatro foi essencial para a criação da dramaturgia. “Trabalhar com primeiro e segundo plano faz com que algumas cenas sejam mais à ponta ou ao fundo do palco, o que brinca com a profundidade e a percepção de quem assiste”, conta a diretora Sara Pinheiro.Gabriela, que participou ativamente na escrita do roteiro, compartilha o segredo para a mistura ter dado certo: “Ter a Clarissa, que trabalha mais com o audiovisual; a Sara no teatro e no cinema; e o Pablo, que também atua nos dois eixos, trouxe esse olhar criativo que precisávamos para criar algo novo a partir da alegoria de 'Nau'”.
Gabriela relaciona o momento conturbado da pandemia com a nova trama: “Lembro de momentos em que eu e Sara conversávamos sobre processo e víamos que ele tinha um pouco dessa característica das ondas do mar. Vai e volta, vai e volta, estávamos à deriva. Muitas coisas aconteceram, muito se foi, mas muito voltou. A Bramma é um exemplo disso”.
A atriz e escritora Bramma Bremmer é uma das protagonistas da peça. Longe dos palcos, a autora de "Desejo de me expor, desejo desaparecer” estreou na literatura coincidentemente nos espaços da Funarte, no início de fevereiro. A artista, que já fez parte do Quartatela e estava presente no início do processo de criação do roteiro, volta ao tablado ao lado dos antigos companheiros para a nova temporada de apresentações.
“DERIVA”
Com Grupo Quartatela. Estreia nesta quinta-feira (27/4), às 20h, na Funarte MG (Rua Januária, 68, – Centro). Ingressos: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia). Disponíveis para venda pelo Sympla e também na bilheteria do teatro 1h antes das sessões. Temporada até 14 de maio.
* Estagiária sob a supervisão da subeditora Tetê Monteiro
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