Para o público, é a chance de rever, reouvir ou tomar contato pela primeira vez ao vivo – no caso das gerações mais novas – com uma das bandas mais emblemáticas do rock brasileiro dos anos 1980. Para os integrantes dos Titãs, reunidos na formação original depois de 30 anos (com exceção de Marcelo Fromer, que morreu em 2001), é como, depois de um longo período de férias, reencontrar os amigos de escola na hora do recreio.
Os depoimentos de Arnaldo Antunes, Branco Mello, Charles Gavin, Nando Reis, Paulo Miklos, Sérgio Britto e Tony Bellotto explicitam o prazer quase juvenil de velhos camaradas, na faixa dos 60 anos, que se reencontraram para a turnê comemorativa que teve início na última quinta-feira (27/4), no Rio de Janeiro, e que chega agora a Belo Horizonte, para duas apresentações, neste sábado (29/4) e domingo (30/4), no Expominas.
A série de shows que vai passar por 17 cidades brasileiras e segue para Portugal em novembro celebra – com um ano de atraso, por causa da pandemia – as quatro décadas de formação da banda, que tem como marco inaugural uma primeira apresentação, no Sesc Pompeia, em outubro de 1982. Batizada apenas como “Encontro”, a turnê tem como mote “Todos ao mesmo tempo agora”, em alusão ao álbum “Tudo ao mesmo tempo agora”, de 1991.
O repertório que os Titãs levam para o palco tem como foco três dos mais destacados álbuns que o grupo gravou na década de 1980 – “Cabeça dinossauro” (1986), “Jesus não tem dentes no país dos banguelas” (1987) e “Ô blésq blom” (1989) –, mas não se restringe a eles. Remete, de todo modo, ao período áureo da formação original completa, antes da saída de Antunes, em 1992.
Homenagem a Fromer
“É claro que não vão faltar hits de outros discos mais recentes, como ‘Epitáfio’”, diz Miklos. Lançada em 2001, pouco depois da morte precoce de Fromer, a canção que tem como tema a brevidade da vida passou a ser associada ao guitarrista, que receberá uma homenagem no show, com a participação de sua filha, a cantora Alice Fromer.
Bellotto destaca que vários fatores foram levados em consideração para se montar o roteiro da apresentação. A satisfação de cada um dos integrantes, o equilíbrio entre os cantores e o desejo de satisfazer a expectativa dos fãs são alguns deles, conforme aponta. “No geral, é um repertório que cumpre a função de mostrar o que é a música dos Titãs”, diz.
Ele observa que o show é focado em hits, como “Bichos escrotos”, “Comida” e “Flores”, mas vai além. “Vamos tocar os sucessos que fazem parte da memória afetiva de tanta gente, mas também algumas músicas que, mesmo não tendo sido grandes hits, trazem nossa ‘marca titânica’ de ousadia e liberdade. Tenho certeza de que ninguém vai sair decepcionado.”
Desde que a turnê “Encontro” começou a ser desenhada, o sentimento dos integrantes é de alegria pelo congraçamento. “A expectativa é a melhor possível, vão ser shows grandiosos, cumprindo o que os fãs esperam. Será um grande prazer estar no palco, matando a saudade dos velhos companheiros, e fora do palco também, porque será uma turnê muito específica e de muita emoção”, diz o guitarrista.
Ele destaca o espírito de celebração de que todos os integrantes estão imbuídos. “Comemorar um projeto tão vitorioso, 41 anos depois daquela aventura juvenil, nos traz muita alegria, porque é a possibilidade de a gente ver consolidado um trabalho relevante, que faz sentido para várias gerações de brasileiros”, ressalta Bellotto.
Para Miklos, a turnê significa “revisitar um lugar de muita alegria e amizade, reencontrar os amigos com quem vivi tantas aventuras e aprendi tantas lições de vida fundamentais”. Ele, que para a turnê voltou a tocar saxofone, depois de 20 anos – período em que se dedicou mais aos ofícios de cantor e ator –, diz que a ideia é tentar ser o mais fiel possível à sonoridade que o grupo forjou e disseminou nos anos 1980.
“As características de cada um ajudaram a definir a estética da nossa música. Os coros, a forma como nos completamos. É isso que vamos levar para o show. Sérgio Britto foi buscar teclados característicos da época, por exemplo”, pontua. Ele considera que a obra dos Titãs, mesmo a que foi produzida nos primórdios do grupo, segue atual, capaz de dialogar com as novas gerações.
“Agora, durante os ensaios, ficou evidente que essas canções são todas muito atuais. Elas continuam contundentes. E retratam muito bem o Brasil de 2023. Minha expectativa é encontrar diferentes gerações que acompanham nosso trabalho”, diz. Nando Reis também enxerga nessa turnê a potência de conectar novos e antigos fãs.
“Essa turnê é uma oportunidade de tocar junto com os amigos com quem criei músicas magníficas. E tocar para diferentes gerações representa justamente a força da obra dos Titãs. Será emocionante, inclusive, tocar ao vivo para meus filhos, porque três deles não viveram isso”, comenta.
Sobre as composições que remontam aos anos 1980, Sérgio Britto também considera que elas mantêm o frescor. “Nossas músicas mais antigas envelheceram muito bem. Não são circunstanciais. Até porque falamos de questões que dificilmente são ou serão superadas, com muita propriedade. Fizemos músicas sobre questões sociais, de amor, de reflexões sobre a vida. Todas têm uma qualidade que permitiu que sobrevivessem ao tempo”, avalia.
Arnaldo Antunes diz que o “Encontro” tem sido rejuvenescedor, desde os primeiros ensaios. “Antes de sermos uma banda, fomos uma turma de escola, no meio dos anos 1970, quando nos conhecemos. Depois, seguimos nos encontrando, compondo, realizando outros projetos, até a formação da banda em 1982. Tem muita história, com lembranças de todo esse período de amizade e criação conjunta”, ressalta.
Ele diz que, nas poucas vezes desde sua saída da banda em que reencontrou os Titãs no palco, como convidado especial – na gravação do “Acústico MTV”, de 1997, na turnê com os Paralamas do Sucesso e na comemoração de 30 anos do grupo –, sempre foi uma emoção regada a muitas risadas, lembranças, histórias compartilhadas e afetos.
“Agora, com essa turnê, temos a oportunidade de conviver um pouco mais com essa cumplicidade que não se extingue”, comemora. “Esse espírito de grupo, as piadas, os códigos, a intimidade, parece que tudo permaneceu intacto. É como se, além de estarmos celebrando nosso reencontro, estivéssemos também nos reencontrando com um período muito fértil e feliz de juventude”, acrescenta.
Espírito de irmandade
Tony Bellotto observa que o espírito de irmandade entre os sete músicos está presente desde a primeira reunião para a turnê. “A impressão que deu no nosso primeiro encontro foi de que, quando a gente começasse a tocar, tudo ia fluir na mesma harmonia e simplicidade de sempre, como se estivéssemos nos anos 1980. Até mais leve, porque agora tem essa característica de celebração”, afirma.
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Para Paulo Miklos, o caráter rejuvenescedor dessa turnê convive perfeitamente bem com a experiência e a bagagem que cada um dos integrantes adquiriu ao longo dos anos, tanto os três que permanecem com a bandeira dos Titãs hasteada – Bellotto, Branco Mello e Sérgio Britto – quando os que partiram para a carreira solo ou se envolveram em outros projetos.
“A maturidade facilita bastante. Ela traz o desejo de conseguir acordos, chegar a soluções, planejar juntos, de uma maneira muito tranquila, diferentemente de quando se é mais novo. Tem sido um misto da alegria de revisitar a aventura toda, as memórias, e ao mesmo tempo termos, cada um, uma série de experiências que vivemos em separado e podermos agora compartilhar”, diz.
Bellotto, que ostenta o brasão de um Titã há 41 anos, destaca que são muitas as lembranças marcantes dos primeiros 10 anos, quando o grupo ainda contava com os oito integrantes. Ele diz que se recorda, com especial carinho, da sensação de euforia e alegria que o tomou da primeira vez que ouviu uma música da banda tocando no rádio.
“Eu estava com Marcelo Fromer num bar ali na rua Augusta, em São Paulo, e a gente começou a ouvir ‘Sonífera ilha’. Foi um dos grandes momentos de satisfação na vida. Aquela música que a gente tinha feito tocando no rádio, era um dos sonhos que a gente tinha”, rememora. Bellotto sublinha que existem vários outros momentos marcantes que remontam à primeira década dos Titãs – os primeiros shows, as primeiras viagens e até as coisas que davam errado.
“Teve um show que a gente fez, no Rio de Janeiro, que choveu muito, ventou, um verdadeiro temporal, e quando a gente chegou lá em cima, tinha mais gente no palco, para se proteger, do que na plateia. Ficamos pensando que essa história de que ‘carioca, quando chove, não sobe o bondinho’ é a maior furada. Sobe, sim. São essas lembranças que me vêm”, diz Tony.
O guitarrista considera que a principal contribuição dos Titãs para o pop e o rock brasileiros é a afirmação da ousadia e da liberdade criativa. Ele destaca também uma “crença absoluta” na democracia, nos direitos individuais e na liberdade em um sentido mais amplo, expressa nas letras. Trata-se, conforme aponta, da afirmação da espontaneidade no ato da criação.
“Outra marca importante é o nosso estilo, nosso jeito de cantar, que é uma mistura do que a gente tem de influência desde a juventude, do samba tradicional até o punk rock. Acho que a gente conseguiu misturar tudo isso com rigor e com uma preocupação com as letras, o que vem do nosso aprendizado da MPB, com os grandes mestres que fizeram nossa cabeça, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Chico Buarque, todos eles”, conclui. (Com Folhapress)
“TITÃS ENCONTRO”
Neste sábado (29/4, esgotado) e domingo (30/4), no Expominas (Av. Amazonas, 6.200, Gameleira), com abertura dos portões às 18h e início do show marcado para as 22h. Ingressos com preços variando de R$ 125 a R$ 340, à venda no site Eventim.