Houve um tempo, e nem tão distante assim, em que a noite de Belo Horizonte tinha nome e sobrenome. As festas comandadas por Anderson Noise eram disputadas e marcaram o início da cena eletrônica na capital mineira. Com o produtor Marcelo Marent, que morreu em 2007, formou dupla que revolucionou a balada. O que não é pouca coisa.
Do final dos anos 1980 para cá, Noise fez muito. Coisas que nem ele mesmo acreditava que um dia faria. O marco foram as festas que eram disputadíssimas em espaços fora do circuito. O DJ mineiro tocou nove vezes com o maestro João Carlos Martins, encontro que ele espera repetir mais vezes.
No carnaval de 2002, em Salvador, acompanhou Daniela Mercury no trio elétrico da baiana. Com os músicos Henrique Portugal e Lelo Zanetti, ambos do Skank, e seus parceiros no projeto Nie Myer, gravou a canção “Viking”, ao lado de Milton Nascimento.
De BH para o mundo
De Belo Horizonte, Noise partiu para o mundo. Contabilizar em quantas festas internacionais ele tocou e quantas viagens fez pelos quatro continentes é tarefa quase impossível. Anderson não tem os dados. Cita que chegou a tocar até cinco vezes por semana. O clube paulistano The Edge, na Barra Funda, foi seu endereço mais frequente. Por tudo isso, o DJ considera maravilhosos seus 35 anos de carreira se jogando nas pistas. “Claro, houve altos e baixos, mas sou um cara vencedor”, afirma.
Se em Belo Horizonte Noise e Marent eram parceiros inseparáveis na produção do que houve de melhor e mais importante na noite da cidade, é com o DJ Mau Mau que Anderson formou uma dupla inseparável nas festas e festivais de música eletrônica.
“Começamos juntos”, relembra o DJ mineiro que tem encontro na noite deste sábado (6/5) com Mau Mau, no Deputamadre. Na mesma noite tocam Alvinho L Noise, Carla Elektra, Lele DPTMDR, M0B.
“Sem a menor dúvida, é um cara que sempre admirei. Sempre tivemos respeito e admiração um pelo outro”, afirma Noise, que aponta como coincidências na trajetória de ambos o fato de terem começado no mesmo ano, 1988, e de gostarem basicamente do mesmo som – house e techno. A primeira apresentação juntos, em Belo Horizonte, foi na extinta boate Pagã, nos idos de 1994.
“As pessoas nos colocam como ícones, o que para a gente é gratificante”, diz Noise. Seu orgulho fica maior quando reconhece as dificuldades que superou e ainda enfrenta para continuar na estrada, sobrevivendo em um mercado cada vez mais difícil.
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Mercado
As dificuldades estão por todo lado. Uma pesquisa divulgada pela revista on-line “Resident Adviser”, a partir de uma conferência em Ibiza, na Espanha, indica que a cada 10 DJs, apenas um se mantém na ativa e sobrevive de sua atividade.“Muito DJ está na estrada apenas por hobby, o que não vejo problema. Mas é um problema para quem depende do ofício como profissão”, afirma o mineiro, que lamenta o fato de muitos DJs de sua geração não terem conseguido levar a carreira adiante.
Anderson Noise nasceu no bairro Santa Cruz, morou no bairro Ipiranga até os 28 anos, na região Noroeste de Belo Horizonte, depois mudou-se para o bairro Floresta, região Leste da capital mineira, até conquistar São Paulo e o mundo. “Todos os músicos fortes saem da periferia. Venho de lá também”, afirma ele.
Porém, no novo cenário da eletrônica, tornou-se mais difícil que nomes da periferia despontem. A concorrência é altíssima. No ano passado, segundo Noise, foram lançadas nas plataformas digitais aproximadamente 3 milhões de músicas por mês.
“Artistas milionários investem mais de US$ 3 milhões somente para divulgação de uma única música. Claro que os nomes que estão chegando, explodindo na mídia, têm seu valor, e muito. Mas é difícil ver um menino da periferia fazer sucesso. O equipamento é caro, trabalhar com a música eletrônica é caro, diferentemente, por exemplo, do funk, ou de quando o artista depende só de um violão”, diz.
Embora haja um grande número de DJs no mercado, Anderson avalia que está difícil apostar no surgimento de “um Pelé dos toca discos”, como Marky, que é da mesma geração. Ele chama a atenção para o impacto da inteligência artificial em todos os setores, bem como o papel das redes sociais no estímulo aos jovens para se tornarem celebridades.
“Mas estamos precisando de profissionais em todos os setores, gente de carne e osso. Quando eu ia às lojas de discos, que não existem mais, comprar um vinil, escutava o cara da loja, que é um curador, falando sobre aquele disco. O que é diferente do algoritmo que te empurra um produto.”
A guerra da Ucrânia também tem reflexos no mercado cultural, segundo Noise. “Existe uma agenda internacional (no mês que vem Anderson toca nos Estados Unidos e, em julho, na Europa), mas não é o mesmo volume de datas. Os bilhetes aéreos estão muito caros. Se o DJ não é um medalhão, o produtor vai preferir contratar um local”, comenta. Até para voos domésticos a passagem aérea pesa, e muito, na planilha dos produtores. Como a festa desta noite foi fechada duas semanas atrás, o bilhete aéreo de Mau custou R$ 1.500.
Confira o clipe de Anderson Noise, Lelo Zaneti e Henrique Portugal com Milton Nascimento:
Brasil desvaloriza os experientes
O etarismo é outro problema que afeta o mercado de DJs no Brasil. “Diferentemente do que ocorre lá fora, onde os que têm mais experiência são valorizados”, obseva o DJ. Em sua avaliação, está faltando representantes dos 50+ no line up. “É igual aparelho telefônico: está velho, vamos colocar um novo”, critica.Para ele, quanto mais misturado, melhor. “Não sou a favor de gueto, sou a favor da mistura, como eram nossas festas antigamente. Todas as tribos têm que se unir. Não existe diferença, somos todos iguais”, afirma. “Enquanto a guerra não acabar, enquanto as pessoas não levantarem e derem a mão a quem precisa de ajuda, o mundo não vai mudar. Quem não sabe fazer isso não sabe andar para a frente.”
Fazer eventos como o desta noite também é um desafio. O Deputamadre, clube que recebe hoje Noise e Mau Mau, é, na opinião do DJ, um símbolo de resistência há 20 anos, na noite de música eletrônica em Belo Horizonte. “Com Lelê (dono do espaço) dando cabeçada. A receita que vai pagar a produção da apresentação desta noite vem da portaria, onde o preço dos ingressos começa com R$ 30”, diz ele, reconhecendo que a conta não fecha.
“Imagine o tanto de gente que vou ter que colocar dentro do Deputamadre para pagar as despesas. Faço por amor e pela vontade de fazer a estreia do ‘35 35’ em Belo Horizonte.”
Diferentemente da festa “30 30”, que marcou as três décadas de pista, em 2018, “35 35” deve ter poucas datas em Belo Horizonte e, por enquanto, não há outras noites agendadas.
NOISE MUSIC SHOWCASE "35 35" ANDERSON NOISE vs DJ MAU MAU
Neste sábado (6/5), a partir das 23h, no Deputamadre Club (Avenida do Contorno, 2.026, Floresta). Line up: Alvinho L Noise, Carla Elektra, Lele DPTMDR, M0B.